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Tricampeão mundial, Giovanni Galli brilhou na Fiorentina e no Milan de Arrigo Sacchi

Um dos melhores goleiros de sua geração, Giovanni Galli criou forte ligação com a Fiorentina e fechou o gol do Milan de Arrigo Sacchi. Também ganhou a Copa do Mundo de 1982 com a seleção italiana. Isso mostra que, enquanto jogador, o arqueiro construiu carreira sólida e vitoriosa. Quando pendurou as luvas, Galli ainda foi dirigente esportivo, ingressou na política italiana e tentou ser prefeito de Florença. Além disso, foi comentarista do Fifa, game de futebol da Electronic Arts.

Galli nasceu na comuna de Pisa, região da Toscana, e achou que seu futuro no futebol poderia ser no meio-campo. Entretanto, durante um campeonato juvenil regional, a equipe pela qual atuava – Pubblica Assistenza San Martino – precisava de um goleiro para completar o time. Quando a partida estava para ser cancelada, o pai de Galli disse: “Vamos, Giovanni! Vá para o gol. Depois, quando encontrar um goleiro, você retorna ao meio-campo”. Sua equipe venceu o jogo, e ele, à época com 12 anos, nunca mais jogou na linha.

Formado nas categorias de base da Fiorentina, Galli foi promovido à equipe profissional em 1977, aos 19 anos. E não demorou a estrear pelos gigliati. Após um primeiro tempo horrível contra a Juventus, em Turim, pela quinta rodada da Serie A 1977-78, o então técnico da Viola, Carlo Mazzone, promoveu o debute de Galli na volta do intervalo. O jovem arqueiro substituiu Pietro Carmignani, que havia sofrido três gols na etapa inicial. Nos 45 minutos finais, contudo, a Fiorentina tomou mais dois gols, perdendo, no total, por 5 a 1.

Galli continuou no banco por mais três rodadas (duas derrotas e um empate), e a Fiorentina acabou sendo vazada sete vezes. Assim, na nona rodada, contra o Bologna, fora de casa, Galli assumiu a titularidade da equipe, a Fiorentina ganhou por 1 a 0 e ele não voltou para o banco de reserva nas partidas seguintes. Embora a Viola não tenha feito uma grande campanha naquela Serie A, o arqueiro ajudou os gigliati a escaparem do rebaixamento e encerrarem o campeonato na 13ª colocação.

Galli passou quase uma década como titular da Fiorentina e se afirmou como um dos melhores goleiros da Itália (Moggi/Sestini)

Com Galli evoluindo jogo após jogo, a Fiorentina melhorou nas temporadas seguintes e ficou na primeira parte da tabela de classificação, flertando com a classificação à Copa Uefa. O ápice veio em 1981-82. A Viola brigou cabeça a cabeça com a Juventus pelo scudetto, mas, no fim das contas, o título acabou com a Vecchia Signora – a equipe de Florença ficou em segundo lugar. O saldo extraído daquela campanha, no entanto, foi positivo para o clube e para o arqueiro. Galli disputou todas partidas oficiais do time viola naquela temporada (36), sofreu apenas 19 gols e contabilizou 22 jogos sem ser vazado.

O toscano passou pelas seleções de base da Itália e chegou a defender os azzurrini como titular no Mundial sub-20 de 1977 e nos Europeus sub-21 de 1978 e 1980. Galli passou a ser convocado para a Itália principal em 1980. Sempre como reserva de Dino Zoff e Ivano Bordon. Ele foi o escolhido do técnico Enzo Bearzot para ser o terceiro goleiro da Squadra Azzurra na Eurocopa de 1980, em casa, e na Copa do Mundo de 1982, na Espanha. A Nazionale faturou o tricampeonato mundial, e o pisano comemorou seu primeiro título como profissional.

Por falar nisso, o goleiro deixou a Fiorentina sem conquistar um troféu sequer: depois do vice-campeonato, o mais perto que chegou de uma taça foi com o terceiro lugar na Serie A 1983-84 e com as semifinais da Coppa Italia, em 1985 e 1986. No verão europeu de 1986, quando tinha 28 anos, foi comprado pelo Milan por 5 bilhões de velhas liras. Depois de 259 partidas em nove anos de Fiorentina, Galli buscava voos mais altos. E conseguiu.

Antes de começar a defender o Diavolo, ele ganhou a queda de braço com Franco Tancredi e foi titular na Copa do Mundo de 1986. Após suarem na fase de grupos, os italianos caíram nas oitavas de final frente à seleção francesa de Michel Platini. Galli nunca mais voltaria a vestir a camisa da Nazionale. Foram 19 aparições e 12 gols sofridos.

Galli em ação contra a Bulgária, na estreia da Itália na Copa de 1986 (Getty)

A primeira temporada pelo novo time teve altos e baixos, dois treinadores – Nils Liedholm e Fabio Capello – e um amargo quinto lugar na tabela de classificação. Tudo mudou, porém, quando o então presidente rossonero, Silvio Berlusconi, resolveu em apostar num treinador que estava dando o que falar à frente do Parma, Arrigo Sacchi.

Quando o assunto é o Milan de Sacchi, a primeira lembrança que pipoca na mente é a do futebol apresentado por aquela equipe. Revolucionário, ousado, ultrajante. Mas poucos se lembram que o goleiro daquele time foi Giovanni Galli. Não é para menos, já que os jogadores de linha dispensam comentários. Contudo, o arqueiro teve grandes méritos nos louros obtidos pelo time milanista.

Logo na primeira temporada de Sacchi à frente da equipe, o Milan venceu o scudetto. Galli, que jogou todas as partidas da Serie A, tomou somente 14 gols e conseguiu incríveis 19 clean sheets. Em 1987-88, ajudou o Diavolo a ganhar a Copa dos Campeões (hoje Liga dos Campeões) de forma invicta.

Um momento inesquecível para o camisa 1 ocorreu no jogo de volta das oitavas de final da competição continental contra o Estrela Vermelha, em Belgrado. Após 1 a 1 no tempo normal – mesmo placar do duelo de ida, no San Siro –, a peleja caminhou às penalidades máximas. Ágil e veloz, ele pegou as cobranças de Dejan Savicevic e Mitar Mrkela. Frank Rijkaard converteu o último disparo e fechou o placar em 5 a 3 a favor dos rossoneri. Aquele foi o duelo mais sofrido para os rossoneri, que depois eliminariam o Werder Bremen nas quartas e passeariam sobre o Real Madrid (com direito a antológico 5 a o) e goleariam o Steaua Bucareste na decisão.

Toda a felicidade de Galli como camisa 1 rossonero (Arquivo/AC Milan)

No decorrer da  temporada seguinte, Sacchi implementou um método que muitos técnicos fazem hoje em dia: um goleiro joga no campeonato, enquanto outro assume a meta nas partidas das copas. Galli começou como titular na Serie A, mas na 11ª rodada deu lugar a Andrea Pazzagli, que ficaria no posto até o fim da época. Por outro lado, o toscano seguiu no onze inicial milanista na Coppa Italia e na Copa dos Campeões. Em ambas os torneios o Milan alcançou a final: perdeu a Coppa para a Juventus, mas bateu o Benfica por 1 a 0 e venceu sua quarta orelhuda.

Com a contratação de Sebastiano Rossi em 1990, Galli foi vendido por 3 bilhões de liras ao Napoli de Diego Maradona e Careca, que havia acabado de conquistar o segundo scudetto de sua história. Em Nápoles, o arqueiro chegou ganhando título. Seu primeiro desafio vestindo azzurro foi contra a Juventus, no San Paolo, pela Supercopa Italiana. O time comandado por Alberto Bigon goleou os bianconeri por 5 a 1 e soltou o grito de campeão. Os partenopei, contudo, terminariam a Serie A apenas na oitava posição e também seriam eliminados nas oitavas de final da Copa dos Campeões – após dois 0 a 0, o Spartak Moscou ficou com a vaga nos pênaltis.

Após terminar a Serie A 1991-92 na quarta posição, o Napoli caiu de rendimento na temporada seguinte, findando o campeonato na segunda parte da tabela. Em meados de 1993, Galli deixou o sul e rumou ao norte: assinou com o Torino. Porém, ao contrário de seus últimos clubes, ele durou somente uma temporada no Toro, que começou a atravessar problemas financeiros e perder a capacidade de bancar salários tão altos. No ano em que Galli defendeu a meta granata, seu time perdeu a Supercopa Italiana para o Milan (1 a 0), sucumbiu diante do Ancona nas semifinais da Coppa Italia, caiu nas quartas de final da Recopa Uefa para o Arsenal e ficou em sétimo lugar na primeirona.

Caminhando para o fim da carreira, Galli disputou a temporada 1994-95 pelo Parma e ficou na reserva de Luca Bucci. Mesmo assim, entrou em campo 17 vezes e colocou mais um título em seu currículo: a Copa Uefa, atual Liga Europa. Os ducali também chegaram à final da Coppa Italia, mas perderam para a Juventus, que também faturou o scudetto – o clube gialloblù ficou em terceiro, empatado em pontos com a Lazio.

Galli segura a sua primeira taça da Copa dos Campeões (Getty)

Em outubro de 1995, o goleiro de 37 anos decidiu voltar para casa e aceitou defender a Lucchese, da Serie B. Lucca é vizinha de Pisa, onde nasceu, e, assim, Galli poderia voltar a viver em sua cidade natal. Em junho do ano seguinte, aos 38 anos, pendurou as luvas.

O toscano, porém, continuou envolvido no mundo do futebol. Em 1997, tornou-se dirigente do Foggia. Ocupou essa posição até meados do ano seguinte. Ele voltaria a desempenhar a função de cartola no Hellas Verona, entre dezembro de 2007 e fevereiro de 2008. No curto período, efetuou a compra de um franzino Jorginho, hoje regista do Chelsea, pela bagatela de 40 mil euros.

O episódio mais triste que Galli vivenciou não envolveu futebol. Com a palavra, o jornalista Renzo Agasso, que escreveu o prefácio da biografia do ex-goleiro, “La vita ai supplementari” – ou, em português, “A vida nos acréscimos”. “Um dia, em fevereiro de 2001, no dia 9, o destino improvisa como um centroavante e arremata contra a meta da vida de Giovanni Galli e sua família. Niccolò, seu amado filho, o futuro campeão da família Galli, morre enquanto voltava do treinamento de motocicleta, na chuva, em Bolonha. Um arremate imparável. Niccolò desliza sobre o asfalto molhado e colide com um corrimão, de fato contra a ponta afiada de um guard rail que não deveria e não poderia ser tão perigoso, devastador, assassino. Niccolò usa capacete. Mas a lâmina perfura seu estômago; sua aorta abdominal é cortada e ele morre em poucos minutos”.

Após a morte de Niccolò, de 17 anos, Giovanni abriu em Florença a Fondazione Niccolò Galli ONLUS, cujo objetivo é ajudar a arrecadar fundos para fins filantrópicos. Seu rebento não era um “filho da arte” qualquer, um mero herdeiro de um ex-jogador famoso: era um defensor muito promissor, que havia tido sucesso nos juvenis de Fiorentina, Arsenal e Bologna, e que já havia estreado profissionalmente pelos rossoblù. Fabio Quagliarella jogou com Niccolò nas seleções de base da Itália e, em homenagem ao falecido amigo, utiliza o número 27 às costas. O mesmo algarismo que o jovem honrava no Bologna e que o clube emiliano decidiu aposentar.

Na única temporada em que defendeu o Torino, Galli disputou a Recopa e enfrentou o Arsenal (Getty)

Depois do baque pela morte do filho, Galli recobrou forças e se dedicou a diversos afazeres, além da própria fundação. Entre 2003 e 2005, ele se aventurou como comentarista do game Fifa na versão italiana e também foi comentarista da Mediaset Premium. Em 2009, entrou para a política. Filiou-se ao partido de centro-direita “Il Popolo della Libertà” (“O Povo da Liberdade”, em tradução livre) e concorreu às eleições para prefeito de Florença. No primeiro turno, em junho, Giovanni obteve 32% dos votos contra 47,5% do candidato de centro-esquerda Matteo Renzi, que acabou levando no segundo turno – 60% contra 40% do ex-arqueiro. Posteriormente, Renzi se tornaria primeiro-ministro italiano.

Quase dois anos depois, em setembro de 2011, Galli abandonou o partido “Il Popolo della Libertà” e deu origem ao “Lista Galli – cittadini per Firenze”. Persistente, o toscano se candidatou, em 2014, para as eleições europeias pelo Forza Italia, partido de centro-direita criado pelo ex-presidente milanista Silvio Berlusconi. Ele recebeu 10658 votos e não foi eleito, contudo.

Após a última derrota política, Galli fez curso de treinador, em Coverciano, e assumiu o setor técnico da Lucchese. Deixou o clube ao fim da temporada 2015-16. Em dezembro de 2017, ele e os outros campeões mundiais de 1982 receberam um Colar de Ouro, a maior honraria do esporte italiano, entregue pelo presidente do Conselho de Ministros, Paolo Gentiloni, em Roma. No mesmo ano, a prefeitura de Florença homenageou seu filho com a inauguração de um jardim público intitulado Niccolò Galli.

Hoje, Giovanni Galli se dedica quase exclusivamente à fundação. Vez ou outra, dá pitacos políticos, mas ao passo em que a Itália atravessa um período de descrédito da classe e está sendo conduzida por lideranças obscurantistas, ele decidiu se afastar do campo. Prefere passar o tempo livre atualizando sua página no Facebook com fotos das filhas, de seus tempos como atleta ou do pequeno poodle da família. Ou então com textos e citações a granel – incluindo palavras de autores como o brasileiro Mário de Andrade.

Giovanni Galli
Nascimento: 29 de abril de 1958, em Pisa, Itália
Posição: goleiro
Clubes: Fiorentina (1977-86), Milan (1986-90), Napoli (1990-93), Torino (1993-94), Parma (1994-95) e Lucchese (1995-96)
Títulos: Copa do Mundo (1982), Serie A (1988), Supercopa Italiana (1988 e 1990), Copa dos Campeões (1989 e 1990), Supercopa Uefa (1989), Copa Intercontinental (1989), Copa Uefa (1995)
Seleção italiana: 19 jogos e 12 gols sofridos

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2 comentários

  • Sou muito fã de vcs, mesmo, sou jornalista, mas ex-repórter da Placar, cresci com o campeonato italiano, sou viciado, sempre vou achar o melhor. Aqui, revisito todo os calciatori que fizeram e fazem parte da minha vida. Os textos têm um rigor esplêndido da narrativa, sinônimos, tudo na medida, têm o tamanho e o tom exatos. Os produtos também são bem legais. Parabéns e auguri sempre pra vcs!

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