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Ícone do futebol do Panamá, Julio César Dely Valdés brilhou no Cagliari dos anos 1990

O Cagliari estreou em campo neutro na Serie A 1993-94. Era um jogo em Bolonha contra a Atalanta – que acabaria rebaixada ao fim da temporada –, que o rival não teve tanta dificuldade para se impor e golear por 5 a 2. Os dois gols dos sardos, porém, foram marcados pela contratação mais badalada daquela janela. O panamenho Julio César Dely Valdés tinha a dura missão de permanecer um goleador, como fora na Argentina e no Uruguai, e “substituir” o craque Enzo Francescoli.

Substituir, entre aspas, porque o Príncipe se tornou um trequartista ao mudar da França para a Itália. Apesar do impacto que Francescoli causou ao escolher a Sardenha, Dely Valdés precisava ser o goleador de uma equipe diferente da que estava acostumado: se o Nacional de Montevidéu costumava jogar na maior parte do tempo no campo do adversário, o Cagliari, treinado por Luigi Radice e Bruno Giorgi, gostava de contra-atacar. Este, no entanto, não seria um grande problema para um jogador que foi apelidado como “manteiga”, por derreter as defesas adversárias com arrancadas, acrobacias e ótimo poder de finalização.

Quando chegou ao futebol italiano, aos 26 anos, Dely Valdés já havia construído uma carreira respeitável no futebol sul-americano. Antes mesmo de se profissionalizar, o atacante deixou o Panamá, na América Central, para defender o Deportivo Paraguayo junto com seu irmão gêmeo, Jorge Luis – outro irmão, Armando, também foi atleta. O nanico clube da comunidade paraguaia de Buenos Aires e a disputa da quinta divisão argentina foram as vitrines que o projetaram para o Nacional, que defendeu por quatro anos e com o qual foi campeão uruguaio. Ele também já era titular da seleção panamenha quando aportou em Cagliari.

Ter passado pelo Uruguai foi um fator determinante para que Dely Valdés chegasse ao Cagliari. A primeira metade da década de 1990 teve forte presença de uruguaios no clube e nas tabelas de artilharia. Além de Francescoli, o Cagliari conseguiu a contratação de Daniel Fonseca (ex-Nacional, como o panamenho) e José Herrera (ex-Peñarol e Figueres) logo após a Copa do Mundo.

O dirigente Tonino Orrù foi essencial neste processo. O cartola do Cagliari estava constantemente com a delegação charrua durante o Mundial de 1990 e o que seria apenas um trabalho de observação virou uma relação próxima, que culminou no aval dado pelos clubes uruguaios para as transferências de Herrera e Fonseca. Francescoli, por exemplo, tinha acabado de ser finalista europeu com o Olympique. Por que raios um dos grandes jogadores daquela época deixaria Marselha rumo a um time recém-promovido que batalharia para não ser rebaixado em 1990-91? Afinal, naquele momento, o Cagliari se restabelecia na elite, após passar alguns anos nas divisões inferiores. O fato é que as assinaturas dos companheiros ajudaram na decisão de Francescoli, que também queria provar que não era um “preguiçoso e egoísta”.

Enquanto Dely Valdés empilhava gols na América do Sul, ele fora procurado por clubes europeus. O próprio Olympique teve uma oferta aceita pelo Nacional, que brecou a saída do atacante na última hora. A Atalanta também quis levá-lo, mas a opção pelo Cagliari foi feita após uma conversa com o amigo Francescoli. Os dois não se encontraram no Sant’Elia porque o Príncipe foi negociado na mesma janela com o Torino.

Em apenas dois anos de Sardenha, Dely Valdés se valorizou muito (Panini)

O panamenho era um jogador alto, porém, completo, de acordo com o companheiro Luís Oliveira: era forte, tinha uma técnica apuradíssima e era muito eficiente no jogo aéreo. Tanto é que foi comparado com Marco van Basten nos seus primeiros passos pela Serie A – apelido importado do Uruguai e atualizado para “Delyrio”, na Itália.

A derrota na abertura da temporada, citada no início do texto, foi o ponto final de Radice no comando do clube. O treinador ficou no cargo durante 45 dias e nem teve tempo para apreciar de perto a evolução do panamenho. A adaptação não demorou, e Dely Valdés conseguiu a marca de 13 gols no campeonato dnaquele ano. Ele, portanto, foi o principal artilheiro dos rossoblù (o belgo-brasileiro Oliveira, goleador dos sardos na época anterior, ficou com 12).

Dely Valdés anotou 17 gols em sua estreia, considerando todas as competições. Pela Serie A, o panamenho decidiu cinco jogos para o Cagliari e garantiu 10 pontos fulcrais (na época, a vitória valia 2 pontos) para que o time garantisse a permanência na elite. Numa dessas partidas, o “manteiga” anotou a tripletta perfeita (pé direito, pé esquerdo e cabeça) contra a Reggiana – com direito a um golaço por cobertura de fora da área em Taffarel. Delyrio ainda marcou um gol que ajudou a eliminar a Juventus nas quartas de final da Copa Uefa. O Cagliari surpreendeu e só foi eliminado nas semifinais pela Inter, a campeã daquela edição.

No segundo ano, Dely Valdés não passou dos 10 gols na campeonato. Nem por isso a temporada foi menos impactante: “Panagol” cresceu nos jogos grandes, marcando no empate ante o Milan e nas vitórias contra Juve e Inter, e auxiliou na evolução do time, agora comandado por Óscar Tabárez. Em 1994-95, o Cagliari marcou 17 pontos a mais em relação à época anterior e saiu da 12ª para a 9ª colocação.

O sucesso do panamenho na Itália fez com que um semifinalista europeu se interessasse por seu futebol. O Paris Saint-Germain queria um goleador veloz para suprir a venda de George Weah ao Milan e foi à Sardenha para buscar Dely Valdés, que deixou a ilha de forma precoce, para a tristeza dos rossoblù.

Na França, o atacante teve como companheiros os brasileiros Leonardo e Raí e, mais uma vez, alcançou grandes marcas em termos de gols, além de ter faturado o título da Recopa Uefa. Querido pela torcida parisiense, Dely Valdés foi jogar na Espanha após duas temporadas na capital francesa e, já na fase final da carreira, também conquistou a idolatria dos torcedores do Oviedo e do Málaga. No clube malaguenho, aliás, Valdés fez dupla com o uruguaio Darío Silva, que foi seu substituto no Cagliari.

Em 2003, o panamenho voltou ao Nacional e, meses depois, foi atuar pela primeira vez num clube de sua terra: o Árabe Unido, no qual se aposentou. Com o Panamá, Dely Valdés ainda teve tempo de ser vice-campeão da Copa Ouro, em 2005. O ex-atacante iniciou carreira como treinador logo após pendurar as chuteiras e teve como trabalho mais relevante a passagem de três anos à frente da seleção do seu país. O ídolo não conseguiu classificar os canaleros para o Mundial do Brasil, mas agora poderá desfrutar, como espectador, da estreia do Panamá na Copa.

Julio César Dely Valdés
Nascimento: 12 de março de 1967, em Colón, Panamá
Posição: atacante
Clubes como jogador: Deportivo Paraguayo (1987-88), Nacional-URU (1989-93 e 2003), Cagliari (1993-95), Paris Saint-Germain (1995-97), Oviedo (1997-2000), Málaga (2000-03) e Árabe Unido (2004-06)
Títulos: Campeonato Uruguaio (1992), Recopa Uefa (1996) e Copa Intertoto (2002)
Carreira como técnico: Seleção panamenha (2006 e 2010-13), Seleção panamenha sub-17 (2006), Seleção panamenha sub-21 (2007), Árabe Unido (2014) e Águila (2015)
Seleção panamenha: 44 jogos e 18 gols

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