Ao longo da história, as divisões de base do Santos produziram gerações de grandes craques – nomes como o Rei Pelé, Coutinho, Pepe, Diego, Robinho e Neymar. Um dos melhores produtos da Vila Belmiro foi o atacante Juary, que começou a carreira no fim da década de 1970 e em poucos anos como profissional chegou ao futebol italiano. Na Bota, o jogador atuou por quatro equipes e ficou conhecido pela velocidade e pela típica comemoração de gols bailando com a bandeirinha de escanteio.
Nascido no interior do Rio de Janeiro, Juary chegou cedo ao Santos. Aprovado em um teste aos 14 anos de idade, começou a morar no alojamento das categorias de base até receber as primeiras chances no time principal, em 1977, época em que o time não vivia bom momento financeiro e não tinha mais Pelé.
Depois de brilhar no Paulista, Juary apareceu ainda mais na final da Taça Governo do Estado de São Paulo, contra o Atlético de Madrid: aproveitou um vacilo do mito Luís Pereira para marcar um dos gols da partida, vencida pelos espanhóis. O atacante foi o principal nome da primeira geração dos “Meninos da Vila”, que ficou com o título estadual em 1978. Depois disso, Juary foi vendido para o Tecos da Universidad de Guadalajara, do México, e até foi convocado para representar a Seleção na Copa América de 1979. Foi só em 1980 que a Itália cruzou seu destino.
Naquele ano a Itália reabria as fronteiras para a contratação de jogadores estrangeiros, após mais de uma década de proibição estabelecida pela Federação Italiana de Futebol. O ambicioso Avellino, que estreara na Serie A dois anos antes, apostou as fichas no atacante de apenas 21 anos e, dessa forma, Juary foi um dos primeiros brasileiros na Itália após a mudança feita pela FIGC – os outros foram Enéas (Bologna), Luís Sílvio (Pistoiese) e Paulo Roberto Falcão (Roma).
As primeiras horas de Juary na Campânia foram curiosas. Quando chegou para treinar, o presidente do clube, Antonio Sibilia, chamou o jogador e o técnico, o também brasileiro Luís Vinício para uma conversa. E foi bem direto, falando com o treinador em um italiano com forte sotaque campano: “Tem certeza que ele é jogador? É pequenininho, não consegue jogar… Paguei 800 mil dólares por ele? Se em três meses ele não jogar, mando você e ele embora!”, disse o cartola, passando a papelada para que Juary, de 1,69m e físico franzino, assinasse.
Sibilia se convenceu do potencial do Menino da Vila logo em sua estreia: na Coppa Italia, 4 a 1 contra o Catania e um gol do brasileiro. O dirigente aprontou uma para Juary pouco depois: sem que ele soubesse, o levou a uma audiência judicial para que conhecesse Raffaele Cutolo, chefe da Camorra. Sibilia pediu que o jogador o presenteasse com uma medalha.
Em dois anos pelo clube biancoverde, Juary logo se tornou o xodó da torcida do estádio Partenio, por causa de sua personalidade solar e expansiva, além do seu estilo de jogo, perfeito para um time que atuava no contra-ataque e que brigava para não cair. O atacante ficou famoso por sua comemoração típica de gols, na qual corria até a bandeirinha de escanteio e fazia três giros com velocidade.
No primeiro ano na Itália, o brasileiro marcou cinco gols na campanha da sofrida salvezza dos irpini, que chegou na última rodada: cinco times ficaram empatados com 25 pontos, mas pelo confronto direto o Avellino escapou. Foi um ano bem difícil para o time, que começou a Serie A penalizado em cinco pontos por causa do escândalo Totonero, e também para a região, que foi atingida por um terremoto de 6,9 graus na escala Richter – mais de 280 mil pessoas ficaram desabrigadas, cerca de 9 mil se feriram e quase 3 mil morreram.
Após a superação em 1980-81, a temporada seguinte foi um pouco mais tranquila para o Avellino. A Serie A foi muito disputada na metade de baixo da tabela, e os irpini, que ficaram na 8ª posição, se salvaram por apenas três pontos. O artilheiro do time nesta campanha foi Juary, que anotou oito gols – um contra Roma, outro contra o Napoli e dois contra o Milan, que acabou rebaixado.
O sucesso de Juary o levou a ser contratado pela Inter, em 1983. A Beneamata tinha o interesse de usá-lo como moeda de troca para chegar ao atacante austríaco Walter Schachner, do Cesena, mas as negociações não avançaram. Então o brasileiro acabou ficando, e fez parte de uma Inter sólida defensivamente (a defesa menos vazada em 1982-83), mas que tinha problemas no vestiário, como as brigas entre os meias Evaristo Beccalossi e Hansi Müller. Juary fez alguns bons jogos e ensaiou boa dupla com o artilheiro Alessandro Altobelli, atuando ao todo em 36 partidas e marcando quatro gols.
Após pendurar as chuteiras, Juary continuou ligado ao Avellino, time que lhe deu a primeira oportunidade na Itália. Ele virou comentarista para jornais e TVs do sul do Belpaese e, frequentemente, dá seus pitacos sobre os irpini. Quando o Avellino voltou para a Serie B, ele prometeu fazer a sua dancinha de comemoração em um programa de auditório e cumpriu ao vivo, mesmo já tendo alguma idade.
Aposentado, o ex-jogador se dedicou a ensinar garotos em escolinhas no Brasil e na Itália, além de também estar integrado a divisões de base de times como Santos, Avellino, Potenza, Napoli e Porto. Em 2009, Juary iniciou a carreira como treinador em times da sexta divisão italiana, e chegou a ser campeão do campeonato regional da Ligúria em 2012, pelo pequeno Sestri Levante. Atualmente, o Menino da Vila voltou às suas origens e trabalha como avaliador da base santista.O Menino da Vila ficou só um ano em Milão e acabou deixando o clube para as chegadas de Ludo Coeck e Aldo Serena.
Juary foi negociado por empréstimo com o Ascoli e também ficou apenas uma temporada nas Marcas, em uma campanha em que os bianconeri ficaram com a 10ª posição. Juary anotou 10 gols neste ano e começou logo fazendo dois contra o Avellino, sua antiga equipe.
Em 1984-85, Juary mudou de equipe de novo e, novamente emprestado pela Beneamata, voltou a vestir uma camisa de cores alternativas para o futebol italiano: após o alviverde Avellino (poucos times usam o verde na Bota), ele acertou com o Cremonese, que tem o vermelho e o cinza como cores sociais. A experiência pelos grigiorossi não foi das melhores e o brasileiro não conseguiu jogar muito bem pela equipe treinada por Emiliano Mondonico. Ele e o zagueiro polonês Wladyslaw Zmuda foram contratados para serem as estrelas do time, mas acabaram amargando o rebaixamento.
Quando parecia que não teria mais grande futuro no futebol, Juary acabou voltando para a Inter e foi vendido para o Porto – clube em que encontraria outros brasileiros que jogariam na Itália, como o meia Elói (Genoa) e o atacante Casagrande (Ascoli e Torino). Em três anos pelos Dragões, o brasileiro ganhou cinco títulos e chegou ao ponto máximo da carreira, levantando as taças de campeão europeu e mundial. Na campanha do título portista na Copa dos Campeões em 1987 ele foi fundamental: saiu do banco, recebeu passe de Rabah Madjer, e anotou um dos gols da decisão contra o Bayern de Munique, vencida por 2 a 1.
Aos 29 anos, Juary entrou na reta final da sua trajetória como jogador e começou a perambular por várias equipes. Passou pela Portuguesa e pelo Boavista, de Portugal, e também teve um retorno sem grande sucesso ao Santos. Para encerrar a carreira, o atacante fluminense jogou também no Maranhão, pelo Moto Club, e no Espírito Santo, pelo Vitória. Depois de se aposentar, fixou moradia na Itália e virou treinador, com passagens em setores juvenis de vários times, como o Napoli, e experiências entre os adultos com os modestíssimos Banzi, Aversa Normanna e Sestri Levante.
Juary Jorge dos Santos Filho
Nascimento: 16 de junho de 1959, em São João de Meriti (RJ)
Posição: atacante
Clubes como jogador: Santos (1976-79 e 1989-90), Tecos (1979-80), Avellino (1980-82), Inter (1982-83), Ascoli (1983-84), Cremonese (1984-85), Porto (1985-88), Portuguesa (1988-89), Boavista (1989), Moto Club (1990-91) e Vitória-ES (1991-92)
Títulos como jogador: Campeonato Paulista (1978), Campeonato Português (1986), Copa de Portugal (1987), Copa dos Campeões (1987), Supercopa Uefa (1987) e Mundial Interclubes (1987)
Clubes como técnico: Banzi (2009), Aversa Normanna (2009-10) e Sestri Levante (2010-13)
Títulos como técnico: Eccellenza (Ligúria; 2011-12)
Seleção brasileira: 2 jogos