Jogos históricos

Com duas vitórias, a Roma eliminou o Real Madrid do mata-mata europeu, em 2008

Ao longo de sua história, a Roma colecionou algumas surpresas na Liga dos Campeões, ao conseguir eliminar equipes mais tarimbadas. Na célebre campanha de 2017-18, por exemplo, passou em primeiro lugar num grupo que tinha Atlético de Madrid e Chelsea, e ainda bateu o Barcelona nas quartas de final – acabou caindo nas semis, para o Liverpool. Uma década antes desse feito, a Loba não precisou nem de drama para derrubar o gigante Real Madrid. O time liberado por Francesco Totti e Daniele De Rossi, comandado por Luciano Spalletti, venceu os merengues na ida e na volta das oitavas. Sem dúvidas, foram duas das noites europeias mais festejadas na Cidade Eterna.

Na temporada 2007-08, o panorama do futebol italiano ainda estava afetado pelas consequências do escândalo Calciopoli e a Roma era a grande antagonista da Inter. Brigando pelo topo da Serie A, a Loba ficou com o vice da competição, em 2006-07, e se classificou diretamente para a fase de grupos da Champions League. Sem grandes dificuldades, a equipe capitolina superou a chave F, ao lado do Manchester United. Com três vitórias, dois empates e apenas uma derrota, justamente para os ingleses, os giallorossi ficaram na segunda colocação, à frente de Sporting e Dynamo Kyiv.

O Real Madrid, por sua vez, chegou à Champions League na condição de campeão espanhol, sob o comando de Fabio Capello. Apesar do título, o técnico italiano foi demitido pelo presidente Ramón Calderón e deu lugar ao alemão Bernd Schuster, ex-jogador merengue e autor de bom trabalho pelo Getafe. Na Liga dos Campeões, os blancos garantiram a primeira posição do Grupo C, com 11 pontos – mesmo número que o Olympiacos, só que com dois gols a mais de saldo. Nesta chave, Werder Bremen e Lazio ficaram pelo caminho.

O sorteio das oitavas de final fez os madrilenhos voltarem à capital italiana no dia 19 de fevereiro, para o jogo de ida. Em sua visita anterior ao Olímpico, o Real havia ficado no 2 a 2 com a Lazio – a qual venceu por 3 a 1 no Santiago Bernabéu – e esperava conseguir um bom resultado novamente. Afinal, era favorito diante da Roma.

Com um chutaço, Pizarro empatou o jogo no Olímpico (Getty)

Os blancos pularam à frente do placar logo aos 8 minutos, numa jogada pelo lado esquerdo. Arjen Robben foi acionado em velocidade e tocou para trás, onde Guti estava para finalizar. Raúl desviou o chute fraco do companheiro, enganando Doni e balançando as redes. O goleiro brasileiro até reclamou de impedimento, mas Christian Panucci dava condições ao espanhol.

A Roma respondeu na sequência, com um chute de média distância de Marco Cassetti, que foi bem defendido por Iker Casillas. Não demorou muito e os espanhóis assustaram o time italiano mais uma vez. De forma até surpreendente, Robben puxou da esquerda para a perna direita e finalizou rasteiro, da entrada da área, obrigando Doni a espalmar. Ruud van Nistelrooy pegou o rebote e estufou o barbante, mas estava em posição irregular.

Em ritmo frenético, o jogo seguiu com chances para os dois times. Aos 21 minutos, Robben fez boa jogada pelo lado direito e cruzou para Raúl, que cabeceou para fora e perdeu a oportunidade de ampliar para os visitantes. Aos 24, então, chegou o castigo aplicado pelos donos da casa. Mancini recebeu de Totti, encarou Sergio Ramos e passou rasteiro para o camisa 10, mas Fernando Gago cortou no meio do caminho. A bola sobrou para David Pizarro, que chutou forte e ainda contou com desvio no argentino para matar Casillas e empatar.

Após participar do primeiro gol, Totti deu passe açucarado para Mancini virar o jogo sobre o Real Madrid (Getty)

O restabelecimento da paridade diminuiu a intensidade do duelo. Tanto a equipe de Spalletti quanto a de Schuster optaram por maior cautela até o fim da primeira etapa e o que predominou até o intervalo fi a ineficácia no último passe ou nas finalizações – quando se chegava a isso.

Na volta do descanso, os merengues controlaram a posse, mas sem criar chances de perigo. E isso acabou custando para os comandados de Schuster. Aos 58 minutos, Totti recebeu lançamento longo, ganhou da marcação no corpo e ajeitou para Mancini, nas costas de Fabio Cannavaro. Em velocidade, o brasileiro driblou Casillas e colocou a bola no fundo das redes, virando o placar para a Roma e levando à loucura os torcedores giallorossi presentes no Olímpico.

O Real estava disposto a correr atrás do placar, mas a Roma conseguiu congestionar a sua área e a intermediária, o que obrigou os visitantes a arriscarem finalizações de média e de longa distância. Foi assim com Sergio Ramos, Robben e Mahamadou Diarra: as duas últimas, mais perigosas, acabaram sendo cortadas pela defesa giallorossa. Numa das poucas vezes em que os merengues penetraram o perímetro romanista, numa jogada individual de Royston Drenthe, Van Nistelrooy não foi capaz de aproveitar: chutou mascado e acertou a trave. De virada, a Loba abocanhava a vitória sobre o poderoso time espanhol.

Visitante incômodo: Taddei marcou o primeiro da Roma sobre o Real Madrid, no Santiago Bernabéu (AFP/Getty)

A partida de volta aconteceu duas semanas depois, no Santiago Bernabéu, e bastava ao Real Madrid uma vitória simples para avançar e fazer o seu favoritismo prevalecer. Schuster perdeu Van Nistelrooy para o jogo, mas teve os retornos de Robinho e Pepe, que foram escalados entre os titulares, e Marcelo – que ficou no banco. Já Spalletti tinha as mesmas peças à disposição, mas optou por trocar os laterais, um volante e um meia: Panucci, Cassetti, Pizarro e Ludovic Giuly foram para o banco, dando lugar a Cicinho, Max Tonetto, Alberto Aquilani e Rodrigo Taddei, respectivamente.

Por boa parte da etapa inicial, o Real Madrid não conseguiu ser nem um um pouco efetivo contra uma Roma bem posicionada e que, como tinha o resultado a seu favor, não tinha pressa alguma – o que enlouquecia a torcida blanca. A primeira boa oportunidade do jogo surgiu com os donos da casa, aos 16 minutos, quando Júlio Baptista arriscou de longe, numa cobrança de falta ensaiada, e contou com um desvio para levar perigo a Doni espalmou para escanteio. A resposta, imediata, foi de Aquilani, da intermediária: Il Principino acertou um petardo na trave e, na sequência, ainda obrigou Casillas a se esticar todo para mandar a bola em corner.

O restante do primeiro tempo foi muito bom para a Roma, porque quase nada aconteceu. A melhor chance, aos 20, ocorreu quando Baptista recebeu lançamento na área, mas isolou a pelota. No início da etapa complementar, o brasileiro teve desempenho bem melhor e deu um grande susto nos italianos: aos 48 minutos, cobrou falta no capricho e acertou a forquilha giallorossa. Por milímetros, a Loba não se viu em desvantagem.

A Roma se fechou bem na defesa e saiu da Espanha com triunfo histórico (Getty)

Porém, a equipe de Spalletti mostrou força mental e cresceu no jogo. Aos 65, Mirko Vucinic, que havia entrado minutos antes, recebeu cruzamento de Tonetto e acertou um forte chute no travessão. Infernal, o montenegrino estava aquecendo as turbinas. Aos 71, deu um humilhante drible da vaca em Pepe e cavou a expulsão do português, que já tinha cartão amarelo. A superioridade numérica dos giallorossi rapidamente foi acompanhada pela vantagem no placar e, aos 73, após levantamento perfeito de Tonetto, Taddei se antecipou a Gabriel Heinze para cabecear no ângulo.

Só que a alegria da Roma, por conta do gol, durou pouco. Quase de imediato, após Totti ser desarmado em campo ofensivo, o Real Madrid engatou contra-ataque e Raúl recebeu de Robinho para bater, no canto na saída de Doni. O camisa 7 estava claramente impedido e o bandeira estava bem posicionado, mas não assinalou a irregularidade. O grave erro da arbitragem grega, comandada por Kyros Vassaras, colocava os merengues de novo no jogo.

O gol empolgou o time da casa, que, mesmo com um a menos, pressionava os giallorossi. Mas era uma tentativa de imposição desorganizada e estéril, que não chegou a deixar a bem postada defesa da Roma desconfortável. Com o passar do tempo, os merengues foram esmorecendo e foram os visitantes que levaram mais perigo. Aos 87, só não balançaram as redes porque foi longa demais a ajeitada de Taddei para De Rossi, que estava sozinho frente à meta desguarnecida. Já nos acréscimos, porém, Panucci levantou bola na área e, contando com erro de marcação de Cannavaro, Vucinic garantiu o triunfo e a vaga para a equipe italiana.

A eliminação foi uma bomba para o Real Madrid, mas a conquista do título de La Liga, com oito pontos de vantagem sobre o Villarreal, segundo colocado, segurou Schuster no cargo. A Roma, por sua vez, celebrou um feito histórico, já que apenas numa ocasião havia batido os merengues – em 2002, no próprio Bernabéu, num jogo da fase de grupos da Champions League. No entanto, durou pouco na competição europeia, pois caiu nas mãos de um carrasco logo na fase seguinte.

Nas quartas de final, quis o destino que a Roma encarasse o Manchester United. O mesmo adversário que haviam lhe derrotado na fase de grupos e que, no ano anterior, lhe aplicara um sonoro 7 a 1 na mesma fase do torneio continental. O time inglês foi mais econômico em 2007-08, mas abateu a Loba com um 2 a 0 no Olímpico e um triunfo magro em Old Trafford, abrindo caminho para chegar à decisão, onde derrotou o Chelsea nos pênaltis. Já a equipe treinada por Spalletti se contentou com mais um vice da Serie A e com o troco sobre a Inter na Coppa Italia, que faturou pela nona vez.

Roma 2-1 Real Madrid

Roma: Doni; Panucci (Tonetto), Mexès, Juan (Ferrari), Cassetti; De Rossi, Pizarro (Aquilani); Giuly, Perrotta, Mancini; Totti. Técnico: Luciano Spalletti.
Real Madrid: Casillas; Sergio Ramos, Cannavaro, Heinze, Miguel Torres; Guti, Diarra (Drenthe), Gago, Robben (Júlio Baptista); Raúl, Van Nistelrooy. Técnico: Bernd Schuster.
Gols: Pizarro (24’) e Mancini (58’); Raúl (8’)
Árbitro: Herbert Fandel (Alemanha)
Local e data: estádio Olímpico, Roma (Itália), em 19 de fevereiro de 2008

Real Madrid 1-2 Roma

Real Madrid: Casillas; Salgado (Miguel Torres), Cannavaro, Pepe, Heinze; Guti, Diarra (Drenthe), Gago, Júlio Baptista (Soldado); Raúl, Robinho. Técnico: Bernd Schuster.
Roma: Doni, Cicinho (Panucci), Mexès, Juan, Tonetto; De Rossi, Aquilani; Taddei, Perrotta (Pizarro), Mancini (Vucinic), Totti: Luciano Spalletti.
Gols: Raúl (75’); Taddei (73’) e Vucinic (92’)
Cartão vermelho: Pepe (71’)
Árbitro: Kyros Vassaras (Grécia)
Local e data: estádio Santiago Bernabéu, Madrid (Espanha), em 5 de março de 2008

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