Nos anos 1980 e 1990, o futebol italiano tomou para si as atenções do planeta. Os fortes investimentos feitos por magnatas locais em clubes do país fizeram com que a Serie A formasse e recebesse parte considerável dos craques do planeta. Neste período, times da Itália se tornaram ainda mais competitivos e também obtiveram expressivos resultados internacionais. Até mesmo aqueles acostumados a rondar as divisões inferiores, como o Parma: a equipe gialloblù alcançou cinco finais europeias e conquistou quatro troféus. A sua única derrota foi para o Arsenal, na Recopa Uefa de 1994.
Até o fim da década de 1980, o Parma jamais havia disputado a primeira divisão italiana. A história dos crociati começou a mudar em 1987, quando Calisto Tanzi, proprietário da Parmalat, passou a patrocinar o clube, que viria a adquirir em 1990, em concomitância com o acesso à Serie A. Com o dinheiro da gigante dos laticínios, o time gialloblù pode montar o projeto que lhe elevou de patamar. Entre os integrantes do elenco que disputou a Recopa 1993-94, somente três jogadores defendiam a equipe antes da chegada da multinacional – os goleiros Luca Bucci e Marco Ferrari, e o atacante Alessandro Melli.
O 3-5-2 em linha baixa do técnico Nevio Scala, polvilhado de bons reforços, fez sucesso nos grandes palcos. O Parma foi sexto colocado da Serie A e se classificou para a Copa Uefa, em 1991, e faturou a Coppa Italia no ano seguinte. O título do torneio nacional carimbou o passaporte dos ducali para a Recopa Europeia, que reunia os vencedores das taças de seus países. Uma competição que também seria vencida pelo time emiliano, na final com o Royal Antwerp.
Na temporada 1993-94, o Parma fez três ótimas contratações: buscou, no Napoli, o meia Massimo Crippa e o atacante Gianfranco Zola; na Udinese, pescou o versátil defensor argentino Roberto Néstor Sensini. Eram nomes que fortaleciam ainda mais um elenco que tinha os já citados Bucci e Melli, além de Lorenzo Minotti, Luigi Apolloni, Georges Grün, Antonio Benarrivo, Alberto Di Chiara, Tomas Brolin e Faustino Asprilla.
Pela qualidade do plantel crociato, a diretoria do Parma projetava mais uma temporada de briga por canecos e bons resultados. Foi o que ocorreu: o time emiliano foi quinto colocado da Serie A, garantindo mais uma vaga na Copa Uefa; semifinalista da Coppa Italia; e, em fevereiro, faturou mais um troféu continental ao superar o Milan na disputa da Supercopa Europeia. Na defesa de seu título na Recopa, o bicampeonato ficou próximo.
A trajetória parmense na Recopa Uefa começou com uma viagem para a Suécia. No país nórdico, o time gialloblù venceu o Degerfors de virada, com dois gols de Asprilla. Com a vantagem de 2 a 1 na ida, os ducali confirmaram a passagem para as oitavas de final com mais um triunfo, dessa vez por 2 a 0. De forma surpreendente, a forte equipe italiana enfrentou muitas dificuldades na fase seguinte: superou o Maccabi Haifa, em Israel, com um tento de Brolin nos acréscimos e, na volta, perdeu em casa pelo mesmo 1 a 0. Nos pênaltis, Scala e seus comandados respiraram aliviados com a vitória por 3 a 1.
Dali em diante, o Parma enfrentou apenas potências de alguns dos mais potentes campeonatos nacionais europeus. Nas quartas de final, o time italiano deu uma demonstração de força ao eliminou um Ajax estelar, que seria campeão da Champions League no ano seguinte. Os holandeses, vale lembrar, eram treinados por Louis van Gaal e tinham atletas como Edwin van der Sar, os irmãos Frank e Ronald De Boer, Danny Blind, Frank Rijkaard, Edgar Davids, Clarence Seedorf, Marc Overmars e Jari Litmanen. O jogo de ida, em Amsterdã, terminou sem gols. Na volta, Minotti e Brolin derrubaram o gigante e garantiram os gialloblù nas semifinais.
O duelo seguinte foi contra o Benfica, vice-campeão europeu havia pouco tempo, em 1988 e 1990. Os encarnados contavam com o astro Rui Costa e mais outros bons jogadores, como o brasileiro Mozer, Abel Xavier, João Pinto e Stefan Schwarz. Como era de se esperar, o confronto foi um dos mais complicados da trajetória crociata. Em Lisboa, no jogo de ida, os portugueses venceram pelo placar de 2 a 1. Na Itália, Sensini marcou o único tento da partida, aos 77 minutos, e, devido ao critério do gol fora de casa, o Parma avançou para mais uma decisão na temporada.
O adversário do Parma na partida realizada estádio Parken, em Copenhague, capital da Dinamarca, seria o Arsenal. Os Gunners já haviam passado pelo país escandinavo na primeira fase da Recopa, quando enfrentaram o Odense – eliminado com placar agregado de 3 a 2. Os ingleses também superaram o Standard Liège, da Bélgica, com um sonoro 10 a 0, e bateram o Torino graças a um magríssimo 1 a 0, com gol salvador do zagueirão Tony Adams. Nas semifinais, os londrinos superaram, por 2 a 1, o estrelado Paris Saint-Germain, que contava com Bernard Lama, Paul Le Guen, David Ginola, George Weah e os brasileiros Ricardo Gomes, Valdo e Raí.
A equipe de Londres era comandada pelo técnico George Graham e contava com grandes destaques, dentre eles o atacante Ian Wright. O goleador não participou da final por ter recebido o segundo amarelo, mas foi importantíssimo na campanha dos Gunners até a decisão. Outro destaque que não pode jogar foi o meia dinamarquês John Jensen. Mas mesmo sem esses atletas, o Arsenal vinha fortíssimo para a peleja: além do já citado Adams, tinha em seu elenco o arqueiro David Seaman, o lateral-direito Lee Dixon, o zagueiro Martin Keown, os meias Ray Parlour e Paul Merson, e os atacantes Alan Smith e Kevin Campbell.
A expectativa para a final era enorme, pois as duas equipes se destacavam em seus países e contavam com vários jogadores de seleção. O Parma, por exemplo, teria cinco italianos convocados para a Copa do Mundo que ocorreria dali a um mês – Bucci, Benarrivo, Apolloni, Minotti e Zola. Além deles, a seleção da Argentina iria contar Sensini, a Suécia com Brolin, a Bélgica com Grün e a Colômbia com o astro Asprilla. Do lado do Arsenal, como Inglaterra e Dinamarca não se classificaram para o torneio, o único a embarcar para os Estados Unidos seria o meia irlandês Eddie McGoldrick.
Com essas credenciais, tivemos um jogo pegado do começo ao fim – e com início muito agitado. Como buscava o bicampeonato, o Parma começou pressionando e levando muito perigo para a meta do Arsenal. A primeira chance ocorreu num cruzamento de Zola para Brolin, que cabeceou por cima. Os Gunners responderam com a bola aérea para Campbell, mas o fato é que a combinação entre o italiano e o sueco voltaria a roubar a cena. Aos 13 minutos, Asprilla puxou grande contragolpe e acionou Zola, que alargou para Brolin. O chute do talentoso escandinavo foi bem calibrado e tocou na parte interna da trave antes de sair pela linha de fundo.
Contudo, apesar de toda a pressão do time italiano, quem abriu o placar foram os ingleses. Ainda na primeira etapa, aos 20 minutos, Minotti tentou cortar um lançamento com uma jogada acrobática, mas fez bobagem: centralizou a bola, que sobrou para Smith. O atacante prontamente dominou no peito e, da entrada da área, chutou de canhota, bem no cantinho, para vencer Bucci.
Para o Parma, sair atrás não era um bom negócio, já que o Arsenal de Graham sabia se defender. Além de ter sofrido apenas três gols nos oito jogos da campanha na Recopa, o time londrino teve, de longe, a melhor defesa da Premier League – foi vazado 28 vezes em 42 rodadas. Dessa forma, os Gunners se fecharam para preservar a vantagem e deixaram a bola com os italianos. Ainda na etapa inicial, Zola fez grande jogada e fuzilou de canhota, mas Seaman efetuou uma defesaça, espalmando a pelota para escanteio. Houve, também, um pênalti de Dixon sobre Di Chiara, que não foi marcado pelo árbitro Václav Krondl.
No segundo tempo, a retranca do Arsenal foi ainda mais eficiente. No duelo tático, Scala não conseguia encontrar soluções para superar o ferrolho montado por Graham, enquanto os jogadores ingleses eram empurrados por seus torcedores, que eram maioria no Parken. Mesmo diante desse cenário, o Parma chegou a ter uma grande chance, mas novamente a arbitragem lhe prejudicou: foi marcado, de forma equivocada, um impedimento de Sensini num lance que terminou com Minotti estufando as redes.
Ao apito final, os Gunners comemoram o título no gramado enquanto sua torcida entoava, nas arquibancadas, o famoso cântico “One-nil to the Arsenal” – em tradução literal, “um a zero para o Arsenal”. O Parma amargou o vice na Recopa, mas muitas glórias ainda seriam colhidas pelos emilianos. Inclusive, em outro torneio europeu. Mas isso já é uma outra história…
Arsenal 1-0 Parma
Arsenal: Seaman; Dixon, Adams, Bould, Winterburn; Davis, Morrow; Campbell, Merson (McGoldrick), Selley; Smith. Técnico: George Graham.
Parma: Bucci; Minotti, Apolloni, Sensini; Benarrivo, Brolin, Pin (Melli), Crippa, Di Chiara; Zola; Asprilla. Técnico: Nevio Scala.
Gol: Smith (20’)
Árbitro: Václav Krondl (Chéquia)
Local e data: estádio Parken, Copenhague (Dinamarca), em 4 de maio de 1994