Considerado como o melhor lateral-esquerdo do mundo por ninguém menos que Sir Alex Ferguson e com passagens vitoriosas por todos os clubes por onde passou, Patrice Evra também conquistou o mundo fora do esporte. Guiado pelo lema “I love this game” (em português, “eu amo esse jogo”), o atleta precisou superar muitas barreiras extracampo e se reinventar dentro do gramado para gravar seu nome no pelotão dos melhores de sua posição neste século.
Nascido no dia 15 de maio de 1981, em Dacar, capital do Senegal, Evra viveu poucos meses no país africano. Filho de um diplomata, ele logo mudou-se para Bruxelas, na Bélgica, quando seu pai foi trabalhar na embaixada de Senegal. Depois de mais de dois anos morando em solo belga, a família – de origens cabo-verdiana e guineense – se transferiu para a França e se estabeleceu em Les Ulis, uma comuna ao sul da capital Paris.
Pelo Les Ulis, modesto clube da cidade, ele começou a jogar futebol, ainda como atacante. Evra participou de peneiras de times profissionais, como Rennes e Lens, mas foi rejeitado por sua baixa estatura. Em 1993, juntou-se ao amador Brétigny, de Brétigny-sur-Orge, município próximo a Paris. Ainda nesse período, seguiu fazendo testes, inclusive no Toulouse e no Paris Saint-Germain. Neste último, foi chamado para treinar no Camp des Loges e foi convertido em ala, porém sua passagem durou poucos meses e Patrice foi liberado.
Durante esse meio tempo, os pais do jogador se divorciaram e sua mãe passou por muitas dificuldades. Seu pai, aliás, se casou três vezes, e teve outros 24 filhos além de Patrice. No período, o ainda jovem atleta precisou pedir dinheiro nas ruas de Paris para conseguir se alimentar e ajudar alguns dos irmãos. De volta ao Brétigny, foi convidado por um amigo para um torneio de futebol de salão organizado pelo centro esportivo Juvisy-sur-Orge. Enquanto atuava, Evra foi notado por um olheiro italiano, que lhe ofereceu a oportunidade de participar de um teste no tradicional Torino.
Depois de dez dias treinando, ele não foi aprovado pelo Toro, mas agradou a um dos avaliadores, que era diretor do modesto Marsala, clube da cidade homônima localizada na província de Trapani, na parte mais ocidental da Sicília. Na época, o time disputava a Serie C1, terceira divisão do Italiano. Sem pensar duas vezes, ele assinou seu primeiro contrato profissional aos 17 anos, em 1998.
Evra era o único negro no plantel, mas sempre foi bem acolhido pelos companheiros de clube e pela cidade em si. No total, ele atuou em 27 partidas e anotou seis gols pelos lilibetani, ainda como ponta. O bom desempenho ao ajudar a equipe azzurra a se salvar do rebaixamento atraiu a atenção de outro time italiano, o Monza, da Lombardia, no norte do país. Contudo, a frustração veio na sequência. Foram apenas três jogos com a camisa biancorossa, na Serie B, e uma despedida após apenas uma temporada.

Antes de ser titular da Juventus no mais alto nível, Evra defendeu Marsala e Monza, nas divisões inferiores da Itália (imago)
Uma nova oportunidade surgiu, mas agora na França: o Nice, que disputava a segunda divisão no país e tinha acabado de ser comprado pelo romano Franco Sensi. Evra passou a maior parte de sua primeira temporada com a equipe reserva no Championnat National 2, o quarto nível do futebol local, principalmente como meia. Após 18 partidas e um gol anotado, foi chamado pelo italiano Sandro Salvioni, técnico do time principal, para integrar o plantel. Atuando como atacante, participou de cinco partidas na segundona.
Na temporada 2001-02, promovido de forma permanente, o jogador ganhou mais oportunidades sob o comando de Salvioni. Porém, logo no início, o técnico informou que, com as lesões de Jean-Charles Cirilli e José Cobos, o franco-senegalês iria assumir a lateral esquerda. A campanha do Nice foi espetacular e o time rubro-negro garantiu o acesso à Ligue 1 com o terceiro lugar na tabela. Por suas atuações, Evra integrou a seleção do ano da UNFP – a União Nacional dos Futebolistas Profissionais, o sindicato dos atletas da França. No total ele disputou 35 partidas na competição, com um gol anotado. Além disso, entrou em duas partidas de copas.
Mais do que isso, pela excelente participação com o Nice, Evra garantiu uma proposta do tradicional Monaco. A oferta foi prontamente aceita pelo franco-senegalês, que participou das quatro temporadas seguintes com a camisa do clube. Liderado por Didier Deschamps em todos os anos, o jogador foi aconselhado pelo técnico a atuar somente como lateral-esquerdo. Sob a batuta do ex-volante, Patrice viveu seus primeiros bons momentos em uma competição de elite europeia.
Logo na campanha de estreia, em 2002-03, faturou o título da Copa da Liga Francesa, adicionando a primeira taça a seu currículo, e ajudou o time a ser vice-campeão da Ligue 1, atrás apenas do líder Lyon. O lateral acumulou 41 partidas na temporada, com dois gols, e, mais do que isso, mostrou os seus principais atributos: velocidade, resistência e técnica. No ano seguinte, Deschamps escolheu Evra como vice-capitão e ele respondeu com 33 partidas e quatro assistências no campeonato nacional, que novamente acabou com o Lyon se sagrando vitorioso e o Monaco, desta vez, em terceiro.
Mas os momentos mais mágicos da temporada ficaram reservados para a Liga dos Campeões. O Monaco passou por um grupo mais fraco com Deportivo La Coruña, da Espanha, PSV, da Holanda, e AEK, da Grécia, eliminou o Lokomotiv Moscou, da Rússia, nas oitavas, o Real Madrid nas quartas, o Chelsea na semifinal e garantiu uma vaga na grande decisão do torneio. Apesar da excelente campanha, o clube não foi páreo para o Porto de José Mourinho e acabou derrotado por 3 a 0 na final, na Alemanha. Evra atuou nos 90 minutos da partida. Após o término do torneio, o lateral foi nomeado o jogador do ano pela UNFP e ainda entrou na seleção do Campeonato Francês.
Durante a temporada, Evra foi convocado pela primeira vez pela França e participou de alguns amistosos, porém acabou de fora da lista final para a disputa da Eurocopa de 2004, que terminou com a eliminação da seleção nas quartas para a Grécia, que viria a faturar o título. Depois disso, Patrice teve poucas oportunidades pelos Bleus durante um tempo: ficou fora da Copa do Mundo de 2006 e, mesmo recebendo chances esporádicas, só passou a ser chamado constantemente a partir de 2008.
O jogador seguiu como um fiel escudeiro no time de Deschamps na temporada 2004-05. O Monaco novamente terminou em terceiro no campeonato, mas caiu nas oitavas da Liga dos Campeões e nas semifinais das copas nacionais. Na campanha, Evra teve presença constante, aparecendo em 52 partidas, marcando um gol e contribuindo com sete assistências.
Na temporada seguinte, em 2005-06, o Monaco iniciou a Ligue 1 lutando na parte debaixo da tabela. Apesar do carinho com o clube, Evra optou por sair ainda em dezembro de 2005 e rumou ao Manchester United, da Inglaterra, por indicação de Ferguson, no mês seguinte, por cerca de 5,5 milhões de libras. Os anos em solo britânico significaram o seu auge. Em Old Trafford, o lateral se tornaria titular absoluto sob o comando do escocês e ganharia o status de ídolo da torcida por ser um dos jogadores mais regulares dos anos seguintes.
A primeira temporada, 2005-06, em que chegou já na metade, foi de adaptação. O jogador atuou apenas 14 vezes e participou da conquista da Copa da Liga Inglesa. A seguinte, em 2006-07, foi melhor para o atleta, que fez 36 partidas, com dois gols marcados, e ajudou na conquista da taça do Campeonato Inglês. Evra acabaria sendo nomeado para a equipe do ano da PFA, a Professional Footballers Association.
Já adaptado e titular dos Red Devils, Evra teve absoluto sucesso nas temporadas seguintes, com as conquistas da Premier League em 2008, 2009, 2011 e 2013, da Liga dos Campeões de 2008 e do Mundial do mesmo ano, além da Copa da Liga Inglesa em 2009 e 2010, e da Supercopa da Inglaterra de 2007, 2008, 2011 e 2013. Ao todo pelo clube inglês, Patrice somou 15 taças, 379 partidas e 10 gols.
A saída de Sir Alex Ferguson ao fim da temporada 2012-13 marcou uma irregular campanha no ano seguinte sob o comando de David Moyes e, após sua demissão, do interino Ryan Giggs. Evra ainda foi importante em 2013-14 pelo clube de Manchester, com 45 gols e três gols, mas optou por trocar de ares no verão europeu.
No período em que defendeu os Red Devils, Patrice foi constante na seleção gaulesa – ainda que os Bleus tenham vivido momentos bastante negativos durante boa parte desses anos. Sob o comando do controverso Raymond Domenech, esteve em pavorosas campanhas na Euro 2008 e na Copa do Mundo de 2010, ocasiões em que a França foi eliminada precocemente e ainda ocupou a lanterna de seus grupos. Na África do Sul, Evra foi o capitão e liderou um motim contra o técnico depois que Nicholas Anelka foi excluído como pena por um entrevero. O lateral perdeu a faixa, não entrou em campo na partida que selou a queda azul e passou meses afastado da equipe nacional.
Apesar de todas as críticas sofridas por Evra, Laurent Blanc bancou o seu retorno em março de 2011 e o levou para a Euro seguinte. A França caiu nas quartas de final para a Espanha, que se sagraria bicampeã, mas Patrice veria o jogo do banco: só atuou na estreia, contra a Inglaterra, e perdeu a posição para Gaël Clichy. Com a eliminação, Blanc se demitiu e abriu espaço para que Deschamps assumisse os Bleus. O que seria positivo para o lateral mancuniano, que tinha ótima relação com o treinador. Dessa forma, disputou a Copa de 2014 e, após a derrota para a Alemanha, nas quartas, aceitou rumar à Juventus.
A temporada 2014-15 marcava o retorno de Evra à Itália. A Velha Senhora havia acabado de se despedir de Antonio Conte, tricampeão do Italiano, e contratado Massimiliano Allegri para o cargo de técnico. Contratado por 1,5 milhão de euros, o vitorioso e já veterano jogador, então com 33 anos, ganhou a confiança do novo treinador e o flanco esquerdo, no qual atuaria como lateral ou ala. A defesa da Juventus contava com os também experientes Andrea Barzagli, Leonardo Bonucci, Giorgio Chiellini, Stephan Lichtsteiner e ainda com o goleiro Gianluigi Buffon como opções primárias.
Nos primeiros meses, Evra teve alguns problemas de adaptação à nova realidade, mesmo tendo a companhia dos compatriotas Paul Pogba e Kinglsey Coman no elenco. Além de não ter atuações muito positivas, o camisa 33 bianconero ainda precisou lidar com uma lesão muscular na coxa, que o tirou dos campos por um mês. A partir da metade da campanha, o francês se inseriu no time de Allegri e contribuiu para que a Juve e sua segura retaguarda se destacassem em 2014-15.
Ao todo, Evra disputou 34 partidas na temporada, com um gol anotado ante a Sampdoria. Em seu debute na elite italiana, o francês venceu a Serie A e a Coppa Italia, inclusive fornecendo uma assistência para Chiellini marcar o primeiro no triunfo por 2 a 1 sobre a Lazio. Por outro lado, a Juve perdeu a Supercopa nacional para o Napoli e, na Champions League, amargou o vice-campeonato. Na trajetória, Patrice contribuiu para a eliminação do Monaco nas quartas de final e também foi titular no 3 a 1 aplicado pelo Barcelona na decisão de Berlim. Curiosamente, o lateral é o jogador que mais vezes foi derrotado na final da Liga dos Campeões: quatro vezes (em 2004, 2009, 2011 e 2015).
Pela temporada 2015-16, Evra seguiu no elenco titular mesmo com a contratação do brasileiro Alex Sandro, vindo do Porto, de Portugal. Nas competições nacionais, a Juve seguiu implacável e venceu mais uma vez a Serie A e a Coppa Italia, além de acrescentar a Supercopa Italiana à bagagem. A decepção veio na Liga dos Campeões, em que a equipe caiu para o Bayern de Munique, da Alemanha, nas oitavas. Naquele ano, o lateral totalizou 35 jogos e dois gols, além de ter se tornado o segundo atleta de seu país a atingir 100 aparições pela Champions League, se juntando a Thierry Henry.
No verão de 2016, Patrice representou a França pela última vez numa competição majoritária. O veterano foi o dono da lateral transalpina na ótima campanha na Eurocopa, na qual os Bleus acabaram derrotados por Portugal e foram vice-campeões. Ao retornar a Turim, contudo, Evra viu o seu status mudar radicalmente. Se até a época anterior ele era o queridinho de Allegri, em 2016-17 veria a posição ser tomada por Alex Sandro, que já pedia passagem havia algum tempo.

Evra levantou seis taças pela equipe de Turim, que vivia o seu período mais dominante em solo nacional (imago)
Quando a temporada estava praticamente na metade, o jogador, que havia atuado 13 vezes, optou por deixar a Velha Senhora, em janeiro de 2017. A medalha pelo título italiano de 2016-17, que seria conquistado pela Juve, chegou posteriormente a Evra, já que ele disputou a competição pelo clube. No total, o francês somou 82 partidas, três gols, sete assistências e seis taças com a camisa dos bianconeri, que viviam o auge de seu domínio em território nacional.
A reta final da carreira de Evra não foi a sonhada pelo franco-senegalês. Ele voltou à França contratado pelo Olympique de Marseille, mas pouco atuou no restante da temporada e teve momentos ainda piores na campanha seguinte. Inclusive, a sua passagem pelos phocéens terminou de forma abrupta após a forte reação a provocações feitas por um torcedor durante o aquecimento para um jogo da Liga Europa, contra o Vitória de Guimarães: Patrice chutou o marselhês. O veterano acabou banido de competições Uefa por um ano e, após ter sido suspenso por tempo indeterminado pelo OM, teve o contrato rescindido.
A saída repentina da França marcou mais um retorno, agora para a Inglaterra, para atuar pelo West Ham. Evra assinou com os Hammers em fevereiro de 2018 e, em pouco menos de cinco meses pelo time londrino, realizou apenas cinco jogos antes de uma despedida sem festa dos gramados. Por mais de um ano e meio depois, Patrice seguiu sem clube e optou, em julho de 2019, por anunciar a sua aposentadoria das quatro linhas.
Evra tem estudado para se tornar treinador e passou alguns meses como estagiário na base do Manchester United, em 2019. Naturalmente, como sua atribulada carreira ratificou, as polêmicas não ficaram fora do seu radar, por conta de comentários nas redes sociais. Ao mesmo tempo, Patrice também diverte os fãs em seus perfis, com vídeos e fotos publicados regularmente.
Patrice Latyr Evra
Nascimento: 15 de maio de 1981, em Dacar, Senegal
Posição: lateral-esquerdo
Clubes: Marsala (1998-99), Monza (1999-2000), Nice (2000-02), Monaco (2002-06), Manchester United (2006-14), Juventus (2014-17), Marseille (2017) e West Ham (2018)
Títulos: Copa da Liga Francesa (2003), Copa da Liga Inglesa (2006, 2009 e 2010), Premier League (2007, 2008, 2009, 2011 e 2013), Community Shield (2007, 2008, 2010, 2011 e 2013), Champions League (2008), Mundial de Clubes da Fifa (2008), Serie A (2015, 2016 e 2017), Coppa Italia (2015 e 2016) e Supercopa Italiana (2015)
Seleção francesa: 81 jogos