Grandes equipes fazem gigantes do futebol, e disso a Juventus entende. Ao longo de sua história, a Velha Senhora formou elencos fortíssimos com elevada frequência e é difícil eleger o melhor deles. Um dos mais amados pela torcida bianconera e, consequentemente, um dos favoritos ao posto é, sem dúvidas, o plantel que a agremiação do Piemonte montou na metade inicial da década de 1980, quando recheou sua sala de troféus com títulos nacionais e ainda alcançou duas finais da Copa dos Campeões. Para chegar à primeira delas, em 1983, a Juve deu uma prova de força sobre o Aston Villa, que buscava o bicampeonato continental consecutivo, mas não teve a menor condição de competir com os craques do time italiano.
A Juventus começou a temporada 1982-83 compartilhando a base do elenco tricampeão do mundo pela Itália, em 1982. Seis titulares da Nazionale também eram absolutos no onze inicial bianconero: Dino Zoff, Claudio Gentile, Gaetano Scirea, Antonio Cabrini, Marco Tardelli e Paolo Rossi, melhor jogador daquela Copa. Outros importantes atletas italianos, como Sergio Brio, Giuseppe Furino e Roberto Bettega compunham o plantel. Sem falar em Massimo Bonini, o maior jogador da história de San Marino, e os recém-chegados Zbigniew Boniek, um dos principais craques da Polônia, e o gênio francês Michel Platini, que ergueria três Bolas de Ouro seguidas em Turim.
No comando daquele esquadrão, havia outra lenda: Giovanni Trapattoni, um dos mais vitoriosos técnicos da história do futebol. Trap tinha iniciado seu trabalho no Piemonte em 1976 e, até 1982, comandou uma revolução. Além de ter construído a espinha dorsal da equipe, o treinador conquistara uma Copa Uefa, uma Coppa Italia e quatro scudetti. O da Serie A 1981-82, aliás, foi o responsável por garantir o passaporte da Velha Senhora para a Copa dos Campeões – que, como o nome evidencia, naquela época só permitia a participação dos donos dos títulos nacionais e do time defensor do próprio troféu continental.
O time que teve o prazer de levantar a orelhuda em 1981-82 foi justamente o Aston Villa – apesar de ter sido somente o 11º colocado no Campeonato Inglês e ter passado longe de brigar pela taça nacional novamente. O título europeu dos leões, a propósito, ratificava o domínio dos clubes ingleses na Copa dos Campeões daquela época, visto que foram registradas seis conquistas seguidas dos britânicos entre 1977 e 1982. Apesar disso, Ron Greenwood, técnico da Inglaterra, levou somente um atleta dos Villans para a Copa do Mundo realizada na Espanha – o atacante Peter Withe. O comandante ainda optou apenas por três do Liverpool e dois do Nottingham Forest, que também haviam se sagrado vitoriosos em nível continental no período de hegemonia citado.
A Juventus começou o seu caminho europeu contra o Hvidovre, da Dinamarca. Na primeira fase eliminatória, já que toda a competição era disputada em mata-mata, a Velha Senhora não tomou conhecimento dos escandinavos e aplicou uma goleada por 4 a 1 – fora de casa. Na volta, os bianconeri abriram 2 a 0, relaxaram e acabaram entregando um 3 a 3 no fim das contas. Um resultado que desagradou alguns torcedores, que vaiaram a equipe, sobretudo por conta das duas derrotas nas três rodadas iniciais da Serie A. Ao mesmo tempo, o jornal La Stampa ainda notou que o ídolo e já veterano Bettega não ficou nem no banco, o que poderia representar um início de atritos nos bastidores. Tanto as reclamações quanto as ponderações do diário eram exagero puro.
Na fase subsequente, a Juventus encarou o Standard Liège, da Bélgica. Em tempos de força do futebol belga no cenário internacional, a equipe italiana empatou por 1 a 1 fora de casa, mas logo decidiu a peleja de volta – com dois gols de Rossi ainda na etapa inicial. Qualquer princípio de crise foi arquivado e, assim, estava encerrada a participação da Velha Senhora na Copa dos Campeões em 1982. A Juve voltaria a campo apenas em março do ano seguinte, para disputar as quartas de final, contra o Aston Villa. Seriam os primeiros confrontos oficiais entre os times e os únicos por mais de quatro décadas, quando voltariam a se enfrentar na Champions League, em 2024.
O Aston Villa tinha vencido a Copa dos Campeões de 1981-82 ao bater o Bayern de Munique na final, por 1 a 0. Na edição 1982-83, o time inglês teve um caminho relativamente tranquilo até as quartas: passou pelo Besiktas, da Turquia, por um placar agregado de 3 a 1 e, na sequência, enfiou 6 a 2 no Dinamo Bucareste, da Romênia. A equipe mantinha a espinha dorsal da campanha do título e era treinada pelo inexperiente Tony Barton, que era assistente de Ron Saunders até assumir interinamente, em fevereiro de 1982, e surpreender ao chegar ao topo da Europa em seus primeiros meses como técnico profissional. Em janeiro de 1983, os leões ainda abocanharam o troféu da Supercopa Uefa, sobre o Barcelona.
Para o jogo de ida, no Villa Park, os mandantes escalaram um onze inicial formado integralmente por atletas que estavam relacionados para a final contra o Bayern, em Roterdã – nove dos quais entraram em campo. Apesar disso, como já salientamos anteriormente, era um time que tinha pouquíssimos jogadores de seleção, seja da Inglaterra ou da Escócia. O título europeu não alterou o cenário e a maioria deles sequer fardou pelas equipes nacionais de seus países. Apenas o supracitado Withe e o meia Gordon Cowans, que mais tarde passaria pela Itália, vestindo a camisa do Bari, somariam pelo menos 10 aparições pelos Three Lions.
Mantendo as tradicionais duas linhas de quatro do futebol inglês, o Aston Villa encarou uma Juventus que atuava à moda italiana da época, com um esquema baseado no 1-3-3-3 dos tempos do catenaccio – porém mais fluido, se comportando como 4-4-2, 4-3-2-1 ou 4-3-3 a depender das fases do jogo. Mas não se engane: a formação que Trapattoni escolheu para o confronto de Birmingham representava um time bastante ofensivo. Os bianconeri foram a campo com Rossi e Bettega, atacantes de origem, e Boniek e Platini, que também atuavam naquele setor muito frequentemente.
Não foi necessário nem um minuto passar para que a Juventus provasse que tinha viajado à Inglaterra para marcar gols. Numa bela trama pela esquerda, que envolveu Bettega e Cabrini, o lateral cruzou na medida para Rossi se antecipar ao escocês Des Bremner e cabecear com força para as redes, sem oferecer qualquer chance a Nigel Spink.
Os jogadores de ataque da Juventus não guardavam posição e se movimentavam muito, confundindo a defesa do Aston Villa – como no lance do primeiro gol. Depois, Colin Gibson quase fez contra e acertou o seu travessão ao tentar cortar cruzamento de Bettega. Também muito ativo, Cabrini subia frequentemente e atuava quase como um ponta.
Aproveitando uma dessas estocadas do lateral italiano, os ingleses contragolpearam e levaram perigo com um cruzamento de Tony Morley para Gary Shaw, que foi travado na hora certa por Bonini. Na sequência do escanteio cedido pelo samarinês, Andy Blair acabou arrematando para fora. Antes disso, Ken McNaught até balançara as redes, mas fez falta na jogada, que foi invalidada.
O placar só viria a ser alterado no início do segundo tempo. Aos 51 minutos, Cowans, o principal organizador de jogo do Aston Villa, buscou a amplitude com o lateral-esquerdo Gibson, que prontamente levantou a bola na área, visando encontrar a cabeça do centroavante Withe. Mas Gordon, camisa 10 que era, mostrou a inteligência digna daqueles que utilizam tal número. O meia invadiu a área como elemento surpresa, se antecipando tanto ao colega quanto a Brio, que saltou em vão, e, de peixinho, deixou tudo igual em Birmingham.
O empate já não seria ruim para a Juventus. Porém, quem disse que a equipe de Trapattoni se acomodou? O tento dos ingleses acendeu Platini, até então relativamente discreto na partida, e o levou a chamar a responsabilidade e emendar belos momentos. Jogando de forma veloz, a Velha Senhora quase chegou ao gol com um lance de genialidade do craque francês, que encontrou Rossi em profundidade, com linda cavadinha. Pablito deixou a bola pingar e encheu o pé, só que parou numa defesaça de Spink. A pelota ainda parecia ir em direção às redes, mas tomou outro rumo e, caprichosamente, tocou na trave esquerda dos britânicos antes de voltar para as mãos do arqueiro.
Impossível na intermediária, o “rei” Platini aprontaria outra das suas aos 81 minutos. Bettega voltou a cair pela esquerda e passou a bola para o francês, que nem esperou a marcação se aproximar e, com um toque de primeira e de trivela, deixou Boniek na cara do gol. Assim como Rossi, o polonês soltou a bomba. Mas teve melhor sorte: Spink não conseguiu lhe fazer oposição e só pode pegar a redonda no fundo da rede. Vitória na conta dos bianconeri.
O grande resultado na Inglaterra reacendeu o moral da Juventus, que encarou a Roma, líder da Serie A, no domingo seguinte e venceu de virada no Olímpico, com dois gols no finalzinho – o suficiente para diminuir a vantagem dos giallorossi para três pontos e reabrir a briga pelo scudetto. Como também estava classificada para as quartas de final da Coppa Italia, a Velha Senhora ainda competia por três títulos em 1982-83.
Duas semanas depois do sucesso em Birmingham, a Juve recebeu o Aston Villa no Comunale de Turim. Com casa cheia (mais de 65 mil pagantes numa noite chuvosa) e a vantagem de poder perder por 1 a 0 para seguir em frente na Copa dos Campeões. Bem, tal qual na Inglaterra, quem disse que o time de Trapattoni se acomodou com o regulamento favorável?
Logo aos 14 minutos, o Aston Villa viu seus sonhos irem por água abaixo. Quem afundou o navio foi, veja só, o goleiro Spink, tão fundamental no jogo de ida. Platini arriscou um chute de fora da área, mas a bola saiu fraquinha e rasteira. Nem o próprio craque acreditou quando o arqueiro inglês deixou a pelota escorregadia passar por entre as suas pernas.
O naufrágio do Aston Villa prosseguiu com um outro golpe já aos 27 minutos. Logo após Platini e Rossi fazerem uma jogadaça, com direito a passe de letra de Pablito, a Juventus arrumou um escanteio. Na cobrança, o camisa 9 bianconero não foi à área. Ao contrário: atuou como garçom e cruzou na cabeça de Tardelli, que desviou em diagonal e fez 2 a 0.
Só uma improvável e histórica virada dos Villans tiraria a Juventus das semifinais. Mas a verdade é que parecia que o encanto do time que veste “claret and blue” tinha ficado reservado apenas à Copa dos Campeões anterior – no Campeonato Inglês, já estavam bem longe da briga pelo título. No segundo tempo, já aos 68 minutos, Platini e Boniek puxaram um contragolpe que parecia fulminante, até o polonês errar o passe e dar de presente a McNaught. O escocês, porém, se distraiu e devolveu a gentileza, sendo desarmado pelo camisa 10 bianconero na cabeça da área. Le Roi não perdoou e fez 3 a 0.
No fim, depois que a Velha Senhora pisou no freio e passou a se poupar, uma testada de Withe diminuiu o passivo dos visitantes. Foi o último gol do Aston Villa na maior competição de clubes da Europa até 2024, quando o time conseguiu retornar aos grandes palcos do continente. Na década de 1980, a equipe de Birmingham ainda disputaria a Copa Uefa em 1983-84, mas entraria em decadência e até seria rebaixada à segundona inglesa, em 1987.
Voltando a 1983, também nas quartas de final, no mesmo dia e no mesmo horário em que o Aston Villa foi superado, a Inglaterra sofreu outro baque. Na própria chave da Juventus, o Widzew Lódz, da Polônia, eliminou o Liverpool, campeão inglês. Isso significava, portanto, que a competição não teria um vencedor britânico após seis anos. E, em tese, abriu o caminho dos italianos para a decisão, embora o antigo time de Boniek tivesse bons talentos.
Em abril de 1983, a Velha Senhora confirmou seu lugar na finalíssima de Atenas, onde enfrentaria o Hamburgo. E perderia, adiando o sonho do seu primeiro título de Copa dos Campeões – por pouco tempo, já que levantaria a taça em 1985, contra o Liverpool, numa decisão marcada pela Tragédia de Heysel. Na Serie A, apesar da reação ensaiada meses antes, também amargou o vice e viu a Roma faturar seu segundo scudetto. Porém, equipe histórica que era, aquela Juventus não deixaria barato: em junho, deu o troco na Loba e, ao superar o Verona na final, pode levantar uma Coppa Italia que teve sabor de prêmio de consolação e de estímulo para a volta por cima no ano seguinte.
Aston Villa 1-2 Juventus
Aston Villa: Spink; Bremner, Williams (Deacy), McNaught, Gibson; Blair, Cowans, Mortimer, Morley; Shaw; Withe. Técnico: Tony Barton.
Juventus: Zoff; Gentile, Brio, Scirea, Cabrini; Platini, Tardelli, Bonini; Boniek, Bettega; Rossi. Técnico: Giovanni Trapattoni.
Gols: Cowans (51′); Rossi (1′) e Boniek (83′)
Árbitro: Walter Eschweiler (Alemanha Ocidental)
Local e data: Villa Park, Birmingham (Inglaterra), em 2 de março de 1983
Juventus 3-1 Aston Villa
Juventus: Zoff; Scirea; Gentile, Brio (Furino), Cabrini; Tardelli, Bonini, Platini; Bettega, Boniek; Rossi. Técnico: Giovanni Trapattoni.
Aston Villa: Spink; Williams (Deacy), McNaught, Evans, Gibson; Bremner, Cowans, Mortimer, Walters; Shaw, Withe. Técnico: Tony Barton.
Gols: Platini (14′ e 68′) e Tardelli (27′); Withe (81′)
Árbitro: Jan Keizer (Países Baixos)
Local e data: estádio Comunale, Turim (Itália), em 16 de março de 1983