A pressão continuava. Apesar de ter criado boas chances, a Itália amargou um empate no primeiro jogo da Copa do Mundo de 1982, contra a Polônia, e precisava de uma resposta firme diante do Peru, na segunda partida da fase de grupos da competição. O resultado da estreia jogava sombras sobre uma Squadra Azzurra que já vinha assombrada pelo escândalo Totonero e pela expectativa de a sua ótima geração superar o quarto lugar conquistado no Mundial anterior, em 1978. Enzo Bearzot teria que pensar muito – e fumar muito cachimbo – para enviar a campo, ante os peruanos, um time que pudesse fornecer uma nova perspectiva para os italianos.
A escalação da Itália foi a mesma do primeiro jogo, mas com algumas mudanças táticas. Bruno Conti teve uma função mais ofensiva, encostando nos atacantes, e Antonio Cabrini recuou para uma linha de quatro defensores. Bearzot buscou reforçar os flancos da defesa para que os pontas peruanos não criassem tanto. Afinal, o 4-3-3 andino ganhou o reforço do ponta-direita Gerónimo Barbadillo, que começara no banco no duelo anterior, contra Camarões. Mas não adiantou tanto.
O Peru fazia apenas sua quarta aparição em Copas do Mundo e ainda era malvisto, principalmente no Brasil, devido a um polêmico jogo contra a Argentina, na Copa de 1978. Os peruanos perderam por 6 a 0 e, por isso, foram levantadas suspeitas de ameaças e de suborno para favorecer os donos da casa. Pressionada pela junta militar que governava o país sob um regime ditatorial, a seleção argentina precisava de saldo de gols elástico para eliminar os brasileiros, que tinham a mesma pontuação na chave, e, assim, avançar para a final.
Apesar desse histórico, a seleção peruana criou boas expectativas em seu país, devido a alguns nomes de destaque, como o habilidoso meia Teófilo Cubillas, o já citado ponta Barbadillo e o meia-atacante Julio César Uribe. Esse trio passou a atuar melhor desde que o brasileiro Elba de Pádua Lima, mais conhecido como Tim, assumiu o comando da equipe andina no começo de 1981.
O técnico, que treinava o São José, do interior de São Paulo, mudou radicalmente o estilo de jogo do Peru. Tim era um profissional mais “boleiro”, que gostava de ser franco com seus jogadores e não lhes cobrava tanto na parte disciplinar. Taticamente, usava uma mesa para explicar as estratégias e adotou um consistente 4-3-3, com posições bem definidas e valorização do toque de bola.
O time peruano jogava um futebol mais leve e animou quando venceu a maioria dos amistosos realizados antes do Mundial. Analistas pintaram o Peru como um dos favoritos a avançar no grupo, mas a equipe de Tim tropeçou em sua estreia contra Camarões: os sul-americanos empataram sem gols com os africanos e também teriam de provar sua qualidade no segundo jogo.
Diante de um público de cerca de 25 mil torcedores, Itália e Peru se enfrentaram pela primeira vez na história no Estádio Municipal de Balaídos, em Vigo. Os europeus começaram muito bem a partida, com o tradicional estilo de jogo rápido que pressionava o adversário sem deixar muitos espaços. Assim, a Nazionale abriu o placar logo aos 18 minutos, após uma jogada trabalhada pelo lado esquerdo. Cabrini avançou e passou para Giancarlo Antognoni, que centralizou para Conti. O romanista limpou o marcador com um bonito drible e mandou um chutaço no ângulo esquerdo de Ramón Quiroga.
O golaço animou os italianos e lhes manteve melhor no jogo em boa parte da primeira etapa.
Ainda na etapa inicial ocorreu um lance inusitado: o volante peruano José Velásquez – apelidado como El Patrón – se chocou com o árbitro Walter Eschweiler. Com o impacto, o alemão-ocidental rolou pelo gramado e os cartões caíram de seu bolso, voando pelo campo. A pancada foi tão forte que o apitador perdeu um dente e teve de ser atendido pelos médicos das duas seleções.
As botinadas não ficaram restritas ao árbitro. O lateral peruano Jaime Duarte teve que sair do jogo quando abriu o supercílio ao subir para disputar uma bola com Francesco Graziani. Tim, surpreendentemente, não queimou a substituição e manteve o time com 10 jogadores até o final do primeiro tempo. O Peru pressionou, mesmo desfalcado, e acabou vendo a Itália perder a chance de ampliar o marcador, com Gaetano Scirea.
Na segunda etapa, as coisas mudaram de figura. No intervalo, Bearzot sacou o atacante Paolo Rossi e colocou o experiente meio-campista Franco Causio. A ideia era compactar mais o time e manter a posse de bola com passes mais qualificados, apostando nos contragolpes. Mas aconteceu o contrário: a seleção italiana acabou recuando demais, o que alimentou o jogo peruano.
Os últimos 45 minutos de jogo foram os melhores do Peru naquele Mundial. Jogando mais no campo de ataque, os sul-americanos levavam cada vez mais perigo à meta do experiente Dino Zoff. Tim mexeu no time e mandou ao gramado os atacantes Germán Leguía e Guillermo La Rosa, que entraram nos lugares de Uribe e Barbadillo. Assim, os blanquirrojos tinham fôlego renovado para pressionarem os azzurri.
Aos 65, houve mais um lance polêmico envolvendo Scirea. O líbero calçou Juan Carlos Oblitas dentro da área, mas o árbitro não marcou o pênalti. No minuto seguinte, Rubén Toribio Díaz forçou Zoff a trabalhar após cobrança de falta bem batida. Pouco depois, o Peru teve a chance de empatar com La Rosa, após confusão na grande área, mas o atacante chutou torto, para fora, quando Zoff já estava no chão.
A Itália estava muito recuada e a pressão dos incas era forte. Até que, aos 83 minutos, o Peru teve uma falta perto do bico da grande área, no lado direito do ataque. Em uma jogada ensaiada, Cubillas rolou para Toribio Díaz finalizar: o chute ainda desviou em Fulvio Collovati e pegou Zoff no contrapé. O goleirão nada pode fazer para evitar o empate da seleção peruana, que atuava melhor e, de fato, mereceu o gol. O próprio técnico italiano reconheceu que, se tivesse que escolher um time vencedor na partida, haveria de ser o sul-americano, pelo bom segundo tempo realizado.
O confronto acabou empatado em 1 a 1 e, mais uma vez, as expectativas que pairavam sobre a Itália ruíram por conta de atuação muito ruim na segunda etapa. Bearzot e seus comandados tiveram muito trabalho para passar por cima das críticas e se aprontar para o terceiro e último jogo da fase de grupos contra Camarões. Ali, jogariam a sua permanência na competição. Uma história que fica para outro dia.
Itália 1-1 Peru
Itália: Zoff; Gentile, Collovati, Scirea, Cabrini; Conti, Marini, Tardelli, Antognoni; Graziani, Rossi (Causio). Técnico: Enzo Bearzot.
Peru: Quiroga; Duarte, Toribio Díaz, Salguero, Olaechea; Cueto, Velásquez; Barbadillo (La Rosa), Cubillas, Oblitas; Uribe (Leguía). Técnico: Tim.
Gols: Conti (18′); Toribio Díaz (83′)
Árbitro: Walter Eschweiler (Alemanha Ocidental)
Local e data: estádio Balaídos, Vigo (Espanha), em 18 de junho de 1982