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Vitória magra sobre os Estados Unidos levou a Itália a rever escolhas na Copa de 1990

O sorteio da fase de grupos da Copa do Mundo de 1990 reservou, logo de cara, uma situação insólita. Encarregada de retirar a primeira bolinha dos potes, a atriz Sophia Loren fez com que a Itália, anfitriã, encarasse, na etapa inicial do torneio, os Estados Unidos, país-sede da edição seguinte. Em toda a história dos Mundiais, isso só havia acontecido uma vez, em 1966, quando a Inglaterra foi reunida com o México na chave 1 do certame. Caberia a italianos e norte-americanos renovar essa estatística, mas a partida entre os azzurri e os ianques serviria ainda para Azeglio Vicini, técnico da Nazionale, rever alguns de seus conceitos.

Curiosamente, Itália e Estados Unidos já haviam se enfrentado em Copas do Mundo – e na Velha Bota. Mais: uma goleada por 7 a 1 sobre os estadunidenses, em Roma, marcou o primeiro jogo da Squadra Azzurra na história da competição, em 1934. Cerca de 56 anos depois de seu debute e do título mundial, a Nazionale voltava a encarar os ianques e, de quebra, outras adversárias daquela vitoriosa campanha: Áustria e Checoslováquia, que havia batido nas semifinais e na decisão, respectivamente.

Cabeça de chave do Grupo A, a Itália figurava no rol das favoritas ao título, ainda que tivesse um plantel jovem. Entre os 22 convocados, somente três haviam faturado o tricampeonato em 1982 (Franco Baresi, Pietro Vierchowod e Giuseppe Bergomi, sendo que apenas o último entrou em campo) e sete foram chamados para a Copa de 1986 – os já citados Vierchowod e Bergomi, Carlo Ancelotti, Fernando De Napoli, Aldo Serena, Gianluca Vialli e Walter Zenga. O técnico Vicini confiava num núcleo de atletas que ele ajudara a lapidar na seleção sub-21 italiana, que comandou de 1978 a 1986, antes de assumir a equipe principal: na base, haviam passado por suas mãos 12 dos escolhidos, incluindo seis dos oito citados acima.

Os Estados Unidos, por sua vez, vinham apresentando melhora em seu futebol desde que o esporte passou a ganhar popularidade no país, em meados da década de 1980 – o que culminaria em sua candidatura e posterior escolha, pela Fifa, como sede da Copa de 1994, na eleição que a entidade realizou em 1988. Para coroar o bom momento, os norte-americanos participariam de seu quarto Mundial, encerrando uma ausência de 40 anos.

É verdade que o caminho dos ianques nas eliminatórias da Concacaf foi facilitado pela desclassificação do México, punido por ter escalado, no torneio sub-20 da confederação, jogadores acima da idade limite. Ainda assim, os Estados Unidos conseguiram sua vaga apenas na última rodada, com vitória no confronto direto com Trinidad e Tobago. A Costa Rica foi a outra seleção proveniente das Américas do Norte e Central a se classificar para a Copa de 1990.

Já em solo italiano, os Estados Unidos estrearam da pior forma possível: levaram 5 a 1 da Checoslováquia de Tomás Skuhravy, autor de dois gols, e ainda perderam o promissor atacante Eric Wynalda, expulso com cartão vermelho direto. Já a Itália venceu a Áustria pelo placar mínimo e de maneira sofrida, com tento de Salvatore Schillaci na reta final da partida. Ambas as seleções chegavam à segunda rodada e ao confronto direto com a necessidade de melhora em suas performances.

Vicini repetiu o 4-4-2 da estreia e, por força maior, promoveu apenas uma alteração: Nicola Berti assumiu o posto de Ancelotti, que sofreu uma lesão muscular na estreia. Do outro lado, o técnico Bob Gansler reforçou o seu sistema defensivo ao optar pela escalação do lateral-esquerdo Jimmy Banks na vaga de Wynalda. Outras trocas norte-americanas foram menos cautelosas: o também ala canhoto John Doyle foi improvisado como zagueiro, no lugar de Steve Trittschuh, ao passo que Marcelo Balboa substituiu John Stollmeyer no meio-campo.

Como era de se esperar, o jogo começou com muita posse de bola por parte dos donos da casa, enquanto em raros momentos os visitantes cruzavam o meio-campo. Assim, logo aos 11 minutos, a Itália abriu o placar após uma linda troca de passes, iniciada por Roberto Donadoni. Vialli receberia do meia do Milan, mas fez o corta luz ao perceber a infiltração em velocidade de Giuseppe Giannini, que marcaria o gol. O romanista dominou e ainda cortou John Harkes e Mike Windischmann antes de fuzilar, com a perna canhota, Tony Meola. Curiosamente, o arqueiro estadunidense tem origem italiana – seu pai, Vincenzo, chegou a atuar no Avellino, de sua terra natal.

A Squadra Azzurra continuou a pressionar os Estados Unidos e, pouco depois, somou duas chances com Donadoni. A primeira foi com uma perigosa cobrança de falta, que passou por cima da baliza, e a outra surgiu após linda tabela entre Giannini e Paolo Maldini, que cruzou para uma cabeçada defendida por Meola. Aos 32 minutos, Paul Caligiuri, o outro jogador de origem italiana da seleção ianque, apareceu na partida ao cometer pênalti sobre Berti. Vialli até deslocou Meola, mas acabou acertando a trave.

Após uma fria reta final de primeiro tempo, a Itália voltou para a segunda etapa determinada a matar o jogo. No entanto, faltava contundência e a apagada atuação de Andrea Carnevale fez Vicini mexer na equipe aos 51 minutos, ao sacar o atacante do Napoli e colocar Schillaci – um ato que, veremos mais tarde, mudou a história da Nazionale na Copa.

Com o passar do tempo, Vicini soltou De Napoli pela direita, numa estratégia para auxiliar Donadoni no setor. A criação da Itália se concentrou por ali e várias oportunidades foram criadas em sequência – nas melhores, ambas em cruzamentos do partenopeo, Schillacci e Maldini cabecearam para fora. O domínio azzurro, porém, quase caiu por terra aos 69 minutos. Stollmeyer sofreu falta na entrada da área e, no cobrança, ele mesmo soltou um violentíssimo tirambaço, que Zenga espalmou. No rebote, Peter Vermes foi mais rápido que a zaga italiana e só não marcou porque o arqueiro da Inter conseguiu amaciar o chute com os pés, possibilitando o corte definitivo de Riccardo Ferri.

Depois do susto, a Itália optou por diminuir o ritmo do jogo, no intuito de não desperdiçar uma vitória consolidada. Os azzurri até continuaram a dar trabalho a Meola, mas em menor frequência. Até o apito final, a melhor chance da Nazionale surgiu aos 79 minutos, quando De Napoli chegou a linha de fundo e cruzou para uma potente cabeçada de Schillaci, novamente defendida pelo arqueiro. Totò ainda teve outra boa oportunidade no apagar das luzes, numa cobrança de falta que desviou na barreira e raspou a trave ianque.

No fim das contas, a Itália venceu e garantiu a classificação juntamente com a Checoslováquia, que bateu a Áustria no dia seguinte – portanto, os austríacos só cumpririam tabela com os Estados Unidos na rodada final da fase de grupos. Porém, apesar da vaga nas oitavas, Vicini percebeu que a Nazionale tinha muito a melhorar, especialmente sob o aspecto ofensivo: a seleção criava, mas não capitalizava as suas chances. Apagados, Vialli e Carnevale eram provas vivas disso.

As atuações dos dois nos primeiros jogos já seriam motivo suficiente para Vicini pensar em fazer mudanças no ataque. Só que, durante a partida contra os Estados Unidos, Carnevale deu a deixa ao treinador: o atleta do Napoli, que fora titular em ambas as rodadas disputadas até então, xingou o técnico ao ser substituído por Schillaci e foi barrado. Sequer foi relacionado para o banco de reservas dali em diante, até porque Totò desandou a balançar as redes – curiosamente, em toda a competição, só não marcou no triunfo sobre os ianques. Vialli, por sua vez, até atuou em outra peleja da campanha, na fatídica semifinal ante a Argentina. Mas, no restante do torneio, a sua posição foi de Roberto Baggio.

Logo contra a Checoslováquia, as mudanças de Vicini deram certo: a Itália venceu por 2 a 0, justamente com gols de Schillaci e Baggio, sendo que o tento do Divin Codino foi o mais bonito dos azzurri em toda a campanha. No mata-mata, a Nazionale foi embalada pela dupla e eliminou Uruguai (2 a 0) e Irlanda (1 a 0) até cair nos pênaltis para a Argentina de Diego Armando Maradona, que lhe aplicou 4 a 3, após 1 a 1 com a bola rolando. Curiosamente, foi a primeira vez em que a anfitriã jogou fora de Roma, já que a semifinal ocorreu em Nápoles. Na sequência, a dona da casa bateu a Inglaterra, em Bari, e ficou com o terceiro lugar. Quem balançou as redes? Robi e Totò.

Itália 1-0 Estados Unidos

Itália: Zenga; Bergomi, Ferri, Baresi, Maldini; Donadoni, Berti, De Napoli, Giannini; Carnevale (Schillaci), Vialli. Técnico: Azeglio Vicini.
Estados Unidos: Meola; Armstrong, Windschimann, Doyle; Caligiuri, Ramos, Harkes, Balboa, Banks (Stollmeyer); Vermes, Murray (Sullivan). Técnico: Bob Gansler.
Gol: Giannini (11′)
Árbitro: Edgardo Codesal (México)
Local e data: estádio Olímpico, Roma (Itália), em 14 de junho de 1990

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