Em tempos do futebol altamente profissionalizado, é difícil ouvirmos relatos de amor à camisa, como os de Francesco Totti, Alessandro Del Piero ou Marek Hamsík. Nesse sentido, a história de Michele Paramatti não é mais um conto italiano desses que costumamos ouvir.
Nascido em uma pequena vila do Vêneto, na fronteira com a Emília-Romanha, Michele sempre teve ligações fortes com a região vizinha: estudava em Ferrara e jogava nas divisões de base da Spal, time de tradição da mesma cidade. Ambidestro, de estatura considerável e físico acima da média, subiu para a categoria principal como lateral na equipe que disputava a terceira divisão em 1986-87.
Paramatti teve uma breve passagem por empréstimo ao Russi, time semiprofissional que disputava a quinta divisão, e depois disso finalmente conseguiu se consolidar na Spal. Quando o lateral voltou, os emilianos se encontravam na Serie C2. Com sua ajuda, tiveram trajetória ascendente até a B, graças ao título da terceirona em 1992.
Os spallini não conseguiram se manter na segunda categoria e, de imediato, voltaram para a terceira divisão. Paramatti continuou por lá e contribuiu com campanhas que, por muito pouco, não resultaram num novo acesso à Serie B. Em 1995, então, veio o baque inesperado: mesmo titular da equipe, não teve seu contrato renovado e se viu desempregado.
Aos 27 anos, Michele vivia o seu pior momento na carreira e chegou até a pensar em largar o futebol depois de dois meses sem acerto com qualquer time. Ele teve de treinar novamente com jogadores semiprofissionais, num combinado chamado Equipe Romagna, feito para que atletas sem clube não perdessem o preparo físico.
Foi aí que Gabriele Oriali o tirou do limbo. Oriali, campeão mundial com a Itália em 1982, era diretor esportivo do Bologna, recém-promovido para a segunda divisão. O time comandado por Renzo Ulivieri precisava de um lateral com suas características: polivalente, que além de atuar na canhota e na destra, ainda poderia ser ala pelos dois flancos e quebrar o galho como zagueiro e volante. Assim, o clube resolveu oferecer um contrato com o vêneto e mudou a vida de Paramatti.
O jogador acompanhou o Bologna da segunda divisão até os gloriosos anos do final da década de 1990, época em que o time teve Roberto Baggio e chegou às semifinais da Copa Uefa – Michele também foi semifinalista da Coppa Italia em três ocasiões. No torneio europeu, após 0 a 0 com o Marseille no jogo de ida, na França, Paramatti abriu o placar no primeiro tempo do duelo de volta. Contudo, aos 42 do segundo, o Renato Dall’Ara lotado desmoronou com o gol de empate de Laurent Blanc. O sonho de dar uma taça europeia aos rossoblù acabava ali.
Paramatti chegou a ser capitão da equipe – na ausência de Giuseppe Signori – e era um exemplo no vestiário. O próprio lateral brincou com o respeito e o afeto que conquistou. “Se tivéssemos chegado àquela final [da Copa Uefa], a estátua de Netuno na Piazza Maggiore seria substituída pela minha”, disse. A escultura tem tanta importância que o símbolo da marca de carros Maserati, fundada em Bolonha, é um tridente exatamente por causa do deus romano dos mares.
Com bastante visibilidade, Paramatti recebeu uma oferta irrecusável em 2000: jogar pelo seu time de coração, pelo qual torceu durante a vida toda. De acordo com o próprio lateral, as crianças dos anos 1970 só queriam torcer para os gigantes do futebol nacional (Inter, Juventus ou Milan). Michele, então, se encantou pela Juventus de Claudio Gentile e Antonio Cabrini, o que não era uma tarefa difícil na época.
Em sua coletiva de despedida das Duas Torres, o capitão entregou simbolicamente sua faixa, aos prantos, e agradeceu com uma sinceridade ímpar a todos aqueles que estiveram do seu lado na Emília-Romanha. Não foi tarefa fácil sair dali, mas era o que o seu coração mandava, e o seu longo caminho como jogador teria um final espetacular. Depois de sair da quinta divisão, Paramatti chegava a seu ápice na Juventus, disputando partidas da Liga dos Campeões ao lado de Zinédine Zidane, David Trezeguet, Alex Del Piero, Antonio Conte, Pavel Nedved e Gianluigi Buffon, tendo Marcello Lippi e Carlo Ancelotti como técnicos em seus dois anos em Turim.
Michele apenas compunha elenco naquele time, na qualidade de opção de banco para as duas laterais. Paramatti fez 45 partidas pela Velha Senhora, com maior utilização na temporada 2000-01. Depois do título italiano conquistado na última rodada da Serie A 2001-02, já com 34 anos, o jogador resolveu voltar ao Bologna para uma temporada final. Ele se aposentou no ano seguinte pela Reggiana, a poucos quilômetros de distância de Ferrara, atuando na terceirona.
Hoje, o ex-jogador mora em Ravenna, onde administra uma imobiliária e os investimentos feitos durante sua carreira como jogador, além de jogar partidas de golfe ocasionalmente. Em 2012, quando um terremoto de magnitude 6.1 graus na escala Richter atingiu a parte oeste da Emília-Romanha, exatamente onde viveu praticamente toda sua vida, Michele resolveu angariar fundos para ajudar as vítimas do sismo. O ex-lateral leiloou camisas que trocou com outros jogadores durante toda sua carreira e arrecadou 24 mil euros.
Paramatti trocou de clube algumas vezes, mas jamais esqueceu dos principais elementos que definem a sua pessoa: a Emília-Romanha e a sua torcida pela Juventus. Como escreveu Antoine de Saint-Exupéry, “só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos”.
Michele Paramatti
Nascimento: 10 de março de 1968, em Salara, Itália
Posição: lateral
Clubes em que atuou: Spal (1986-87 e 1989-95), Russi (1987-89), Bologna (1995-2000 e 2002-03), Juventus (2000-02) e Reggiana (2003-04)
Títulos: Serie C1 (1992), Serie B (1996), Copa Intertoto (1998) e Serie A (2002)