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Em 1988, União Soviética se confirmou como pedra no sapato da Itália e foi à final da Euro

Desde que fez a sua primeira partida, a seleção italiana de futebol construiu uma história de imposição sobre as suas adversárias, exemplificada pelo 6 a 2 sobre a França no seu debute. De lá até 2021, a Squadra Azzurra enfrentou 82 equipes nacionais e contra apenas sete delas tem um saldo negativo. A União Soviética integra esse grupo e, ao longo de cerca de três décadas de confrontos, representou uma verdadeira pedra no sapato incrustada na Velha Bota. A mais dolorida das derrotas para os vermelhos ocorreu nas semifinais da Euro 1988.

As sete seleções contra as quais a Itália tem um retrospecto negativo são, além da URSS, Brasil, Coreia do Norte, Costa do Marfim, Croácia, Islândia e Uruguai. Contudo, os parâmetros de comparação são escassos ante norte-coreanos (um jogo), marfinenses (dois) e islandeses (dois): contra soviéticos, brasileiros, croatas e uruguaios foram realizadas pelo menos nove partidas, nas quais a Squadra Azzurra mais perdeu do que venceu.

O confronto entre Itália e União Soviética já começou com vantagem do Exército Vermelho. Nas Eliminatórias para a Euro 1964, os soviéticos – que haviam vencido a primeira edição do torneio, em 1960 – fizeram 2 a 0 sobre os azzurri, em Moscou, e empataram por 1 a 1 em Roma. Classificados, acabaram como vice-campeões da segunda copa continental, perdendo para a Espanha. Em 1966, uma vitória magra dos socialistas no Mundial complicou as chances da Nazionale. O vexame contra a Coreia do Norte, em seguida, determinou a eliminação italiana.

Em seguida, a Itália venceu a URSS pela primeira vez, mas num amistoso e apenas pela margem mínima. Dois anos depois, em junho de 1968, as seleções empataram por 0 a 0 pelas semifinais da Eurocopa, no estádio San Paolo, e o cara ou coroa classificou a Nazionale para a decisão. O triunfo sobre a Iugoslávia deu aos azzurri o seu único título continental.

Protasov, carrasco da Itália em 1988, deu trabalho para Baresi (imago)

Nos 20 anos seguintes, italianos e soviéticos se enfrentaram apenas duas vezes, em amistosos, e com uma vitória para cada lado. Porém, a Euro 1988, realizada na Alemanha Ocidental, colocaria as seleções rivais frente a frente mais uma vez. A Nazionale treinada por Azeglio Vicini fez cinco pontos no Grupo 1 e empatou com a Alemanha Ocidental, mas um golzinho a menos de saldo a levou para as semifinais como segunda colocada. A União Soviética, comandada pelo lendário Valeriy Lobanovskyi, teve o mesmo aproveitamento, mas foi líder.

De um lado, a Itália estava embalada por um ótimo desempenho na fase de grupos e por ter um elenco recheado de ótimos – alguns, ainda jovens – jogadores. Tricampeões do mundo em 1982, Franco Baresi, Giuseppe Bergomi e o veterano Alessandro Altobelli se destacavam ao lado de Walter Zenga, Paolo Maldini, Carlo Ancelotti, Giuseppe Giannini, Roberto Donadoni e os gêmeos do gol da Sampdoria, Roberto Mancini e Gianluca Vialli.

Na União Soviética, o destaque era a… unidade. Além de comandar o Exército Vermelho, Lobanovskyi era técnico do Dynamo Kyiv e fez da equipe ucraniana a base de sua seleção: 11 dos 20 convocados atuavam no time alviazul, incluindo Oleksandr Zavarov, Oleksiy Mykhaylychenko, Igor Belanov, Hennadiy Lytovchenko e Oleg Protasov. Entre os jogadores de outros clubes, o volante Sergei Aleinikov, do Dinamo Minsk, e o lendário goleiro Rinat Dasayev, do Spartak Moscou, se distinguiam.

Naturalmente, as duas seleções tinham plantéis relevantes. Mas, como a história mostra, Lobanovskyi era muito mais treinador do que Vicini e seus métodos fizeram a diferença contra uma Itália levemente favorita. O ucraniano é célebre por, ao lado do holandês Rinus Michels, ter sido um dos pioneiros no uso de um conjunto de estratégias e movimentações que viriam a ser conhecidas popularmente como “futebol total”. Meticuloso, Valeriy também era moderno na preparação física. Além de se fiar em abordagens científicas e estatísticas para suas análises, transformava os seus comandados em verdadeiros atletas. Eles já faziam intenso trabalho de musculação e eram submetidos a rigorosas dietas, o que não era tão comum na época.

Ancelotti bem que tentou, mas Lobanovskyi montou um time eficiente e a União Soviética foi melhor no meio-campo (imago/Kicker/Liedel)

Nesse embate de estilos, a Itália foi mais perigosa na primeira etapa da partida realizada no Neckarstadion, em Stuttgart. Vialli teve duas boas chances, mas estava descalibrado: tanto com o pé quanto numa cabeçada, mandou a bola para fora. O trequartista Giannini também teve uma oportunidade em cabeceio, mas Dasayev respondeu com defesa em que mostrou o seu ótimo tempo de reação. Apesar dos lances criados pelos azzurri, a União Soviética era mais convincente. Com a bola nos pés, efetuava belas trocas de passes e era intensa, embora apenas arriscasse chutes de fora da área. Tudo somado, a seleção vermelha parecia mais ciente de seu plano de jogo.

Insatisfeito com a falta de produção de Mancini, Vicini sacou o atacante no intervalo – a relação entre os dois, aliás, nunca foi das melhores. Altobelli foi o escolhido para substitui-lo e, quem sabe, ser mais preciso do que Vialli. A estratégia do treinador, porém, ruiria em apenas 17 minutos.

Aos 58, debaixo de uma chuva que começava a cair na região da Suábia, a União Soviética bagunçou o coreto com intensidade, velocidade e rápida troca de posições. O zagueiro Oleg Kuznetsov avançou, tocou para Mykhaylychenko e, quando Riccardo Ferri tentava desarmar o meia, a bola sobrou para Lytovchenko. O camisa 8 saiu na cara do gol e ainda foi bloqueado por Baresi, que arrancou da meia-lua para travar a jogada. Na sobra, porém, apenas deslocou Zenga e abriu o placar.

Em desvantagem, os italianos foram com tudo para o ataque e, aos 62, sofreram o abalo final. A marcação por pressão dos soviéticos deu certo e o contragolpe puxado por Zavarov foi de manual: o ucraniano partiu em velocidade, atraindo Bergomi e a dobra de Baresi, enquanto Protasov correu mais do que Ferri e Maldini. Assim, recebeu o passe do companheiro e finalizou longe do alcance de Zenga. Ainda havia cerca de 30 minutos pela frente, mas uma Itália desmotivada ainda viu Vialli perder mais chances e não foi capaz de reagir.

Lytovchenko bate Baresi e Zenga, abrindo o placar para a URSS (imago/WEREK)

Na final, a URSS encontrou novamente a Holanda, que estava em seu grupo. Dessa vez, porém, não repetiu o triunfo de seu debute na competição, quando contou com tento de Vasyl Rats. Com gols de Ruud Gullit e Marco van Basten, a Laranja Mecânica faturou a primeira Euro de sua história. Ao fim do torneio, a Uefa elegeu a sua seleção e, de forma injusta, nenhum soviético constou no onze ideal daquela edição. Os italianos emplacaram Bergomi, Maldini, Giannini e Vialli.

Apesar do desprezo da Uefa, os destaques daquela seleção soviética acabaram ganhando destaque internacional. A URSS vivia momento de abertura política e econômica, devido às iniciativas conhecidas como glasnost e perestroika, o que possibilitou que seus craques trocassem o futebol das repúblicas socialistas por outros campeonatos europeus. Todos os 20 convocados tiveram a chance de atuar no exterior, inclusive. Para a Itália, rumaram Zavarov, Aleinikov (ambos para a Juventus) e Mykhaylychenko (Sampdoria).

Italianos e soviéticos se enfrentaram pela última vez em 12 de outubro de 1991, pelas Eliminatórias para a Euro 1992 – novamente, a Nazionale não se classificou para o torneio, enquanto a União Soviética garantiu vaga. O duelo, terminado em 0 a 0, teve a participação do goleiro Stanislav Cherchesov, que viria a ser técnico da Rússia. No fim das contas, em 11 confrontos, foram registradas apenas duas vitórias da Itália, quatro empates e cinco triunfos vermelhos.

A URSS foi dissolvida oficialmente em 31 de dezembro de 1991, dando origem a 15 países. A data representa um alívio para os italianos, ao menos do ponto de vista futebolístico. A Rússia, sucessora da gigante vermelha e herdeira de sua tradição esportiva, nunca teve poder de fogo suficiente para ameaçar a antiga freguesa. Em cinco duelos, foram registrados três triunfos da Nazionale, um empate e uma vitória russa. Os azzurri respiram.

União Soviética 2-0 Itália

União Soviética: Dasayev; Bezsonov (Demyanenko), Kuznetsov, Khidiyatullin, Rats; Aleinikov; Zavarov, Lytovchenko, Mykhaylychenko, Gotsmanov; Protasov. Técnico: Valeriy Lobanovskyi.
Itália: Zenga; Bergomi, Ferri, Baresi, Maldini (De Agostini); Donadoni, Ancelotti, De Napoli, Giannini; Mancini (Altobelli), Vialli. Técnico: Azeglio Vicini.
Gols: Lytovchenko (58′) e Protasov (62′)
Árbitro: Alexis Ponnet (Bélgica)
Local e data: Neckarstadion, Stuttgart (Alemanha Ocidental), em 22 de junho de 1988

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