Compensar limitações técnicas com garra, muita dedicação e inteligência tática costuma ser receita de sucesso para jogadores pouco badalados do futebol italiano. O defensor Massimo Carrera foi um dos muitos que, dessa maneira, conseguiram galgar degraus em sua trajetória e chegarem ao topo: capaz de desempenhar diversas funções na retaguarda, ele se destacou por Bari e Atalanta, além de ter vencido tudo o que disputou pela Juventus.
Massimo nasceu em Pozzuolo Martesana, na região da Lombardia, em abril de 1964. Apesar de ter crescido nos arredores de Milão, desde menino nutria uma paixão pela Juventus e, por causa desse sentimento, decidiu ser jogador de futebol. Ainda garoto, foi admitido nas categorias de base da Pro Sesto, onde se formou como atleta.
Pela equipe de Sesto San Giovanni, cidade da região metropolitana de Milão, Carrera se profissionalizou na temporada 1982-83. Mesmo com 19 anos, disputou as 30 partidas do campeonato da quinta divisão e marcou quatro gols pelos biancocelesti, que quase conseguiram o acesso à categoria superior. Massimo trocou de clube no verão e, na campanha seguinte, atuou pelo Russi, que também militava no Interregionale. Com 28 aparições e cinco tentos anotados, apenas contribuiu para deixar os falchetti no meio da tabela.
Embora os romanholos não tenham garantido a promoção, Carrera subiu de categoria ao se transferir para o Alessandria, que estava na Serie C2. O defensor atuou em 31 dos 34 jogos da quarta divisão e ajudou os grigi a terminarem o certame empatados na vice-liderança com o Prato – apesar disso, o acesso não foi obtido, já que o adversário da Toscana venceu na partida extra, que definia a segunda vaga na terceirona. Jovem, versátil, aguerrido e com forma física invejável (dificilmente ficava indisponível para uma peleja), Massimo tinha o perfil ideal para representar times de maior ambição. Assim, chamou a atenção do Pescara, da Serie B.
Pelo time dos Abruzos, o jogador viveu momentos difíceis, mas que considerou fundamentais para o seu crescimento, tanto no aspecto pessoal quanto no profissional. Sob o comando do técnico Enrico Catuzzi, Massimo foi apresentado à defesa por zona, que ainda não era tão comum na Itália. Inicialmente, teve dificuldades com o novo conceito e passou muito tempo no banco de reservas, até se adaptar. Naquele momento, questionou a própria qualidade e superou o período de vulnerabilidade psicológica por conta do constante suporte do treinador.
No fim das contas, Carrera finalmente se adaptou e somou 23 partidas e um gol pelo Pescara – bem menos do que estava acostumado. O time terminou a Serie B na 17ª posição e só não foi rebaixado porque o Palermo tomou o seu lugar, por dificuldades financeiras. Em 1986-87, Catuzzi foi contratado pelo Bari e, mostrando como a evolução de Massimo lhe agradou, levou o zagueiro consigo para a Apúlia.
O Bari do presidente Vincenzo Matarrese havia caído para a Serie B e, tendo o meia Gordon Cowans e os atacantes Paul Rideout e Edi Bivi como destaques, tentava retornar à elite. Catuzzi não conseguiu o feito no biênio em que comandou os biancorossi: os deixou na parte alta da tabela, mas alguns pontos aquém do necessário. Por outro lado, fez Carrera evoluir e se tornar um pilar dos galletti naquelas temporadas e nas sucessivas.
Consolidado no Bari, Massimo foi um dos jogadores que mais vezes entrou em campo pelo clube em 1988-89, ao lado do goleiro Alessandro Mannini – fez 37 partidas pela Serie B. Sob a batuta de Gaetano Salvemini, Carrera foi destaque defensivo de um elenco que ainda contava com os meias Angelo Carbone, Antonio Di Gennaro e Pietro Maiellaro, além do atacante Paolo Monelli. Titular absoluto no centro da zaga, o lombardo foi peça fundamental para que os biancorossi faturassem a promoção, devido ao título compartilhado com o Genoa.
Na temporada seguinte, reforçado pelos brasileiros Gérson Caçapa e João Paulo, o Bari fez uma boa campanha na Serie A e garantiu a permanência na elite. Além disso, venceu a Copa Mitropa, disputada pelos campeões da segunda divisão da Itália e por times convidados de Checoslováquia, Hungria e Iugoslávia. Carrera, cada vez mais destacado, se desdobrava como zagueiro ou lateral em ambos os lados da defesa.
A consagração do defensor com a camisa do Bari aconteceu em 1990-91. Em mais uma campanha de salvação dos galletti, Carrera teve atuações destacadas em vitórias sobre Juventus e Milan, no San Nicola. O desempenho contra os grandes, somado à regularidade mostrada anteriormente, chamou a atenção da Velha Senhora, que o levou a Turim no verão de 1991. Após 180 partidas e cinco gols pelos biancorossi, Massimo teria, aos 27 anos, a oportunidade de exibir seus dotes numa equipe gigante do futebol europeu. E justo pela qual torcia.
Comandado pelo lendário treinador Giovanni Trapattoni, Carrera se tornou o lateral-direito titular da Juventus, exercendo função mais defensiva e deixando Luigi De Agostini livre para avançar no lado oposto. Dessa forma, o lombardo disputou 31 das 34 partidas da Serie A e os 10 jogos da Coppa Italia, ajudando a equipe a ser vice-campeã em ambas as competições. O bom nível mostrado ao longo de 1991-92 lhe renderia a única convocação para a seleção italiana: Massimo foi chamado por Arrigo Sacchi para um amistoso contra San Marino e entrou em campo após o intervalo da peleja, vencida por 4 a 0.
Na temporada seguinte, com três frentes para encarar, a Juventus priorizou as competições de mata-mata. A equipe ficaria com o quarto lugar da Serie A e compensaria nos torneios eliminatórios, já que foi semifinalista da Coppa Italia e faturou a Copa Uefa. Absoluto, Carrera atuou em 11 dos 12 duelos da campanha bianconera na Europa, ficando de fora apenas da ida das semifinais, contra o Paris Saint-Germain, por suspensão. Nos dois jogos da decisão, ante o Borussia Dortmund, Massimo foi escalado como zagueiro e ofereceu pouquíssimas chances aos atacantes aurinegros: o resultado foi um agregado de 6 a 1 a favor dos piemonteses.
Apesar de oferecer muita segurança e versatilidade à defesa da Juve, Carrera começou a perder espaço em 1993-94, devido à contratação de Sergio Porrini e à afirmação de Moreno Torricelli. Depois de mais um vice-campeonato italiano com Trapattoni, a Juventus apostou em Marcello Lippi para o comando e, com o novo técnico, Massimo voltou a ganhar minutos: Luca Fusi não fez um bom início de temporada como líbero, o que possibilitou que o lombardo lhe tomasse o posto. Assim, o jogador de 30 anos pode desempenhar a função em que mais se sentia confortável em campo e contribuiu para que a Velha Senhora faturasse a dobradinha nacional e o vice da Copa Uefa em 1995.
Em 1995-96, Carrera disputou a sua última temporada pela Juventus. Revezando na função de líbero com o também veterano Pietro Vierchowod, o defensor ainda conquistou a Supercopa Italiana e a Champions League – no torneio continental, atuou em sete dos 11 duelos dos bianconeri, sendo quatro como titular. Depois de somar 165 partidas e levantar a sua taça mais importante pelo clube de Turim, Massimo se despediu: ao 32 anos, se transferiu para a Atalanta. Mas engana-se quem acha que o zagueiro se aproximava do fim de sua trajetória profissional.
Pela Atalanta, o lombardo foi alçado à condição de ídolo da torcida, por conta de sua enorme dedicação, e se tornou tanto um dos líderes do elenco quanto uma bandeira nerazzurra. Mesmo com idade avançada, Massimo foi titular absoluto e capitão em seis das sete temporadas em que defendeu os orobici. Dessa forma, Carrera representou a Dea em 242 partidas – mais do que qualquer outra equipe.
Nas duas primeiras temporadas, sob o comando de Emiliano Mondonico, Massimo disputou a Serie A. Em 1996-97, se destacou como um dos principais nomes da campeonato tranquilo da Atalanta e, no ano seguinte, foi um dos atletas que se salvaram na campanha que levou os nerazzurri à segundona. Carrera permaneceu para jogar a categoria inferior e, após amargar a frustração de ver o retorno à elite escapulir por entre os dedos, na última rodada do certame de 1998-99, comemorou o acesso na época posterior.
O zagueirão viveu uma temporada de sonho em 2000-01. Tendo a companhia de Sebastiano Siviglia e Massimo Paganin na retaguarda montada pelo técnico Giovanni Vavassori, o capitão liderou a Atalanta, que teve a quarta defesa menos vazada da Serie A e ainda surpreendeu ao abocanhar o sétimo lugar no campeonato. Carrera repetiu as boas atuações em 2001-02, sua última campanha como titular da Dea, e ajudou a equipe a ficar com a nona posição.
Ao 39 anos, já como reserva, Massimo se despediu da Atalanta – e não da melhor forma possível. Os nerazzurri caíram de rendimento em relação aos campeonatos anteriores e terminaram rebaixados, após perderem em casa para a Reggina no spareggio, o jogo extra entre equipes que concluíam a Serie A empatados em pontos. O zagueiro ainda tinha fome de bola e, naquele verão, se transferiu ao Napoli, que também estava na segundona. Por lá, foi titular, mas não conseguiu contribuir para que o time esquecesse dos muitos problemas financeiros e lutasse pelo acesso: os partenopei ficaram somente em 13º e, em seguida, anunciaram a falência.
Livre no mercado, o quarentão continuou na Serie B ao acertar com o Treviso. Pouco utilizado, o veterano deu uma pequena contribuição para o inédito acesso do time do Vêneto à elite, mas não vestiu a camisa biancoceleste na primeira divisão. Pelo contrário: acertou com a tradicional Pro Vercelli, da quarta categoria. Carrera permaneceu no clube piemontês por três temporadas e em todas elas viu a equipe morrer na praia pelo acesso à terceirona. Em 2008, aos 44 anos, Massimo finalmente pendurou as chuteiras.
Com o perdão do trocadilho, Carrera iniciou uma nova carreira pouco depois de deixar de ser jogador. Já diplomado como treinador, o ex-atleta deu prosseguimento à sua forte ligação com a Juventus ao ser contratado como coordenador técnico das categorias de base dos bianconeri, em 2009. Dois anos depois, com a chegada do amigo Antonio Conte ao comando da Velha Senhora, foi promovido a gerente da equipe principal.
Em 2012, devido à suspensão do treinador e de Angelo Alessio, seu auxiliar, por terem omitido da justiça o que sabiam sobre uma tentativa de manipulação de resultados por parte de jogadores do Siena, Carrera teve o prazer de ser técnico interino da Juventus por 10 partidas. Invicto, com sete vitórias e três empates, ainda estava à beira do campo na vitória bianconera na Supercopa Italiana, por 4 a 2 sobre o Napoli.
Massimo seguiu na comissão técnica da Juventus até 2014, quando acompanhou Conte em sua passagem pela seleção italiana. Terminada a Euro 2016, o lombardo recebeu uma proposta para ser assistente de Dmitri Alenichev, ex-jogador de Roma e Perugia, que ocupava o posto de treinador do Spartak Moscou. Carrera aceitou, mas viu a experiência durar pouco: o seu superior foi demitido depois de um mês de trabalho e o cargo acabou caindo em seu colo.
Superando todas as expectativas, após um início de temporada ruim, o novo comandante liderou os alvirrubros em uma bela campanha, que terminou com o título da Premier League – o 22º do time, que deixou para trás um jejum de 16 anos. Carrera foi premiado como melhor treinador da competição e ainda foi agraciado com um Panchina d’Oro especial, troféu dado a italianos que foram campeões nacionais no exterior.
Massimo começou 2017-18 levantando a Supercopa da Rússia, mas não levou o Spartak a novas conquistas. No início da terceira temporada de trabalho, por uma sequência de resultados ruins, terminou demitido. O italiano voltou à labuta em dezembro de 2019, ao assumir o AEK, da Grécia, e, sem impressionar, foi exonerado exatamente um ano e três dias após ser contratado.
Em 2021, num raro movimento feito por técnicos vitoriosos, Carrera aceitou treinar um time da Serie C: o Bari, ao qual tanto havia se afeiçoado. A paixão não foi suficiente para segurá-lo no cargo e, somente 12 jogos depois, com o acesso à segundona comprometido, foi despedido por Aurelio De Laurentiis. Depois de quase três anos parado, substituiu Fabrizio Castori num Ascoli ameaçado ao rebaixamento para a terceira categoria.
Massimo Carrera
Nascimento: 22 de abril de 1964, em Pozzuolo Martesana, Itália
Posição: zagueiro e lateral-direito
Clubes como jogador: Pro Sesto (1982-83), Russi (1983-84), Alessandria (1984-85), Pescara (1985-86), Bari (1986-91), Juventus (1991-96), Atalanta (1996-2003), Napoli (2003-04), Treviso (2004-05) e Pro Vercelli (2005-08)
Títulos como jogador: Serie B (1989), Copa Mitropa (1990), Copa Uefa (1993), Serie A (1995), Coppa Italia (1995), Supercopa Italiana (1995) e Liga dos Campeões (1996)
Clubes como treinador: Juventus (interino; 2012), Spartak Moscou (2016-18), AEK Atenas (2018-20), Bari (2021) e Ascoli (2024)
Títulos como treinador: Supercopa Italiana (2012), Premier League Russa (2017) e Supercopa da Rússia (2017)
Seleção italiana: 1 jogo