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Primeiro chinês do futebol italiano, Ma Mingyu foi fracasso retumbante do midiático Perugia

Houve um tempo no futebol em que contratar um jogador asiático era sinônimo de pensar mais em tentar abocanhar uma fatia de um mercado consumidor em expansão do que, necessariamente, aguardar um retorno técnico desse investimento. Nessa época, o Perugia foi o time italiano que mais avidamente mirou o extremo oriente, e com diferentes resultados. De um lado, sucessos como o do japonês Hidetoshi Nakata; de outro, aquisições folclóricas, como a do chinês Ma Mingyu, o primeiro atleta chinês da modalidade na Itália – e, até a elaboração deste texto, o único.

Nascido em Chongqing, uma das maiores cidades da China, o meia deu seus primeiros passos no futebol local através do Sichuan Quanxing, a partir de 1990. Após uma breve passagem pelo Guangdong Hongyuan, time em que militava quando teve a oportunidade de estrear pela seleção chinesa, Ma Mingyu retornou a seu clube de formação e entrou na melhor fase de sua carreira.

Em sua segunda passagem pelo Sichuan Quanxing, Ma ajudou o time a ser terceiro colocado no Campeonato Chinês em 1999 e 2000, além de ter se consolidado na seleção da China. Sob o comando do globetrotter Bora Milutinovic, faria parte da campanha do quarto lugar dos dragões na Copa da Ásia de 2000. Ali, entretanto, a sua carreira já havia sido objeto de uma brusca guinada.

Em 1998, após a participação do Japão na Copa do Mundo daquele mesmo ano, na França, o excêntrico cartola Luciano Gaucci, proprietário do Perugia, teve uma ideia. Como estratégia de marketing, decidiu contratar um jogador do país asiático, que representava um grande mercado consumidor e, de quebra, enviava milhares de turistas à Itália anualmente.

Assim, Gaucci buscou o promissor Nakata, 21, que entregou tudo o que ele queria: mídia, camisas vendidas, popularização do clube na nação oriental e ainda retorno técnico e financeiro. Adquirido por 3,5 milhões de dólares, Hide foi um dos destaques dos biancorossi por uma temporada e meia, terminando vendido à Roma em janeiro de 1999, por 30 bilhões de velhas liras mais o passe do russo Dmitri Alenichev.

Obcecado pelos holofotes, Gaucci tentou repetir a fórmula de Nakata com atletas de dois outros países asiáticos em que o futebol tinha popularidade e nível técnico considerado aceitável. No verão europeu de 2000, decidiu atirar seu anzol na direção da Coreia do Sul e da China, que ficariam na terceira e na quarta posição da Copa da Ásia daquele mesmo ano, poucos meses depois do fechamento da janela de transferências. Assim, o Perugia contratou o sul-coreano Ahn Jung-hwan e o chinês Ma Mingyu, ambos já consolidados nas seleções de seus países. Eles receberam, respectivamente, as camisas 8 e 9, mas não brilharam na Úmbria.

“Ma”, em chinês, significa “cavalo”. Gaucci, que havia iniciado como dirigente esportivo no comando de uma escuderia de turfe, chegou a dizer na época da contratação que entendia de equinos e que o sobrenome do meia havia lhe despertado simpatia. Mas o fato é que a recepção a Mingyu não foi das melhores. Como muitos orientais no Ocidente, os dois asiáticos do Perugia precisaram lidar com o fato de terem sido vistos como animais exóticos e vítimas de preconceito. Isso certamente dificultou o processo de adaptação a um país de hábitos bastante diferentes dos quais estavam inseridos anteriormente.

Ahn Jung-hwan e Ma Mingyu foram apostas asiáticas feitas pelo Perugia, mas não deram certo (Getty)

De um lado, Ahn Jung-hwan afirma que Marco Materazzi, capitão biancorosso à época, teria lhe dito que ele fedia a alho e que, por isso, chegou a deixar de comer pratos tradicionais da culinária coreana – Matrix jamais comentou as acusações do ex-companheiro de clube. Ma Mingyu, por sua vez, foi alvo de uma lenda urbana de mau gosto: circulava na capital da Úmbria que ele teria levado a tiracolo centenas de amigos e familiares para a Itália, e que os esconderia nas dependências da sede do Perugia e do estádio Renato Curi. O fato é que o chinês morava num modesto apartamento com sua esposa e o casal sequer havia levado a filha pequena consigo. A garota havia permanecido com os avós na China, para estudar e não sofrer tão precocemente com os efeitos de uma mudança de país.

Essas não foram as únicas situações insólitas pelas quais Ma Mingyu passou: sua expressão sisuda e as rugas em seu rosto levantavam dúvidas sobre sua idade. Segundo as más línguas, seriam 43 anos. A assessoria de imprensa do Perugia não contribuiu para aplacar o fato, uma vez que declarava que o meia tinha 28, enquanto informações provenientes da China davam conta de que ele já teria 32 – oficialmente, viria a se saber depois que, na época da contratação, tinha 30. Independentemente disso, o asiático ganharia o apelido de “Nonno” por parte dos colegas de clube.

Apesar da camisa 9 que ganhou logo na chegada, o chinês mal pisou em campo com as cores do Perugia. O que, vamos combinar, não era improvável, considerando o atribulado ambiente extracampo e o fato de que, realmente, não tinha cacife para atuar na elite italiana – a Serie A, vale destacar, era a melhor liga do mundo naquela época. Ma Mingyu vestiu a camisa do time umbro somente uma vez, num amistoso de pré-temporada. Além disso, foi relacionado para uma partida contra a Salernitana, na segunda fase da Coppa Italia.

Ao longo de toda a temporada 2000-01, Ma Mingyu não foi sequer convocado pelo técnico Serse Cosmi para figurar no banco de reservas. Era figurinha carimbada nas tribunas. Ou nem isso: na sua breve passagem pelo futebol italiano, o jogador não se entrosou com os colegas e sempre deixava o centro de treinamentos diretamente para casa, depois das atividades diárias, para ficar com sua esposa. Camisas vendidas e popularização do Perugia na China? De jeito algum. Ahn Jung-hwan, por outro lado, foi um reserva constantemente utilizado e deu sua contribuição para a campanha de 11º lugar dos umbros.

Após o fracasso na Itália, ao fim da temporada 2000-01, Ma Mingyu voltou a seu país para vestir a camisa do time que defendia anteriormente – na época, o Sichuan Quanxing trocara de nome e havia passado a se chamar Sichuan Guancheng. No clube do sudoeste chinês, tornou a atuar com frequência e pode manter, sem questionamentos, o posto no meio-campo da China. Não só isso, já que Milutinovic havia lhe escolhido como capitão da seleção, que acabaria tendo a oportunidade de estrear numa Copa do Mundo em 2002. A propósito, foi do ex-perugino, no jogo contra o Brasil, o primeiro chute a gol dos dragões em um Mundial.

Em 2003, Ma Mingyu, oficialmente com 33 anos, pendurou as chuteiras. Apesar de sua importância para o futebol chinês, que atravessava um momento de ascensão no início do século XXI, o meia jamais gozará do mesmo respaldo nas oportunidades em que sua aventura na Europa for relembrada ao longo da história. Será, hoje e eternamente, visto como uma das apostas furadas de Gaucci e como exemplo de que nem sempre falam a mesma língua aqueles que pensam em estratégias de marketing mirabolantes e os que querem resultados com a bola rolando.

Ma Mingyu
Nascimento: 4 de fevereiro de 1970, em Chongqing, China
Posição: meio-campista
Clubes: Sichuan Quanxing (1990-94 e 1997-2000), Guangdong Hongyuan (1995-96), Perugia (2000-01) e Sichuan Guancheng (2001-03)
Seleção chinesa: 86 jogos e 12 gols

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