Sabe aquelas postagens saudosistas sobre a seleção brasileira da Copa do Mundo de 2006? Ou lembra do Flamengo de 1995, que pensou montar o ataque dos sonhos com Romário, Edmundo e Sávio? A Inter também teve um momento “saudades do que a gente não viveu” em sua história. Aconteceu no fim dos anos 1990.
Imagina reunir dois craques, vencedores da Bola de Ouro; o jogador mais caro do mundo na época; um experiente e respeitado atacante; além de mais duas talentosas promessas, tidas como prontas para explodir. Duas décadas atrás, Massimo Moratti não poupou o dinheiro da empresa da família, a petrolífera Saras, para juntar Ronaldo, Roberto Baggio, Christian Vieri, Iván Zamorano, Álvaro Recoba e Adrian Mutu no mesmo elenco.
A formação dessa artilharia pesada se deu na temporada 1999-2000, em uma época de gastos exorbitantes e de poucas vitórias para a Inter. Sócio majoritário do clube, Moratti queria a todo custo repetir o passado do seu pai, Angelo, dirigente no período mais vencedor dos nerazzurri até então, nos anos 1960. Massimo assumiu a presidência em 1995 e só conseguiu o primeiro título três anos depois – a Copa Uefa de 1998. Na mesma época, perdeu o scudetto para a rival Juventus em uma polêmica disputa. No mais, acumulou fracasso atrás de fracasso.
No verão de 1999, a Inter vinha de uma das piores temporadas da sua história. Oitavo colocado na Serie A, o time contou com quatro treinadores: o primeiro foi Gigi Simoni, que acabou substituído por Mircea Lucescu em dezembro. O romeno, porém, entregou seu cargo em março, dias depois da eliminação nas quartas de final da Liga dos Campeões para o Manchester United. Como a equipe havia sido eliminada nas semifinais da Coppa Italia pelo Parma e estava no meio da tabela no campeonato, ficando sem objetivos para o restante da época, o interino Luciano Castellini assumiu. Mas não foi ele que encerrou os trabalhos.
Marcello Lippi, que havia se demitido da Juventus em fevereiro, já estava acertado para assumir o comando da equipe no verão seguinte. Antes, contudo, Moratti convocou Roy Hodgson, diretor técnico e treinador do clube nerazzurro entre 1995 e 1997, para dar um fim a 1998-99. De forma melancólica, o inglês ainda conduziu o time a uma derrota no playoff para vaga na Copa Uefa frente ao Bologna. Em meio ao caos no clube, Moratti entregou o cargo de presidente e o conselho administrativo foi dissolvido.
De qualquer forma, em julho, diante da falta um sucessor para assumir o cargo, Moratti retornou. “Se realmente todos querem, continuarei presidente”, disse o proprietário do clube durante a preparação para a nova temporada. Antes do “fico” de Massimo, se especulou que a chefia fosse parar com Marco Tronchetti Provera, diretor executivo, voz da Pirelli na administração ainda hoje e amigo próximo de Moratti. Outro nome que surgiu foi o de Giacinto Facchetti, ex-jogador que era ídolo nerazzurro e que seguiu no clube como dirigente, até assumir a presidência em 2004, ocupando-a até sua morte, em 2006.
Inter Milan's strike force in 1999/2000… pic.twitter.com/dFmOVDpBFa
— 90s Football (@90sfootball) May 28, 2018
Apesar da confusão na administração, a torcida interista estava empolgada. Em julho, mais de 40 mil carnês de ingresso já tinham sido vendidos e, mesmo com o passado juventino, Lippi trouxe esperança para o torcedor. Outro acontecimento que dava confiança aos nerazzurri era o fato de o clube ter quebrado a banca para concluir a transferência mais cara do futebol na época. Por 90 bilhões de liras italianas, contando com o passe de Diego Simeone, Vieri foi contratado da Lazio e se juntou a Ronaldo, Baggio, Zamorano e Recoba. No inverno, Mutu chegaria do Dinamo Bucareste.
Aquele foi um verão movimentado. O futebol estava sob a direção de Gabriele Oriali e Giuliano Terraneo, enquanto Lippi também teve protagonismo no mercado para indicar nomes que chegavam e definir os que saíam. Então capitão e vice, os experientes Giuseppe Bergomi e Gianluca Pagliuca saíram bravos, principalmente depois de um episódio no final da temporada anterior, no qual Ronaldo recebeu a braçadeira. O goleiro rumou para o Bologna e o defensor, já recordista de jogos pelo clube, se aposentou aos 36 anos, sem uma despedida digna.
Além de Simeone, envolvido na contratação de Vieri, ainda saíram os zagueiros Fabio Galante (Torino), Mauro Milanese (Perugia), Zoumana Camara (Bastia) e Mikaël Silvestre (Manchester United), os volantes Aron Winter (Ajax) e Zé Elias (Bologna) e o meia-atacante Youri Djorkaeff (Kaiserslautern). Somados a esses, os jovens Sébastien Frey (Verona), Matteo Ferrari (Bari), Cristiano Zanetti (Roma), Andrea Pirlo e Mohamed Kallon (Reggina) e Nicola Ventola (Bologna) também abriram espaço para os novos reforços.
Com Vieri, chegaram jogadores indicados por Lippi: o goleiro Angelo Peruzzi (Juventus) e o meia Vladimir Jugovic (Atlético de Madrid), além do defensor Christian Panucci (Real Madrid) e do volante Luigi Di Biagio (Roma). Ainda havia uma leva de reforços vindos da França, a exemplo de Djorkaeff, Benoît Cauet e Taribo West no passado: Laurent Blanc e Cyril Domoraud, dupla de zaga do Marseille derrotado pelo Parma na final da Copa Uefa. Por fim, o ala-esquerdo Grigoris Georgatos, do Olympiacos, acertou para compor elenco.
No inverno, mais três contratações internacionais: Iván Córdoba (San Lorenzo), Clarence Seedorf (Real Madrid) e Mutu (Dinamo Bucareste), além do lateral Michele Serena (Parma). Saíram West (Milan), Ousmane Dabo (Vicenza) e Paulo Sousa (Parma). Antes disso, o time iniciava a nova temporada confiante. Os médicos também prometiam um Ronaldo sem os problemas no joelho que o limitaram a jogar apenas 28 partidas em 1998-99. Naquela campanha, Ronie marcou 15 gols – 14 deles em 19 jogos da Serie A.
Assim, com Baggio e Ronaldo, respectivamente campeões do prêmio Bola de Ouro em 1993 e 1997; Vieri, o jogador mais caro do mundo; Recoba, que vinha de um semestre espetacular no Venezia, com 10 gols marcados em 19 jogos; além do experiente Zamorano, a Inter buscava encerrar um jejum de nove temporadas sem o scudetto. Para isso, teria de bater o Milan, que fora campeão no ano anterior. O foco, aliás, estava todo no campeonato, já que o time não tinha se classificado para nenhuma competição internacional.
O começo foi realmente positivo. A vitória por 3 a 0 sobre o Verona, com tripletta de Vieri, foi seguida de empate sem gols com a Roma no Olímpico e goleada por 5 a 1 sobre o Parma, com doppietta de Zamorano e mais um de Vieri, que ainda marcou o tento solitário no triunfo sobre o Torino. Ronaldo voltou com gol decisivo na vitória apertada sobre o Piacenza, por 2 a1. Já depois da data Fifa, os primeiros tropeços: derrotas para o Venezia (1 a 0) e no Derby della Madonnina (2 a 1), e 1 a 1 com a Lazio no San Siro, com o empate sofrido nos acréscimos.
Em novembro e dezembro, a Inter somou três derrotas dolorosas fora de casa para Bologna (3 a 0), Juventus (1 a 0) e Bari (2 a 1) – este último, o jogo memorável em que Antonio Cassano se mostrou para o mundo. No mesmo período, vitórias sobre Reggina (1 a 0) e Udinese (3 a 0), com participações decisivas de Recoba. O camisa 20 apareceu para dar um pouco de alegria para uma torcida e um time desmotivados pela primeira grave lesão de Ronaldo, sofrida na goleada por 6 a 0 sobre o Lecce. O tendão patelar do joelho direito virou caso cirúrgico para o camisa 9, que tinha marcado três vezes em sete jogos até então.
Para se ter uma ideia, naquele momento da temporada, a equipe levou mais de 60 mil espectadores em todos os jogos em San Siro, que enchia para ver os dribles e gols do seu maior ídolo. Depois da lesão de Ronaldo, isso aconteceu apenas em mais seis ocasiões: Roma, Milan, Bologna, Reggina, Juventus e Fiorentina. Em janeiro, a Inter fechou o primeiro turno do campeonato apenas na sexta posição, com 29 pontos, nove vitórias, dois empates e seis derrotas em 17 jogos – eram 18 clubes na Serie A.
A primeira parte do returno foi positiva para a equipe, que tirou a desvantagem da Lazio de seis para dois pontos, embora a Juventus tenha ampliado sua liderança. Foram 14 jogos de invencibilidade entre as derrotas para a Fiorentina, no dia 9 de janeiro, e para o Lecce, em 25 de março. No período, vitórias emocionantes, conquistadas no final ou de virada sempre com as marcas de Vieri, Recoba, Zamorano, Baggio e Mutu. Inclusive, duas contra o Milan, na copa e no campeonato, e contra a Roma. Outro adversário direto, o Parma escapou da derrota com gol de Hernán Crespo de pênalti no último lance.
Baggio teve atritos com Lippi e passou o primeiro turno inteiro no banco ou sem ser relacionado. Mas enquanto esteve em campo, se mostrou um jogador importante e decisivo para algumas vitórias, embora longe da sua verdadeira qualidade. Já Vieri se machucou no final de fevereiro, e retornou um mês depois apenas para se lesionar mais uma vez e ficar mais 30 dias parado. Curiosamente, a lesão aconteceu contra o Lecce, mesmo adversário contra o qual Ronaldo tivera sua infelicidade, em novembro.
A derrota no Via del Mare, pela 27ª rodada, desencadeou uma péssima sequência para o time de Lippi, que empatou com a Reggina (1 a 1) e perdeu para Udinese (3 a 0) e Juventus (2 a 1). O Derby d’Italia ocorria em pleno San Siro e a Velha Senhora venceu com doppietta de Darko Kovacevic. Na 30ª rodada, o time estava de novo no sexto lugar, 16 pontos atrás da líder Juventus. A futura campeã Lazio tinha cinco a menos que os bianconeri, que haviam perdido apenas três vezes em 31 jogos, mas sofreram derrotas para Verona e Perugia na reta final, e entregaram o scudetto na última rodada.
Nesse mesmo período, antes da derrota no Derby d’Italia, a Inter perdeu o primeiro jogo da final da Coppa Italia contra a Lazio. E também perdeu Ronaldo. Dessa vez, de forma ainda mais grave. No dia 12 de abril de 2000, o brasileiro retornava aos gramados depois de quatro meses, mas apenas seis minutos depois de substituir Baggio, com o jogo já em 2 a 1 para os celestes, uma tentativa de drible o derrubou. Ronie encarava Fernando Couto quando tendão do seu joelho direito rompeu totalmente.
A partir daquele momento, restando cerca pouco mais de 25 minutos para o apito final, não houve mais jogo no Olímpico e a final se transformou em algo próximo a uma cerimônia fúnebre. Depois de mais uma cirurgia, a previsão para o retorno de Ronaldo era de cerca de oito meses – ou seja, se daria no início de 2001. Mas a realidade se mostrou ainda mais ingrata para o craque brasileiro: a volta aconteceu somente em setembro, já pela temporada 2001-02, de forma lenta e gradual. Toda a temporada 2000-01 foi perdida pelo camisa 9 nerazzurro.
Voltando para 2000, na Serie A, para salvar o que restava do ano, a Inter conquistou três vitórias contra Bari, Perugia e Cagliari, que asseguraram o quarto lugar. Mesmo assim, a goleada por 4 a 0, sofrida para a Fiorentina, com mais de 75 mil no San Siro, foi um tremendo banho de água fria para a equipe e forçou o playoff pela última vaga italiana para a Liga dos Campeões. Depois do empate sem gols com a Lazio pelo segundo jogo da final da copa, que deu o título aos romanos, Baggio e Zamorano garantiram a vaga europeia contra o Parma: 3 a 1 para os nerazzurri.
O destino dos protagonistas
Assim se encerrou uma temporada frustrante para a Inter, que resultou no descrédito do trabalho de Lippi – o treinador acabou demitido logo após a rodada inaugural da Serie A seguinte. O toscano se mostrou confuso na construção do time, entre o seu 4-4-2 favorito e formações com três zagueiros, e ficou refém do rendimento inferior às expectativas do ataque dos sonhos. Vieri, no início, e Baggio, Recoba e Zamorano – no final – marcaram gols importantes, mas insuficientes para uma boa campanha. A Beneamata ficou na quarta posição, três pontos atrás do Milan e distante dos líderes: a 14 da campeã Lazio e a 13 da Juventus.
Naquela temporada, Ronaldo jogou apenas oito partidas, marcando três gols. Seu retorno aos gramados em 2001 trouxe novos atritos no clube, já que a relação com o treinador Héctor Cúper não foi positiva. Sua última partida com a camisa nerazzurra, no famoso 5 de maio, foi ainda mais amarga. Depois de brilhar na Copa do Mundo de 2002 como campeão e artilheiro do Mundial do Japão e da Coreia do Sul, forçou uma transferência para o Real Madrid, que se concretizou somente no último dia da janela de verão.
A sonhada parceria de Ronaldo com Vieri só ocorreu em 14 jogos ao longo de três anos, embora a amizade da dupla dure até hoje. O italiano se recuperou dos problemas físicos do primeiro ano, em que disputou somente 25 jogos (com 18 gols marcados), e seguiu como artilheiro do time em quase todas as temporadas que fez com a camisa nerazzurra – só não ocupou tal posto quando foi ofuscado pela versão mais impressionante de Adriano. Bobo fez 123 gols em 190 partidas e conquistou um título da Coppa Italia, em 2005, e teve saída polêmica: com contrato rescindido, assinou com o rival Milan, onde não impressionou. Depois, processou o clube e a Tim, com a alegação de que havia sido espionado durante a passagem na Pinetina. Venceu a ação em 2012, mas em 2018 teve de ressarcir os processados.
Baggio completou a temporada com 24 partidas, tendo marcado seis gols. O atrito com Lippi lhe rendeu apenas sete partidas como titular na Serie A e resultou na sua saída do clube depois de dois anos decepcionantes. O craque continuou na Lombardia, onde virou ídolo do Brescia, como protagonista do time nos seus últimos quatro anos de carreira.
Recoba foi quem mais durou no clube – mais sete temporadas –, embora não tenha chegado perto do potencial Bola de Ouro que seu talento indicava. Em 1999-00, o uruguaio foi o segundo melhor marcador do time, com 10 gols em 34 partidas. O camisa 20 continuou importante nos anos seguintes, mas conviveu com muitos problemas físicos. Ídolo da torcida e “queridinho” de Moratti, entre 2001 e 2003 foi o jogador mais bem pago do mundo. Saiu em 2007 e ainda rodou por Torino, Panionios e Danubio antes de encerrar a carreira no clube do coração, o Nacional.
Zamorano, que durante sua passagem na Inter se destacou muito mais pela entrega e sacrifício para auxiliar Ronaldo e Baggio do que pelos gols (41 em 149 partidas), também não durou muito tempo na Pinetina. Ainda que não tenha passado perto do destaque que teve no Real Madrid e na seleção chilena ao lado de Marcelo Salas, seu rival na Lazio, foi o atacante nerazzurro que colecionou o maior número de presenças em 1999-00: 36, com nove gols marcados. Na temporada seguinte, em setembro, Bam Bam foi para o México. Depois do América, encerrou a carreira no Colo-Colo.
O mais jovem da turma era Mutu, que colecionou problemas ao longo da carreira. Aquele semestre de 2000 foi o seu único pela Inter: fez 14 partidas e marcou duas vezes pela Coppa Italia, até a Beneamata negociá-lo em copropriedade com o Verona no verão. O romeno foi emprestado ao Parma, brilhou ao lado de Adriano, e ganhou uma transferência ao Chelsea. Na Inglaterra, foi pego no antidoping por uso de cocaína e, depois de cumprir suspensão, parou na Juventus. Seu retorno aos gramados aconteceu pelo time de Turim em 2005.
Após o rebaixamento da Velha Senhora, em virtude do Calciopoli, foi vendido para a Fiorentina, onde finalmente se mostrou um grande jogador, embora sem perder os problemas de comportamento. Depois de 69 gols em 143 jogos durante cinco temporadas, Mutu saiu de Florença e rodou por Cesena, Ajaccio, Petrolul Ploiesti, Pune City e Targu Mures, encerrando a carreira como o maior artilheiro da seleção romena ao lado de Gheorghe Hagi, com 35 gols.
Moratti, por fim, seguiu seu projeto com mais investimentos. O sonhado scudetto veio seis anos depois, como desenrolar do Calciopoli. O título, obtido após decisão judicial, foi seguido por quatro taças nacionais em campo e período dominante da equipe, treinada por Roberto Mancini e, depois, José Mourinho. A Inter ainda conquistou mais quatro títulos da Coppa Italia e da Supercopa, e atingiu seu auge em 2010, com a conquista da Liga dos Campeões e a inédita Tríplice Coroa em solo italiano. O baque pelo fracasso do “melhor ataque do mundo” foi totalmente anulado.