Cerca de dois anos e meio depois, chegou a confirmação oficial. Ronaldinho não jogava profissionalmente desde 2015, quando defendeu seu último clube, mas apenas neste dia 16 de janeiro o seu irmão, o empresário e ex-atacante Assis, informou à imprensa que o craque deixou o futebol. Artista da bola, o gaúcho também passou pela Itália e criou momentos de puro encantamento para a torcida do Milan.
Quando chegou ao futebol italiano, aos 28 anos, Ronaldinho já havia vivido praticamente tudo no esporte. Há muito havia deixado de ser “Ronaldinho Gaúcho”, joia do Grêmio e da seleção brasileira sub-17, campeã mundial. O mundo, aliás, havia se curvado ao seu talento em 2002, quando foi um dos jogadores que levaram a Seleção ao pentacampeonato. Nesta época, boa parte do planeta já o conhecia, pois ele se destacava com a camisa do Paris Saint-Germain, mas as exibições com o manto verde e amarelo do Brasil lhe serviram de escada para o estrelato. Status ratificado semana a semana entre 2003 e 2006, quando o craque encarnou o Barcelona e foi o melhor do mundo duas vezes.
Golaços, malabarismos, bicampeonato espanhol, título da Liga dos Campeões, vídeos no YouTube, exibição frequente em redes de TV por todo o mundo e atuações tão magnânimas que até a torcida do Real Madrid chegou a aplaudi-lo, em pleno Santiago Bernabéu. Tudo isso já fazia parte do passado quando Ronaldinho assinou com o Milan. Entre 2006 e 2008, o brasileiro viveu o outro lado da moeda: após o sucesso, fracassos contínuos e um momento de brusca queda em seu futebol.
As pífias exibições do meia-atacante na campanha da Seleção na Copa de 2006 foram os primeiros capítulos de uma trajetória de desvalorização, embalada pela queda na final do Mundial Interclubes para o Internacional e uma série de lesões. Ronaldinho tinha uma cláusula rescisória de 125 milhões de euros e ganhava 9 milhões por ano, mas foi adquirido pelo Milan por “apenas” um sexto deste valor e assinou um contrato com salário de 6,5 milhões anuais. Enquanto passava o bastão blaugrana para Lionel Messi, o gaúcho ensaiava um retomada da carreira ao trocar a Cidade Esportiva Joan Gamper por Milanello.
Ronaldinho foi recebido por cerca de 40 mil torcedores em sua apresentação em San Siro. Mesmo que não estivesse mais no auge, o craque, instantaneamente apelidado de “Dinho”, animou os rossoneri. Naquele momento, o clube vivia um período obscuro, iniciado com as consequências pelo envolvimento de diretores no Calciopoli e pincelado por problemas financeiros e pelo desgaste gerado pelo iminente final de ciclo de Carlo Ancelotti no comando. O título da Liga dos Campeões em 2007 não aplacou a tensão e a equipe não engrenou em 2007-08, ficando apenas com o quinto lugar na Serie A e uma vaga na Copa Uefa. O gaúcho chegava para encarar uma nova realidade não só para si próprio mas também para o gigante milanês.
O craque brasileiro não teve problemas de adaptação a Milão. Para começar, o elenco do Diavolo estava repleto de compatriotas (outros cinco) e quatro deles já haviam sido chamados para a Seleção (Dida, Emerson, Kaká e Alexandre Pato). O entrosamento na “resenha” também foi rápido com outros senadores, como Paolo Maldini, Andriy Shevchenko, Gennaro Gattuso, Andrea Pirlo e Clarence Seedorf – o holandês, aliás, já usava a camisa 10, o que fez com que Ronaldinho escolhesse a de número 80, em alusão ao ano de seu nascimento.
Sua estreia com a camisa rubro-negra foi numa derrota por 2 a 1 contra o Bologna, mas o craque deixou sua marca com uma assistência. O primeiro gol de Ronaldinho pelo Milan não poderia ter sido mais importante: duas semanas depois do debute, decidiu o Derby della Madoninna contra a Inter. Dinho iniciou um contra-ataque com um lançamento para Kaká e concluiu a jogada com uma cabeçada fulminante, no contrapé de Júlio César. Dessa forma, rapidamente brilhava no estádio em que tivera uma atuação de gala nas semifinais da Champions League de 2005-06. Na ocasião, deu uma canseira na defesa do Milan e foi o responsável pela assistência para o gol de Ludovic Giuly, que classificou os catalães.
Ronaldinho continuou marcando gols na primeira parte da temporada e foi decisivo contra Sampdoria e Napoli, pela Serie A, e Braga, pela Copa Uefa. No entanto, sua forma física deixava a desejar e a equipe perdia em intensidade e coletividade com ele em campo: isso fez com que Ancelotti passasse a considerá-lo como opção de segundo tempo, especialmente após a contratação de David Beckham, em janeiro de 2009. Ainda assim o gaúcho contribuiu com a campanha do terceiro lugar milanista no Campeonato Italiano e fez 10 gols em sua temporada de estreia, ficando com o quarto posto na artilharia do time, atrás de Pato, Kaká e Pippo Inzaghi.
A campanha de 2009-10 foi marcante para a trajetória de redimensionamento do Milan. Ancelotti deu lugar a Leonardo e, ainda mais importante do que isso, os 65 milhões de euros recebidos pela venda de Kaká foram utilizados para sanar dívidas. Ronaldinho acabou por ganhar mais protagonismo na equipe, mas somente brilharia após um início de temporada muito ruim dos rossoneri – que chegaram a perder por 4 a 0 para a Inter e amargaram a pior queda para a rival em 35 anos. O gaúcho só deslanchou juntamente com a equipe quando Leonardo passou a escalar a equipe num esquema muito ofensivo, definido por Adriano Galliani como “4-2-fantasia”.
Titular absoluto do Milan leonardiano, Ronaldinho foi o jogador rossonero que mais entrou em campo na Serie A 2009-10 (36 partidas) e o terceiro com mais minutos na conta, atrás apenas de Pirlo e Thiago Silva. O brasileiro marcou 12 gols naquele campeonato e foi o líder de assistências da competição, também com 12. Decisivo para que o Milan ficasse com o terceiro lugar mais uma vez, o craque teve como pontos altos na campanha uma tripletta contra o Siena e os quatro gols anotados contra a Juventus – dois em Milão e dois em Turim.
Na Liga dos Campeões, Ronaldo ainda ajudou o Milan a ganhar a primeira partida contra o Real Madrid no Santiago Bernabéu em toda a história e também marcou sobre os antigos rivais em San Siro. Porém, suas atuações (e um gol) não foram suficientes para evitar a fragorosa queda dos rossoneri para o Manchester United nas oitavas. Em termos de Seleção, Ronaldinho recebeu algumas convocações de Dunga durante o ciclo da Copa de 2010 – a maioria delas até 2008, quando ainda estava no Barça. Praticamente esquecido pelo técnico nos dois anos seguintes, acabou ficando fora da lista final para o torneio na África do Sul.
A temporada, ótima em números, mas nem sempre repleta de atuações brilhantes, não se repetiu em 2010-11. Pelo contrário, com a chegada de Massimiliano Allegri, Ronaldinho foi relegado definitivamente ao banco de reservas e virou notícia pela decadência física e pela crescente indisposição em ajudar a equipe em termos coletivos. Anos depois, Allegri declararia, em entrevistas, que o gaúcho foi o jogador mais talentoso e preguiçoso que chegou a treinar.
Sem espaço, Ronaldinho teve apenas 607 minutos em campo naquele campeonato – que acabaria com o título do Milan. Liberado pelo Diavolo seis meses antes do fim de seu contrato, o craque deixou a intertemporada que o clube italiano fazia em Dubai para procurar outro empregador e encerrou sua trajetória na Itália com 95 jogos e 26 gols marcados. Em janeiro de 2011, acertou sua volta ao Brasil: o meia-atacante ficou muito próximo de voltar ao Grêmio, mas surpreendeu ao ser apresentado pelo Flamengo.
Após trocar o escudo rubro-negro na camisa, Ronaldinho manteve um caminho repleto de altos e baixos. As atuações incríveis, como no inesquecível jogo contra o Santos, em que ele e Neymar brilharam, foram ficando mais escassas – ainda que ele tenha sido Bola de Prata do Brasileirão em 2011. No ano seguinte, voltou a ser lembrado na Itália por causa de uma insólita revelação: o mandachuva de sua antiga equipe, Silvio Berlusconi, costumaria pedir para que garotas de programa vestissem máscaras com o rosto do craque nas orgias que organizava.
Em notícias mais amenas, o craque rescindiu o contrato com o Urubu em maio, por causa de salários atrasados. Ronaldinho voltou a brilhar em Minas Gerais, quando acertou com o Atlético Mineiro: no Galo, o gaúcho virou ídolo, faturou outra Bola de Prata e também a Bola de Ouro da Placar, em 2012. O craque ainda recebeu o prêmio de melhor jogador em atividade na América do Sul ao alcançar o ápice em sua passagem pelo alvinegro, com o título da Copa Libertadores, em 2013. Chegou a ter seu nome cogitado novamente na Seleção e até foi convocado para alguns amistosos, mas não teve pique para ser lembrado para o Mundial de 2014. Até porque, naquele estágio da carreira, lhe faltava intensidade para atuar constantemente em alto nível.
Depois de deixar o Atlético-MG, em setembro de 2014, Ronaldinho teve passagens sofríveis pelo Querétaro, do México, e pelo Fluminense. Em ambos os times, acabou chamando mais atenção pelo extracampo do que por suas qualidades técnicas: se falava cada vez mais de ações de marketing, de seu estilo de se vestir, sósias, farras ou problemas de relacionamento. Sem aparentar intenção alguma de voltar a jogar profissionalmente, Ronaldinho ficou dois anos rodando pelo mundo como atração de partidas comemorativas e mostrando sua arte em forma de futebol.
A aventura de Ronaldinho como globetrotter pode até ser sido melancólica, mas foi um enorme lembrete de quanto o brasileiro poderia ter ocupado um papel de maior destaque no panteão de deuses do esporte. Um do grandes astros que o futebol revelou, o porto-alegrense deixou de levar a sua carreira a sério muito cedo e seu ápice, infelizmente, durou pouco. Ainda assim, quantos jogadores em baixa, com a cabeça ocupada com outras coisas, poderiam ser tão valiosos para um clube enorme como o Milan? Dinho foi. E nunca será esquecido.
Ronaldo de Assis Moreira, o Ronaldinho
Nascimento: 21 de março de 1980, em Porto Alegre
Posição: meia-atacante
Clubes: Grêmio (1998-2001), Paris Saint-Germain (2001-03), Barcelona (2003-08), Milan (2008-11), Flamengo (2011-12), Atlético Mineiro (2012-14), Querétaro (2014-15) e Fluminense (2015)
Títulos conquistados: Copa do Mundo (2002), Copa América (1999), Copa das Confederações (2005), Bronze Olímpico (2008), Mundial Sub-17 (1997), Campeonato Gaúcho (1999), Copa Sul-Minas (1999), Copa Intertoto (2001), La liga (2005 e 2006), Supercopa da Espanha (2005 e 2006), Liga dos Campeões (2006), Serie A (2011), Campeonato Carioca (2011), Campeonato Mineiro (2013), Copa Libertadores (2013) e Recopa Sul-Americana (2014)
Seleção brasileira: 97 jogos e 33 gols