Dois dos maiores clubes do mundo, Real Madrid e Milan nutrem boa amizade há anos. Em virtude disso, as suas diretorias realizam, frequentemente, negociações de jogadores entre as equipes – algumas frutíferas, outras nem tanto. Em agosto de 2009, o Diavolo apostaria no holandês Klaas-Jan Huntelaar, descartado do projeto galáctico merengue, para tentar revigorar o ataque milanista. Com a camisa rossonera, no entanto, o centroavante conseguiu um rendimento pior do que o obtido na Espanha. No Brasil, chegou a ganhar o apelido de “Ruimtelaar”. Ele só deslanchou após deixar a Itália e rumar ao Schalke 04, onde se consagraria como ídolo.
Huntelaar nasceu em Drempt, uma vila na província de Gelderland. Passou a infância morando com seus pais e seus dois irmãos, Niek e Jelle. Quando tinha cinco anos, o jovenzinho seguiu os passos dos mais velhos e começou a jogar pelo VV Hummelo en Keppel, um time amador da região. Prodígio, chamou a atenção de olheiros do De Graafschap, que o pescaram em abril de 1994, quando Klaas tinha 10. Na equipe juvenil de Doetinchem, passou duas temporadas sendo utilizado em várias posições: meia ofensivo pela esquerda, meia-atacante, lateral-esquerdo e até mesmo goleiro. A conversão do garoto em atacante ocorreu apenas depois de seu terceiro ano defendendo os azuis.
De 1997 a 2000, Huntelaar desandou a marcar pelos juniores da equipe situada ao leste da Holanda. A transferência para um clube maior era inevitável, então, em junho de 2000, o PSV entrou em acordo com o De Graafschap e o levou para Eindhoven. Com 16 para 17 anos, ele foi o principal destaque do time juvenil e se tornou o artilheiro da liga da categoria, com 26 tentos em 23 jogos. O faro de gol o portou não só ao grupo principal da agremiação, mas também à seleção holandesa sub-20 comandada por Louis van Gaal — anotou duas vezes em quatro aparições na Copa do Mundo Sub-20, em 2001.
O atacante realizou sua estreia como profissional em novembro de 2002, mas, sem espaço na equipe de Guus Hiddink, foi emprestado ao De Graafschap, seu antigo clube, no início do ano seguinte até junho. Também não convenceu, a ponto de encerrar a temporada 2002-03 sem balançar as redes e rebaixado à segunda divisão holandesa. O cenário mudaria de figura, no entanto, a partir da época seguinte.
O PSV o emprestou novamente, mas dessa vez ao AGOVV, onde ativaria seu modo matador: 26 gols em 35 jogos na segunda divisão holandesa, marca que lhe garantiu a artilharia do torneio. Em seguida, se recusou a renovar com a agremiação de Eindhoven, assinando com Heerenveen. Anotou 39 tentos em 61 partidas durante duas temporadas pela equipe do norte da Holanda e ganhou o apelido de The Hunter (O Caçador).
Em evidência no cenário nacional, Huntelaar realizou um sonho de infância, em janeiro de 2006. O Ajax, time para o qual ele torcia quando criança, pagou cerca de 9 milhões de euros para levá-lo a Amsterdã. Terminou a temporada 2005-06 em alto nível e chegou a ser incluído na pré-lista de convocados para a Copa do Mundo daquele ano, mas ficou de fora da chamada final. Dessa maneira, pôde ajudar a seleção holandesa sub-21 a ganhar o Mundial da categoria.
O camisa 9 encerrou a competição como artilheiro, após marcar quatro gols — incluindo dois na final, contra a Ucrânia — em seis jogos, e foi escolhido pela Uefa para compor a seleção ideal do torneio. O sucesso obtido com o selecionado sub-21 enfim possibilitou ao centroavante debutar pela equipe principal da Holanda, sendo o grande nome do amistoso contra a Irlanda, em agosto de 2006. Guardou dois tentos (um de cabeça e outro encobrindo o goleiro) e deu o passe para os tentos de Arjen Robben e Robin van Persie. Era sua primeira partida pela Laranja Mecânica, que goleou por 4 a 0, em amistoso disputado em Dublin.
O destaque que Huntelaar estava alcançando, tanto a nível de clube como pelas seleções (sub-21 e principal), condizia com os prêmios que ele recebera em meados da década de 2000. O Caçador conquistou honrarias por ser artilheiro e melhor jogador da segunda divisão holandesa (2004); artilheiro do Campeonato Holandês (2006 e 2008); maior talento do ano do Campeonato Holandês (2006); e artilheiro e craque do Europeu Sub-21 (2006). Os títulos de Copa da Holanda (2006 e 2007), Supercopa da Holanda (2006 e 2007) e Europeu Sub-21 (2006) também ajudaram a disseminar o nome do centroavante no futebol europeu.
Não demoraria muito até que Huntelaar se mudasse para um time de primeira prateleira na Europa. Depois de três anos no Ajax, onde marcaria 105 gols em 136 jogos, o atacante firmou contrato com o poderoso Real Madrid. As cifras da negociação, no total, giraram em torno de 27 milhões de euros. Quando aportou na equipe merengue, o holandês não estava em sua melhor condição física, visto que havia rompido o ligamento anterior do tornozelo esquerdo, em novembro de 2008.
Com o número 19 às costas, Huntelaar revezou com Gonzalo Higuaín por uma vaga no ataque ao lado de Raúl, capitão e lenda do Real Madrid. Ruud van Nistelrooy também estava no elenco, mas já fora da temporada após operar o joelho direito, em novembro do ano anterior. De qualquer forma, Klaas não convenceu em seus primeiros cinco meses no Santiago Bernabéu, um período complicado para o clube, que viu o rival Barcelona conquistar a Tríplice Coroa com direito a uma goleada marcante, por 6 a 2, no Bernabéu — a famosa partida na qual Pep Guardiola colocou Lionel Messi para jogar pela primeira vez como falso 9.
Decidido a construir sua segunda era galáctica no Real Madrid, o presidente Florentino Pérez optou por despachar Huntelaar, que marcara apenas oito gols em 20 jogos pela equipe madrilenha. Assim, no verão europeu de 2009, o atacante foi vendido ao Milan, um mês depois de Kaká fazer o caminho inverso. O bomber assinou contrato de quatro anos e custou cerca de 15 milhões de euros aos cofres da agremiação italiana.
A expectativa para dar a volta por cima no Diavolo era grande. “Antes de aceitar a proposta do Milan, eu conversei por muito tempo com os dirigentes e com Leonardo [então treinador do time]”, revelou o centroavante, dias depois de ser anunciado. “Não existem garantias sobre o número de partidas que eu irei jogar, mas posso dizer que jogarei muito. Isso é importante para mim, porque quero ir à Copa do Mundo. Muitos clubes estavam interessados, mas tenho certeza de que tomei a melhor decisão. Na Itália vai ficar tudo bem. Eu escolhi cuidadosamente a minha nova equipe e o Milan será perfeito”, assegurou.
Huntelaar, contudo, errou em sua escolha. Não impressionou Leonardo e foi preterido várias vezes pelo oscilante Marco Borriello e pelo veterano Filippo Inzaghi, vivendo de lampejos até o fim da temporada. Seu melhor momento pelo Diavolo ocorreu no dia 29 de novembro de 2009: ele saiu do banco faltando seis minutos para acabar o jogo contra o Catania, fora de casa, e marcou dois gols, garantindo a vitória dos rossoneri por 2 a 0. O segundo tento foi uma pintura: com um toque consciente da entrada da área, encobriu o goleiro Mariano Andújar. O camisa 11 também anotou uma doppietta no triunfo por 3 a 2 diante da Udinese, em San Siro.
Em janeiro de 2010, durante o mercado de transferências de inverno, Huntelaar chegou a dizer publicamente que estava pensando em deixar o Milan, argumentando que precisava jogar mais visando a Copa do Mundo de 2010. No entanto, permaneceu no clube até o fim da temporada, com números bem discretos — 30 jogos e sete gols —, e ganhou o apelido de The Ghost, um trocadilho com The Hunter (O Caçador), seu apelido. Também nessa época, passou a ser chamado de “Ruimtelaar” por alguns brasileiros fãs de futebol internacional. Dias depois de afirmar que queria ficar no Milan, Klaas foi negociado. A cúpula rossonera contratou Zlatan Ibrahimovic junto ao Barcelona e vendeu o holandês ao Schalke 04.
Antes de disputar a Bundesliga, o centroavante jogou o Mundial realizado em solo africano. Se na Eurocopa de 2008 Huntelaar havia sido reserva de Van Nistelrooy, na Copa de 2010 ele foi o suplente direto de Van Persie. Isso porque o então técnico da Laranja Mecânica, Bert van Marwijk, decidiu não levar Van Nistelrooy à África do Sul. Mas, mesmo sem o lendário centroavante, a Oranje fez uma grande Copa e terminou como vice-campeã. Klaas-Jan entrou em campo quatro vezes, sempre saindo do banco, e marcou um gol, contra Camarões.
No Schalke 04, Huntelaar alcançaria sua esperada consagração. Logo em sua primeira temporada, ajudaria os azuis reais a chegarem às semifinais da Liga dos Campeões. O time de Gelsenkirchen também venceu a Copa da Alemanha, com direito a uma doppietta do neerlandês na goleada por 5 a 0 ante o Duisburg, na decisão do troféu. No início da época seguinte, sentiu o gostinho de ser campeão da Supercopa da Alemanha, batendo o arquirrival Borussia Dortmund. O centroavante superou Mario Gómez, do Bayern de Munique, e terminou como artilheiro da Bundesliga 2011-12, com 29 gols. Aliás, somando todas as competições, o camisa 25 finalizou o ano com absurdos 48 tentos em 48 jogos.
A excelente fase de Huntelaar, contudo, não se refletia na seleção holandesa, que acabou eliminada na fase de grupo da Eurocopa de 2012 — reserva, o atacante passou em branco nos três duelos. Já sob as ordens do disciplinado Louis van Gaal, a Laranja Mecânica conseguiu chegar ao terceiro lugar da Copa de 2014. O treinador montou uma equipe forjada para o contra-ataque, e Klaas, um definidor de jogadas, entrava mais nos últimos minutos. Com 14 minutos em campo, porém, ele foi o destaque da vitória por 2 a 1, de virada, contra o México. Ele forneceu a assistência para o gol de Wesley Sneijder e, de pênalti, colocou a Oranje nas quartas de final.
Huntelaar entrou em campo pela última vez com a seleção da Holanda em 2015, depois de 76 jogos e 42 gols com o Oranje. Ele é o segundo maior artilheiro da Laranja Mecânica, atrás apenas de Van Persie (50 tentos), mas ambos devem ser ultrapassados em breve por Memphis Depay — até o fechamento deste texto, o atacante do Barcelona se encontra com um a menos do que Klaas-Jan na lista.
Já em fase final de carreira e sem conseguir render o mesmo que antes, Huntelaar deixou o Schalke 04, ao fim da temporada 2016-17. Aos 34 anos, acertaria o retorno ao Ajax, onde ganharia mais três títulos e vivenciaria um momento mágico: o time de Amsterdã bateu na trave para alcançar a final da Liga dos Campeões de 2018-19, tomando uma remontada do Tottenham, em casa, nos últimos minutos.
Um mês depois de anunciar que penduraria as chuteiras ao fim da temporada 2020-21, Huntelaar optou por regressar a Gelsenkirchen, em janeiro de 2021, para tentar evitar o rebaixamento dos azuis reais. O artilheiro, no entanto, sofreu com lesões, disputou nove jogos e foi às redes somente duas vezes — em sua despedida, marcou e serviu de garçom na vitória por 4 a 3 sobre o Eintracht Frankfurt, em casa. Com isso, ele pouco conseguiu ajudar o Schalke 04, que amargou o descenso à segunda divisão.
O vínculo de Huntelaar com o Schalke 04 terminou após o rebaixamento e, assim, o holandês decidiu pendurar as chuteiras, aos 38 anos. Mas ele não passaria muito tempo distante do futebol. É que, em março de 2022, o ex-atacante foi anunciado para compor a equipe técnica do Ajax. Segundo o ex-goleiro e diretor executivo Edwin van der Sar, Klaas-Jan foi contratado para trabalhar junto ao time de scouting internacional do clube, visando pescar novos talentos para o time principal e as divisões de base. O Caçador usou seu instinto e seu faro até 2023, quando optou por se afastar devido ao estresse acumulado pela função.
Dirk Jan Klaas “Klaas-Jan” Huntelaar
Nascimento: 12 de agosto de 1983, em Drempt, Holanda
Posição: atacante
Clubes: PSV (2002-03), De Graafschap (2003), AGOVV (2003-04), Heerenveen (2004-06), Ajax (2006-09 e 2017-21), Real Madrid (2009), Milan (2009-10) e Schalke 04 (2010-17 e 2021)
Títulos: Europeu Sub-21 (2006), Copa da Holanda (2006, 2007 e 2019), Supercopa da Holanda (2006, 2007 e 2019), Copa da Alemanha (2011), Supercopa da Alemanha (2011) e Eredivisie (2019 e 2021)
Seleção holandesa: 76 jogos e 42 gols