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Gerry Hitchens, o inglês mais longevo do futebol italiano, se destacou por Inter e Torino

O futebol como conhecido atualmente é uma invenção britânica. Os primeiros clubes da Itália também foram fundados por eles, mas, curiosamente, poucos jogadores oriundos da Grã-Bretanha tiveram sucesso na Serie A. O ano de 1961 foi aquele em que o maior número de atletas provenientes do Reino Unido Denis Law, Joe Baker, Jimmy Greaves e Gerry Hitchens chegaram à Velha Bota e só o último deles permaneceu mais de uma temporada no país. Hitchens defendeu quatro times italianos e teve maior destaque por Inter e Torino.

Gerald Hitchens nasceu na pequena cidade de Rawnsley, Staffordshire, conhecida por suas minas de carvão – nas quais Gerry chegou a trabalhar por um tempo. Ele começou a jogar como atacante no Highley Miners Welfare, clube amador da região, pelo qual foi finalista de uma copa do condado. A decisão foi realizada no estádio do Kidderminster Harriers, com a presença de Ted Gamson, um dos diretores do Kiddy, que gostou da produção do centroavante e lhe ofereceu um contrato, em setembro de 1953.

Na sétima divisão, Gerry conseguiu chamar chamou atenção de clubes da elite inglesa, como West Bromwich Albion e Aston Villa. Contudo, foi o Cardiff City que o contratou, em janeiro de 1955: Hitchens fez sua estreia profissional contra o Wolverhampton, em abril, e precisou de apenas três minutos para marcar o seu primeiro gol.

O clube conquistou a Copa de Gales naquele ano. Nas duas temporadas seguintes, o inglês seria o artilheiro do Cardiff, chegando a 40 tentos em 95 jogos pelos bluebirds. Em meados da campanha de 1957-58, o Aston Villa gastou 22,5 mil libras para contar com o futebol do atacante e ganhou um ídolo. Ao longo de três épocas e meia, Hitchens anotou 96 tentos em 160 partidas – somando todas as competições, entre a primeira e a segunda divisões e as copas nacionais.

Amigos e rivais: Hitchens, da Inter, cumprimenta o compatriota Greaves, do Milan, num Derby della Madonnina da temporada 1961-62 (Smith Archive)

Pelo grande desempenho pelos Villains, em 1961, Hitchens recebeu a sua primeira convocação para a seleção da Inglaterra. E precisou de apenas 90 segundos para desencantar pela equipe nacional, deixando o seu na goleada sobre o México, por 8 a 0. Duas semanas depois, enfrentou a Itália e anotou uma doppietta na vitória inglesa por 3 a 2, no Olímpico. Isso chamou a atenção dos clubes italianos e a Inter ganhou a disputa pagando 85 mil libras pelo centroavante, que rapidamente ganhou o apelido de “Pel di carotta” ou “Cenourinha”, devido à cor de seus cabelos.

Hitchens começou bem pela Inter, anotando cinco gols nas primeiras cinco partidas: dois no 6 a 0 sobre a Atalanta, um contra a Roma, em vitória por 3 a 2, e mais uma doppietta ante a Fiorentina, num triunfo por 4 a 1. Rapidamente, ganhou mais um apelido: Il Cannone (“o canhão”, em português). Apesar disso, fora dos campos, o inglês sofria para se adaptar por causa do idioma e pelo fato de a Beneamata costumar se concentrar num hotel dias antes do jogo. Era comum que ele fugisse da concentração para se encontrar com o compatriota Greaves, que atuava pelo Milan.

Com o passar dos meses, Hitchens começou a se adaptar e se tornou um dos ídolos da torcida nerazzurra – a ponto de a imprensa e os paparazzi se interessarem por seus passos extracampo. Gerry marcou em mais dois clássicos na temporada 1961-62, contra a Juventus, e terminou a Serie A com 16 gols, sendo o artilheiro de uma Inter vice-campeã italiana. Na Copa das Feiras, a equipe de Helenio Herrera caiu nas quartas de final, ante o Valencia. O atacante anotara uma doppietta sobre o Hearts e terminou seu ano de debute na Velha Bota com 18 bolas nas redes.

Hitchens passou duas temporadas na Inter (Keystone/Getty)

Apesar dos ótimos números pela Inter, Il Cannone deixou o radar da seleção inglesa quando trocou o Reino Unido pela Itália. Em maio de 1962, quando a Copa do Mundo do Chile se aproximava, uma série de lesões e problemas físicos de centroavantes selecionáveis, a sorte sorriu para Hitchens. O técnico Walter Winterbottom o chamou para amistosos preparatórios para a competição e, ali, Gerry garantiu a sua vaga na lista de convocados.

Hitchens marcou uma vez no amistoso contra a Suíça e participou de duas partidas do Mundial: entrou em campo nas derrotas ante Hungria, na fase de grupos, e Brasil, nas quartas. O centroavante loiro anotou um gol contra a equipe canarinho, comandada por Garrincha, mas não conseguiu evitar o 3 a 1. Naquela Copa, Gerry se tornou o primeiro jogador a atuar pela Inglaterra enquanto defendia um time de fora do país. Contudo, a chegada de Alf Ramsey ao cargo de técnico lhe fechou as portas para a seleção dos Três Leões: o novo treinador optou por não chamar atletas de clubes estrangeiros.

O bomber até poderia pedir para ser negociado com um time inglês para ter continuidade na seleção, mas não foi o que aconteceu. Gerry defendia que um jogador tinha uma carreira curta e que a profissão tinha a vantagem de lhe fazer conhecer lugares diferentes – algo que lhe apetecia. Decidiu, então, permanecer na Inter. Hitchens começou a temporada 1962-63 em Milão, mas trocou de clube em outubro: os nerazzurri haviam contratado o brasileiro Jair da Costa e precisavam liberar uma vaga de estrangeiro. Assim, o britânico foi trocado pelo atacante Beniamino Di Giacomo, do Torino.

Hitchens, à esquerda, observa abraço entre Bearzot e Mazzola, num duelo entre Inter e Torino (Archivi Farabola)

Como disputou cinco jogos da Serie A 1962-63, Gerry pode ser considerado campeão italiano daquela temporada: o primeiro scudetto da Grande Inter teve a sua digital. Hitchens, Greaves e Ashley Young são os únicos ingleses que integraram elencos vencedores do torneio de pontos corridos na Velha Bota – na época de amadorismo, na transição entre os séculos XIX e XX, outros britânicos haviam obtido o feito.

Em Turim, foi um dos principais jogadores da equipe ao longo de três temporadas, sendo artilheiro granata na Serie A em duas oportunidades e o principal goleador do time (se considerarmos todos os torneios) em todos os anos em que esteve no Piemonte. Durante a campanha de 1962-63, concluída pelo Torino com uma posição de meio da tabela no Italiano e o vice da Coppa Italia, Hitchens foi treinado por Benjamín Santos e teve como momento de maior destaque uma tripletta anotada contra a Sampdoria.

A chegada do técnico Nereo Rocco, em 1963, fez o Torino subir de produção e terminar a Serie A na sétima posição, além de emplacar mais um vice na Coppa Italia. Gerry também ganhou destaque em jogos importantes, marcando em dois clássicos contra a Juventus e em dois duelos com a Inter – ambos perdidos pelo torneio de pontos corridos e vencidos pelo mata-mata. A melhor temporada de Hitchens vestindo grená foi a derradeira, na qual o time ficou em terceiro lugar no Campeonato Italiano e chegou tanto às semifinais da copa nacional quanto da Recopa Uefa. O inglês teve uma produção especialmente interessante no torneio europeu: anotou quatro tentos.

Especialista em jogadas aéreas, Gerry anotou seus golzinhos com a camisa da Atalanta (Archivi Farabola)

Depois de 113 partidas e 36 gols pelo Toro, Hitchens rumou a uma modesta Atalanta, cedendo experiência a um time de meio de tabela: no biênio em Bérgamo, atuou mais como um pivô preparador de jogadas para a conclusão dos companheiros. Aos 32 anos, foi ser reserva de luxo no Cagliari, mas antes teve uma breve passagem pelo Campeonato dos Estados Unidos, realizado em tiro curto. Durante o verão de 1967, a diretoria sarda cedeu todo o elenco ao Chicago Mustangs.

No retorno à Sardenha, Il Cannone pouco jogou, uma vez que era apenas uma alternativa a Luigi Riva, Roberto Boninsegna e Sergio Gori. Em 1969, beirando os 35 anos, Hitchens deixou o futebol profissional – meses antes de o Cagliari garantir seu único scudetto. Até hoje, Gerry é o inglês que mais tempo atuou na Itália: oito temporadas no total. Dali até 1971, o centroavante defenderia Worcester City, da Inglaterra, e Merthyr Tydfil, do País de Gales, nas ligas inferiores britânicas.

Hitchens passou a fase final de sua vida em Gales, onde administrou uma fábrica de ferragens e uma empresa de fornecimento de madeira. O atacante, porém, manteve a paixão pelo futebol e não parou de bater uma bolinha, o que lhe custaria muito: a vida. Em 1983, durante uma partida beneficente, Gerry foi vítima de um mal súbito e foi declarado morto quando chegou ao Hospital Geral de Wrexham. O mais icônico inglês do Campeonato Italiano tinha apenas 48 anos.

Gerald Archibald “Gerry” Hitchens
Nascimento: 8 de outubro de 1934, em Rawnsley, Inglaterra
Morte: 13 de abril de 1983, em Hope, País de Gales
Posição: centroavante
Clubes: Highley Miners Welfare (1952-53), Kidderminster Harriers (1953-55), Cardiff City (1955-57), Aston Villa (1957-61), Inter (1961-62), Torino (1962-65), Atalanta (1965-67), Chicago Mustangs (1967), Cagliari (1967-69), Worcester City (1969-71) e Merthyr Tydfil (1971)
Títulos: Copa de Gales (1956), Segunda Divisão Inglesa (1960) e Serie A (1963)
Seleção inglesa: 7 jogos e 5 gols

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