O tricampeonato da Champions League, em 2009-10, consolidou a Inter entre os dez clubes mais vencedores da Europa. Três dos seis títulos europeus conquistados pela Beneamata correspondem à soberania da equipe na Copa Uefa ao longo da década de 1990. A derrota para o Schalke 04, na decisão em 1996-97, contudo, impediu que os nerazzurri chegassem ao terceiro troféu da competição, ao menos temporariamente, e deu início à rivalidade entre italianos e alemães. Uma animosidade que ressurgiu um ano depois, quando o time de Milão se vingou dos azuis-reais nas quartas de final do mesmo torneio.
Após pegar o bonde andando na temporada anterior, Roy Hodgson foi mantido à frente do comando técnico dos nerazzurri mesmo após resultados modestos – um sétimo lugar na Serie A e uma vexatória eliminação precoce para o Lugano, da Suíça, na Copa Uefa, além de queda nas semifinais da Coppa Italia. Jogadores como Roberto Carlos, Caio Ribeiro, Davide Fontolan e Alessandro Bianchi foram negociados, mas a base do elenco permaneceu. O grupo, que tinha nomes como Gianluca Pagliuca, Giuseppe Bergomi, Nicola Berti, Massimo Paganin, Javier Zanetti, Paul Ince e Maurizio Ganz, foi reforçado com as adições de Iván Zamorano, Youri Djorkaeff, Aron Winter e Ciriaco Sforza.
A equipe comandada por Hodgson teve um bom início de temporada. Além de passar pelo Guingamp sem sustos na primeira fase da Copa Uefa, com direito a vitória elástica na França (3 a 0) e placar agregado de 4 a 1, a Inter também teve um excelente desempenho no começo da jornada na Serie A: não sofreu derrotas até outubro e chegou a liderar a competição de forma isolada por três rodadas.
Na fase de 16-avos de final da Copa Uefa, a Inter começou a mostrar algumas limitações. Enquanto o Guingamp não resistiu ao poder de fogo nerazzurro, o modesto Grazer, da Áustria, sustentou o placar mínimo no revés em Milão. Na volta, em Kapfenberg, a Beneamata cochilou e os mandantes fizeram história, em pênalti cobrado por Herfried Sabitzer – pai de Marcel Sabitzer. Os italianos evitaram um vexame maior nas penalidades e, sob alívio e constrangimento, seguiram na competição.
A Inter oscilou entre novembro e dezembro, quando emendou uma sequência negativa de seis jogos – cinco empates e uma derrota. As únicas vitórias nesse período foram contra o Boavista, nas oitavas de final da Copa Uefa. Ao contrário da fase anterior, a equipe nerazzurra fez valer a superioridade técnica e atropelou os portugueses: 5 a 1 na Itália. Em um compromisso protocolar realizado no Porto, os comandados de Hodgson venceram por 2 a 0.
A Copa Uefa se acirraria a partir das quartas de final. Newcastle, Monaco, Valencia e Schalke 04 eram os principais concorrentes da Inter na luta pelo título do segundo torneio mais importante da Europa. Os alemães, vale destacar, imprimiam trajetória curiosa.
O Schalke 04 se classificou para a Copa Uefa após ficar na terceira posição da Bundesliga e buscou o atacante belga Marc Wilmots, do Standard Liège, e o zagueiro holandês Johan de Kock, do Roda, para reforçar o elenco. O efeito da dupla, entretanto, não foi imediato. Nas cinco primeiras rodadas do Campeonato Alemão, o time de Gelsenkirchen somou três empates, uma vitória e sofreu um revés humilhante de 4 a 0 para o Stuttgart. Além disso, foi eliminado na segunda fase da DFB-Pokal pelo Bochum, com derrota em casa.
A classificação no torneio continental, ante o Roda, por 5 a 2 no placar agregado, acalmou os ânimos – mas não o suficiente para salvar o emprego de Jörg Berger, demitido em função da péssima largada na liga. Huub Stevens, ex-técnico do clube neerlandês, assumiu a equipe que o havia eliminado apenas algumas semanas antes. O novo treinador não revolucionou a situação do Schalke 04 na Bundesliga – os azuis-reais terminariam o certame na 12ª posição – e se concentrou na Copa Uefa. Para alcançarem as quartas, os mineiros suaram para eliminar Trabzonspor (4 a 3) e Club Brugge (3 a 2).
Nas quartas, a sorte voltou a sorrir para a Inter, que teve o Anderlecht definido como o seu próximo adversário. No entanto, durante o confronto, que se provou imprevisível, quem sorriu foi Ganz. Após empatar o jogo na Bélgica, o atacante comandou o triunfo por 2 a 1 no Giuseppe Meazza e a classificação dos nerazzurri. O Schalke, por sua vez, encarou um Valencia tão talentoso quanto organizado: após vencer por 2 a 0 em casa, o time alemão segurou o 1 a 1 na Espanha e se garantiu entre os quatro melhores da competição.
Tenerife e Schalke de um lado, Monaco e Inter do outro. Semifinais equilibradas, mas o favoritismo era do único time italiano remanescente. Os azuis-reais passaram a duras penas pelos espanhóis, que tinham Jupp Heynckes na área técnica e haviam eliminado a Lazio na segunda fase. Depois da derrota na ida, a equipe alemã se recuperou no jogo de volta e se classificou às finais de forma heroica, com gol de Wilmots aos 107 minutos da prorrogação. Gelsenkirchen seria palco de uma decisão internacional pela primeira vez.
Já a Inter, para fazer jus ao favoritismo apontado desde o início da competição e chegar à decisão, precisou passar por uma das sensações da temporada europeia. Sob o comando de Jean Tigana, o jovem e estrelado Monaco ocupava a liderança da Ligue 1 e havia derrotado Borussia Mönchengladbach, Hamburgo e Newcastle. O novato Thierry Henry e o goleador Sonny Anderson eram as esperanças dos monegascos contra os nerazzurri, mas Victor Ikpeba foi quem balançou as redes. Vice-artilheiro do certame, atrás de Ganz, o nigeriano descontou na derrota por 3 a 1 em Milão e fez o gol da vitória no principado. Os italianos jogaram com o regulamento debaixo do braço e confirmaram a vaga na final.
Pré-jogo
Curiosamente, Bundesliga e Serie A travariam outra batalha em paralelo, na Champions League, entre Borussia Dortmund e Juventus. A Copa Uefa de 1996-97 foi a última antes da introdução da final de jogo único no torneio e, devido à campanha superior da Inter, o Giuseppe Meazza foi definido como o local da partida decisiva.
Enquanto Stevens optou por não fazer alterações nos onze inicial que costumava escalar no Schalke, Hodgson foi forçado a fazer mudanças. Devido a suspensões, Ince, Djorkaeff e Jocelyn Angloma foram substituídos por Fabio Galante, Alessandro Pistone e Zamorano. O chileno era um dos principais jogadores do clube, mas não estava em sua melhor forma.
Com o lema “o zero deve permanecer”, proferido por Stevens, o Schalke não sofreu nenhum gol nos seis compromissos em casa pela Copa Uefa. A equipe, inegavelmente limitada em comparação à Inter, levou a mentalidade “ataque ganha jogos, mas a defesa ganha campeonatos” a campo, numa estratégia que se mostrou altamente eficaz. De Kock, Olaf Thon, Mike Büskens, Thomas Linke e Yves Eigenrauch receberam a missão de frear Sforza, Ganz e Zamorano.
O jogo de ida
Mais de 56 mil espectadores encheram o Parkstadion em 7 de maio de 1997 e foram testemunhas de uma quarta-feira histórica. A Inter não perdeu tempo e, aos 4 minutos, teve sua primeira chance perigosa. Sforza recebeu um passe de Bergomi pelo lado direito e tentou conectar Ganz na pequena área, mas o artilheiro da Copa Uefa não alcançou a bola. Logo em seguida, o Schalke criou uma boa oportunidade pelo lado esquerdo, com Andreas Müller, Büskens e Jiri Nemec, que cruzou para Wilmots cabecear sem direção.
O jogo seguiu sem grandes acontecimentos até os 25 minutos, quando Ingo Anderbrügge aproveitou um lançamento de Nemec, dominou e chutou para fora. O Schalke voltou a ameaçar em arremates fora da área, com Anderbrügge e Thon. Em resposta, Pistone aproveitou o corredor pela esquerda e conseguiu um escanteio. Sforza levantou a bola na cabeça de Zamorano, mas o desvio não trouxe perigo ao gol defendido por Jens Lehmann. A primeira metade da partida terminou zerada.
No segundo tempo, aos 69, Wilmots finalmente fez a contagem ser aberta. Eigenrauch interceptou um lançamento e passou para o belga, que avançou alguns metros e disparou um petardo, sem chances para Pagliuca. O Schalke, seguindo à risca a máxima de “o zero deve permanecer”, construiu uma sólida defesa e barrou a maioria dos ataques italianos – o que decretou a vitória e a vantagem dos alemães para o jogo da volta.
O jogo de volta
De certa maneira, a disputa pelos ingressos foi uma prévia à altura da batalha no Giuseppe Meazza. Na fronteira com a Suíça, qualquer pessoa que parecia estar a caminho de Milão foi liberada. As caravanas provenientes do Vale do Ruhr totalizaram 25 mil torcedores e transformaram o palco da final em um mosaico de matizes azuis, representando as cores distintas da Inter e do Schalke. Gelsenkirchen também foi tomada por uma onda de esperança anil nas ruas. Para esse confronto crucial, Stevens optou por uma alteração estratégica: Anderbrügge deu lugar a Martin Max. Enquanto isso, na Beneamata, Winter e Galante – afastado devido a suspensão – abriram espaço para os retornos de Djorkaeff e Ince.
Em desvantagem no agregado, a Inter até pressionou, mas foi o Schalke que teve as melhores chances no primeiro tempo. De início, Wilmots tentou um voleio e exigiu a elasticidade de Pagliuca. Em seguida, Büskens cobrou uma falta perigosa e a pelota foi de encontro às mãos firmes do goleiro da Beneamata. Os nerazzurri concentraram suas oportunidades mais contundentes nos pés de Djorkaeff: o francês chutou para defesa segura de Lehmann e levantou bola na área para cabeçada insidiosa de Ganz.
A dinâmica se repetiu na segunda etapa, quando o jogo se transformou em uma verdadeira batalha de nervos. De um lado, Büskens soltou um canhão e forçou Pagliuca a voar para mandar para escanteio; do outro, um voleio de Ince raspou a trave direita de Lehmann. A defesa sólida do Schalke se manteve firme, mantendo o placar em 0 a 0. No entanto, a cerca de cinco minutos do final, Pistone cobrou lateral na área, Ince deu uma casquinha na bola e Zamorano se antecipou a De Kock para deixar o Giuseppe Meazza em êxtase, ao fazer o gol que empatou o duelo.
O Schalke tentou uma reação desesperada nos acréscimos, sem sucesso. No entanto, Salvatore Fresi cometeu uma falta imprudente em Max e recebeu o segundo cartão amarelo. Apesar de resistirem no final do tempo regulamentar, os nerazzurri tinham 30 minutos pela frente com um jogador a menos.
A primeira metade do tempo extra foi bastante equilibrada, sem grandes oportunidades de gol. Mesmo em desvantagem numérica, a Inter esteve muito perto da vitória nos minutos finais da prorrogação, quando Ince cabeceou com perigo e Ganz, recebendo ótimo lançamento de Zamorano, quase marcou ao encobrir Lehmann – acertou o travessão. O placar persistiu e, assim, a decisão foi para os pênaltis.
No sorteio, a Inter já teve azar: as penalidades aconteceriam no lado da Curva Sud e não na Nord, setor ocupado pelas torcidas organizadas dos nerazzurri. Anderbrügge cobrou bem, na abertura da série para o Schalke, e logo depois Zamorano fez valer a máxima “herói no jogo, vilão nos pênaltis”: parou em Lehmann.
Thon e Djorkaeff converteram para suas respectivas equipes. Restava a Winter manter viva a esperança da Inter, mas ele chutou para fora. Wilmots deslocou Pagliuca e fechou a disputa: goleiro de um lado, bola do outro, gelando San Siro. Assim, em casa, a Beneamata amargou o terceiro vice-campeonato numa competição continental – e, de forma inédita em seus domínios, pois ficara com a taça nas outras três vezes em que decidira em Milão. Já o Schalke desbancou a hegemonia italiana e faturou seu primeiro troféu internacional. E Lehmann, herói da final, acertaria com o Milan em 1998, mas não teria uma passagem produtiva pelo Diavolo.
A derrota ficou na conta de Hodgson, alvo de moedas e isqueiros arremessados pelos torcedores da Beneamata. Até mesmo o sempre calmo e educado Zanetti mostrou sinais de irritação com o técnico durante a partida de volta da final, ao ser substituído por Berti antes das penalidades, embora tenha se desculpado posteriormente. Após a decisão, o técnico inglês, que já estava em rota de colisão com a diretoria, entregou seu cargo a duas rodadas do término da Serie A. Luciano Castellini assumiu interinamente o comando e manteve a equipe no terceiro lugar, que dava vaga na Copa Uefa.
No torneio continental da temporada seguinte, a Inter voltaria a encarar o Schalke 04. Nas quartas de final, a revanche contra os alemães se tornou um capítulo de redenção na campanha exitosa dos nerazzurri naquela Copa Uefa: com Zanetti, Zamorano e Ronaldo marcando na decisão, a Beneamata bateu a Lazio e se sagrou tricampeã da competição.
Schalke 04 1-0 Inter
Schalke 04: Lehmann; De Kock, Thon, Linke; Eigenrauch, Nemec, Müller, Latal, Büskens (Max); Anderbrügge; Wilmots. Técnico: Huub Stevens.
Inter: Pagliuca; Bergomi, M. Paganin, Galante, Pistone; Zanetti, Fresi (Berti), Winter; Sforza; Ganz, Zamorano. Técnico: Roy Hodgson.
Gol: Wilmots (70’)
Árbitro: Marc Batta (França)
Local e data: Parkstadion, Gelsenkirchen (Alemanha), em 7 de maio de 1997
Inter 1-0 Schalke 04 (1-4 nos pênaltis)
Inter: Pagliuca; Bergomi (Angloma), M. Paganin, Fresi, Pistone; Zanetti (Berti), Ince, Sforza (Winter); Djorkaeff; Ganz, Zamorano. Técnico: Roy Hodgson.
Schalke 04: Lehmann; De Kock, Thon, Linke; Latal (Held), Eigenrauch, Müller (Anderbrügge), Büskens; Nemec, Wilmots; Max. Técnico: Huub Stevens.
Gol: Zamorano (85’)
Pênaltis convertidos: Djorkaeff; Anderbrügge, Thon, Max e Wilmots
Pênaltis desperdiçados: Zamorano e Winter
Cartão vermelho: Fresi
Árbitro: José María García-Aranda (Espanha)
Local e data: estádio Giuseppe Meazza, Milão (Itália), em 21 de maio de 1997