Todo torcedor sonha que seu time faça uma contratação bombástica. Esse desejo também é compartilhado por aqueles que apoiam equipes de menor expressão ou que, por ventura, estejam vivendo um momento de baixa. Uma transferência desse porte logo após um acesso para a elite é quase impossível, mas quando acontece, é sinônimo de festa. Foi o que aconteceu quando o Torino buscou o badalado meio-campista Rafael Martín Vázquez no poderoso Real Madrid, no início da década de 1990.
Nascido na própria capital da Espanha, em setembro de 1965, Vázquez enttrou nas categorias de base do Real Madrid aos 15 anos. Pouco menos de três temporadas depois, o meia entrou em campo pelo Castilla, filial do clube nas divisões inferiores, e impressionou. Em 1983-84, Rafa estreou no time profissional.
Atuando como meia pelo lado esquerdo, Martín Vázquez era muito habilidoso com o pé direito, seu preferido – embora também tivesse classe com o outro. Entre suas principais características, destacavam-se o bom passe, o dinamismo e a facilidade para balançar a rede dos adversários. Era um bom finalizador de média distância e cobrava faltas.
Rafa fez parte do grupo conhecido como Quinta del Buitre, uma geração de jogadores da base do clube merengue e que brilhou na metade final da década de 1980. O nome, dado pelo jornalista Julio César Iglesias, do diário El País, faz referência ao apelido do atleta mais conhecido e carismático do grupo: Emilio Butragueño, o Buitre. O quinteto era completado por Miguel Pardeza, Manolo Sanchís, Míchel González e Vázquez. Aquele elenco ainda contava com o zagueiro Fernando Hierro.
Na temporada anterior à promoção dos jovens, o Castilla fez história ao conquistar o título da segunda divisão do Campeonato Espanhol, em 1983-84, Foi a primeira e, até hoje, única vez que a filial obteve tal feito – embora, por regulamento, a promoção não tenha se efetivado. No profissional, o único que não ganhou continuidade foi Pardeza, que voltou a atuar no time B, até, com breves passagens na equipe principal, sair para o Zaragoza.
Essa geração também liderou os times juvenis da Espanha. Em 1986, a Fúria atropelou França e Hungria na Euro Sub-21, até chegar à decisão com a Itália de Gianluca Vialli e Giuseppe Giannini. A dupla marcou na vitória por 2 a 1 no jogo de ida, em Roma, mas La Roja devolveu o placar em Madrid. Os azzurrini falharam nos pênaltis e Rafa converteu a cobrança que deu a seu país o primeiro título do torneio.
Enquanto participou do famoso quarteto, Vázquez conquistou La Liga cinco vezes de maneira consecutiva, além de uma Copa do Rei, a já extinta Copa da Liga Espanhola, duas Supercopas da Espanha e duas Copas Uefa. No período, os blancos foram treinados por Luis Molowny (1985-86), Leo Beenhakker (1986-89) e John Toshack (1989-90).
O meia vestiu a camisa do Real Madrid de 1983 a 1990 e desfilou dentro das quatro linhas com muitos tentos e assistências, sendo titular absoluto em seus três últimos anos de Santiago Bernabéu. Em 1989-90, o Real marcou expressivos 107 gols em La Liga, sendo 14 de Rafa, vice-artilheiro dos merengues atrás do mexicano Hugo Sánchez, com 38. Inclusive, em sua última temporada, Vázquez foi eleito como o melhor jogador espanhol em atividade pela conceituada revista esportiva Don Balón.
Reconhecido como um dos melhores meio-campistas de seu tempo, Rafa participou da Copa do Mundo de 1990. Apesar da eliminação precoce da Espanha nas oitavas de final para a então Iugoslávia, na prorrogação, atuou em todas as partidas como titular e brilhou com seu futebol em campo. Antes, ainda disputara a Eurocopa de 1988, mas não conseguiu evitar que a Fúria caísse ainda na primeira fase, com duas derrotas e uma vitória.
Depois do Mundial, a contratação do romeno Gheorghe Hagi pelo Real Madrid fez com que Vázquez optasse por deixar o clube – mesmo eleito, em 1990, para a seleção da World Soccer, o que se repetiria em 1991. O destino? Um time do Piemonte. Mas, surpreendentemente, não seria a endinheirada Juventus. Rafa acertou com o Torino, que ganhara o título da Serie B e voltava à elite do Italiano após uma temporada de ausência.
Sob o comando do empresário Gian Mauro Borsano, o time de Turim investiu bastante para tirar Vázquez do Real Madrid e dar-lhe um contrato de três anos. O Toro gastou 2,8 bilhões de liras, moeda vigente na Itália entre 1861 e 2002 antes da mudança para o euro, e ainda ofereceu um gordo salário ao espanhol. Durante sua passagem pelo Torino, o meia foi o estrangeiro mais bem pago do futebol italiano.
A primeira visita do atleta à sede de Corso Vittorio Emanuele foi curiosa. Vázquez chamava a atenção pela vasta barba que ostentava, algo que não era comum na Itália daqueles tempos. Em geral, os jogadores tinham a cara limpa, portavam discretos cavanhaques ou, então, portentosos bigodes. Após as férias nos Estados Unidos, o espanhol optou pela terceira opção ao vestir a camisa 10 granata.
Em sua temporada de estreia, o meia levou o clube à quinta colocação da Serie A, então vencida pela Sampdoria, mesma adversária que eliminou o Torino nas quartas de final da Coppa Italia. Se valendo de sua versatilidade, Rafa atuava como trequartista, mas caía muito pelos dois flancos do ataque para dar o último passe para a conclusão das jogadas. Às vezes, finalizava ele mesmo: marcou dois gols, ambos contra a Inter, um por cada um dos torneios citados acima.
Martín Vázquez chegou a perder uma parte considerável da reta final da campanha por problemas físicos, mas voltou a tempo de levantar uma taça como protagonista. Em junho acontecia a Copa Mitropa, competição disputada por clubes promovidos às categorias de elite de Itália, Áustria, Hungria e Checoslováquia. Na fase de qualificação, o Toro eliminou o austríaco Vorwärts e o húngaro Vezsprem; na final, venceu o conterrâneo Pisa, por 2 a 1. Os nerazzurri abriram o placar aos 84 minutos, mas Rafa, cobrando pênalti, empatou nos acréscimos. No último minuto da prorrogação, Giuseppe Carillo virou a peleja.
Naquela temporada, o espanhol chegou a atuar brevemente com os brasileiros Müller, que deixou o clube com o campeonato em andamento, Júnior e Amarildo – estes dois apenas durante a Copa Mitropa. Em 1991-92, a parceria com jogadores canarinho se daria com o goleador Walter Casagrande.
O Torino já tinha um bom elenco, mas se reforçou muito bem para disputar a Copa Uefa. Além de Casão, a diretoria foi buscar o belga Enzo Scifo, que se tornou o parceiro ideal de Vázquez no meio-campo. A dupla era capaz de controlar o jogo e oferecer o ritmo desejado pelo técnico Emiliano Mondonico. Juntos, foram uma das chaves do sucesso dos grenás em 1991-92.
Os torcedores mal lembram da eliminação nas quartas de final da Coppa Italia para o Milan naquela temporada. A queda ficou em segundo plano porque, nas demais competições, o Torino foi arrasador. O time de Mondo terminou o Italiano na terceira posição e com a melhor defesa do certame – em parte, porque Scifo e Vázquez cadenciavam as partidas. Na Copa Uefa, o desempenho foi ainda melhor: os grenás foram vice-campeões.
Com bolas nas redes contra KR Reykjavík e AEK, além de duas assistências num dos duelos com os gregos, o espanhol foi um dos grandes responsáveis por fazer o Torino avançar na competição europeia. A equipe grená ainda deixou o Real Madrid pelo caminho na semifinal e só perdeu a taça para o Ajax, da Holanda, pelos critérios de desempate: a igualdade por 2 a 2 em casa, na primeira partida, e o empate sem gols no segundo jogo, em Amsterdã, deixaram Vázquez e o Toro de mãos vazias. Ainda assim, esta foi a melhor campanha dos granata num torneio continental.
Rafa chegou a iniciar os trabalhos de pré-temporada, visando 1992-93, no Piemonte. Contudo, antes mesmo do fim do terceiro ano de contrato, recebeu uma proposta do Olympique de Marseille, da França, e encerrou sua passagem pela Itália com 75 partidas e seis gols pelo Torino.
O time presidido pelo magnata Bernard Tapie era um forte concorrente ao título da Copa dos Campeões, mas Martín Vázquez não durou por lá: depois de apenas dois meses, voltou ao Real Madrid. Dali em diante, os problemas físicos que o tiraram de campo durante parte de seus dias de Torino começaram a ser mais recorrentes. Com a exceção da temporada 1994-95, na qual foi frequentemente utilizado pelos blancos, ficou mais no departamento médico do que em campo.
Os quatro títulos – La Liga, Copa do Rei, Supercopa da Espanha e Copa Iberoamericana – na sua segunda e derradeira experiência madrilenha seriam os últimos de sua carreira. Depois de encerrar de vez o seu ciclo vitorioso pelo Real, em junho de 1995, o meia optou por seguir em seu país e assinou com o Deportivo La Coruña. Com lampejos do craque que foi outrora, Vázquez ainda passou pelo Atlético Celaya, do México, onde voltou a atuar com Butragueño e Míchel, até pendurar as chuteiras pelo Karlsruher, da Alemanha, em 1998.
Já aposentado, ele chegou a ser treinador das categorias de base do Real Madrid e do time principal do Extremadura. Atualmente, é comentarista na Movistar España. Na Itália, Martín Vázquez continua sendo idolatrado pela torcida do Torino apesar de ter defendido o clube em apenas duas temporadas. Afinal, pronunciar o seu nome é um convite às lembranças: Rafa remete a uma época em que os grenás, muito graças à classe que desfilava em campo, brigava por títulos expressivos.
Rafael Martín Vázquez
Nascimento: 25 de setembro de 1965, em Madrid, Espanha
Posição: meia-atacante
Clubes como jogador: Real Madrid Castilla (1983), Real Madrid (1983-90 e 1992-95), Torino (1990-92), Marseille (1992), Deportivo La Coruña (1995-97), Celaya (1997-98) e Karlsruher (1998)
Títulos como jogador: Copa da Liga Espanhola (1985), Copa Uefa (1985 e 1986), La Liga (1986, 1987, 1988, 1989, 1990 e 1995), Euro Sub-21 (1986), Supercopa da Espanha (1988, 1989 e 1993), Copa do Rei (1989 e 1993), Copa Mitropa (1991) e Copa Iberoamericana (1994)
Clubes como treinador: Extremadura (2018)
Seleção espanhola: 38 jogos e 1 gol