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Andrea Tentoni, ídolo da Cremonese, perdeu o bonde da seleção por causa da catapora

A história do futebol é repleta de jogadores que perderam grandes oportunidades pelos mais diversos motivos. As razões que atrapalharam os planos do centroavante Andrea Tentoni, porém, certamente pertencem ao grupo das mais esdrúxulas. Quando o grandalhão vivia o melhor momento de sua carreira com a camisa da Cremonese, uma infecção pelo vírus da catapora lhe impediu de ser convocado para a seleção italiana, que disputaria a Copa do Mundo de 1994.

Nascido em Rimini, na Emília-Romanha, no ano de 1969, Andrea se formou no clube homônimo da cidade. Alto e forte fisicamente, se destacava pelo jogo aéreo, mas também utilizava seus músculos para arrastar os adversários quando partia em velocidade nos contra-ataques – tal qual Adriano costumava fazer. Essas características fariam com que Luigi Simoni, seu técnico na Cremonese, lhe definisse como a arma mais mortal em contragolpes de toda a Itália.

Tentoni jogou poucas vezes pelo Rimini, na Serie C1, e após o rebaixamento dos biancorossi para a quarta divisão, acabou rumando ao Ancona, da segundona. No entanto, jamais representou o clube marquesão em compromissos oficiais e foi emprestado ao Latina, da C2. Além de ter vivido todos os percalços possíveis para atletas militantes nas categorias inferiores, o centroavante de 1,90m marcou nove gols em 34 partidas na campanha de meio de tabela dos nerazzurri e acabou chamando a atenção de outros times da Itália.

O romanholo tinha propostas da Lodigiani, equipe de Roma em que jogava um jovem Luca Toni, e da Vis Pesaro, uma das mais antigas agremiações italianas. Porém, falou mais alto o desejo de voltar para perto de casa e Tentoni fechou com os vissini, também da Serie C2.

Tentoni, ao centro, deixou as divisões inferiores para se tornar ídolo em Cremona (Ivano Frittoli)

Na temporada seguinte 1991-92, Andrea se tornou o homem-gol da equipe biancorossa, que ainda tinha os meias Renato Olive e Gian Piero Gasperini. Atuando em 33 partidas, Tentoni marcou 11 vezes a favor de seu time, que terminou na primeira colocação do Grupo B e voltou para a Serie C1. Foi neste ano que o centroavante encheu os olhos de Simoni, que treinava a também promovida Carrarese: o grandalhão entrou na lista de desejos do técnico durante seu trabalho seguinte.

O auge na Cremonese

No verão europeu de 1992, Gigi foi contratado pela Cremonese, que acabara de ser rebaixada para a Serie B. Uma de suas primeiras exigências no cargo foi a compra de Tentoni, que julgava perfeito para o estilo de jogo equilibrado que visava implantar, com influência do catenaccio e predileção por contra-ataques. E assim foi: o presidente Domenico Luzzara adquiriu o grandalhão, que se juntou a um elenco com nomes como Gustavo Dezotti, Matjaz Florijancic, Francesco Colonnese, Luigi Gualco, Riccardo Maspero, Corrado Verdelli e Luigi Turci.

A chegada de Tentoni não foi comemorada pela torcida da Cremo, cética pelo fato de a diretoria ter confiado num jogador oriundo da Serie C2 como centroavante de uma equipe que visava o retorno imediato à elite. Mas o romanholo logo tratou de afastar qualquer desconfiança com um início de passagem impactante: foram seis gols marcados nas seis primeiras rodadas da segundona.

A temporada 1992-93 acabou sendo mágica para Tentoni e a Cremonese. Primeiro, os grigiorossi conquistaram a Copa Anglo-Italiana, vencendo o Derby County na final, disputada em pleno Wembley. Na ocasião, Andrea sofreu um pênalti e marcou o último gol da vitória por 3 a 1 sobre os Rams. Além disso, o centroavante anotou 16 tentos na Serie B e foi o principal destaque na campanha do vice-campeonato, que levou a equipe lombarda de volta à elite.

Andrea chegou à equipe grigiorossa sob forte desconfiança, mas deslanchou devido à gestão de Simoni (Ivano Frittoli)

Até aquele momento, a Cremonese jamais havia conseguido passar mais de uma temporada na Serie A: subia e caía de imediato. Tentoni, porém, teve um ótimo desempenho e mudou esta escrita. Estreando na elite, aos 24 anos, o centroavante marcou 11 gols no campeonato, com direito a dobradinhas contra Napoli, Udinese e Piacenza, na goleada por 4 a 0 no primeiro Dérbi do Pó disputado na máxima categoria. Andrea ainda foi decisivo nos triunfos sobre a Roma, no Olímpico, e o Lecce. A Cremo terminou o certame na 10ª posição, a melhor de sua história até hoje.

Mas nem tudo foram flores para Tentoni. Durante o ótimo primeiro turno, o atacante chegou a ser sondado por Arrigo Sacchi para integrar o grupo da Itália para a Copa do Mundo de 1994. O técnico enviou Carlo Ancelotti, seu assistente, para observar Andrea diversas vezes, e chegou a conversar com ele sobre suas intenções e o que esperava de um jogador. Porém, o romanholo acabou sendo contaminado pelo vírus da catapora e teve uma brusca queda de rendimento na segunda parte da Serie A – na qual amargou jejum de 10 rodadas e só anotou três vezes. Não foi um bom momento para ficar doente e perder desempenho, visto que o treinador estava montando a lista de pré-convocados. Assim, o centroavante da Cremonese foi descartado e jamais foi convocado para a Nazionale.

Se não viajou para os Estados Unidos, ao menos Tentoni pode embarcar para a Ásia. Isso porque, no mesmo verão europeu de 1994, ele e o camisa 10 Maspero foram liberados pela Cremonese para se juntarem à delegação da Sampdoria numa turnê de amistosos pelo extremo oriente. No entanto, em péssima forma física, Andrea não agradou ao técnico Sven-Göran Eriksson e, ao contrário de seu colega de clube, não foi adquirido pela equipe blucerchiata, terceira colocada na Serie A anterior. Por conta da falta de condicionamento, esfriou também o interesse de Inter e Lazio por seu futebol.

Apesar de grandalhão, Tentoni se destacava nos contra-ataques (Ivano Frittoli)

Na temporada 1994-95, Tentoni teve Florijancic e o recém-contratado Enrico Chiesa como parceiros de ataque. Ele teve que se adaptar para que Simoni acomodasse o reforço e acabou brilhando menos, atuando como coadjuvante da equipe. Ainda assim, marcou sete gols, sendo três deles nos triunfos em confrontos diretos com o Genoa, que foi rebaixado. A Cremo se salvou descenso na penúltima rodada, com vitória por 2 a 1 sobre o Brescia, e Andrea balançou as redes neste jogo.

Em 1995-96, porém, a Cremonese de Simoni e Tentoni não conseguiu se sustentar na Serie A. Apesar dos nove gols marcados pelo centroavante, a equipe somou apenas cinco vitórias no campeonato e, com a terceira defesa mais vazada da competição, terminou no penúltimo lugar e foi rebaixada para a segundona. Chegava a hora do adeus para Andrea, depois de quatro anos, 148 partidas, 47 tentos anotados e o posto de segundo maior artilheiro grigiorosso na elite, com 27 bolas nas redes – uma a menos que Dezotti.

A má fase no Piacenza

Com a queda para a Serie B, a Cremonese precisou fazer caixa. E não hesitou em vender Tentoni ao Piacenza, seu maior rival. De cara, na pré-temporada, o centroavante começou a ser hostilizado pela torcida biancorossa, devido ao passado na equipe adversária.

Pela Cremo, Tentoni ganhou uma Copa Anglo-Italiana e assumiu o posto de segundo maior artilheiro da equipe na Serie A (Ivano Frittoli)

Tentoni foi contratado juntamente a Pasquale Luiso, que, pelo Avellino, havia marcado 19 gols na Serie B da temporada anterior. Os dois substituiriam Nicola Caccia e Massimiliano Cappellini, negociados com Napoli e Empoli, respectivamente, mas o técnico Bortolo Mutti optou por dar a titularidade a Luiso, que anotaria 16 tentos na campanha. Apesar disso, Andrea recebeu muitas chances, especialmente durante os ​​quatro meses de jejum do companheiro: em 31 aparições, só balançou as redes uma vez, contra o Bologna, e somou péssimas atuações.

No Piacenza, Tentoni não foi nem sombra daquele atacante móvel, considerado extremamente eficaz em contragolpes. Pelo contrário, com a camisa dos lupi, ficou conhecido por ser estático – a ponto de ganhar o apelido de “rígido” por parte dos torcedores biancorossi. Essa rigidez, segundo o próprio jogador, era fruto de dores no quadril e já antecipava os imensos problemas que enfrentaria dali em diante.

O quadril e a reta final da carreira

Após derrotar o Cagliari no jogo de desempate pela permanência na Serie A, o Piacenza decidiu liberar Tentoni. Com apenas 27 anos, o atacante se despediu da elite e nunca mais voltou a atuar na primeira divisão. Pior: somou pouquíssimas partidas como profissional nas temporadas seguintes.

Após deixar a Cremo, Tentoni jamais voltou a atuar em alto nível e sofreu com problemas físicos (Ivano Frittoli)

Em 1997, o centroavante acertou com o Chievo, que disputava a Serie B, mas só atuou 12 vezes pelo time. Depois, somou três jogos pelo Pescara, também na segundona, e rumou ao Rimini, da C2, na expectativa de se reencontrar em sua terra natal. Desejo frustrado, visto que só fez 10 partidas com a camisa biancorossa. Assim, aos 31 anos, Tentoni se aposentou precocemente.

O principal motivo para a brusca queda de rendimento, que lhe levou a pendurar as chuteiras mais cedo do que o normal, foi a condição de seu quadril. “Com o tempo, a dor aumentou muito e, ao invés de me divertir em campo, eu sofria. Sentia dores até na hora de sair da cama”, afirmou Tentoni em entrevista ao site Altra Rimini. Depois da aposentadoria, Andrea operou a articulação e colocou uma prótese, o que aliviou o seu sofrimento.

Tentoni deixou os campos, mas não o esporte. Desde que parou de jogar, se dedicou a treinar garotos em escolinhas e também teve experiências no futebol feminino. Seu legado também se estendeu a sua prole: Tommaso, seu filho, é meia e atua nas divisões inferiores da Itália.

Andrea Tentoni
Nascimento: 18 de maio de 1969, em Rimini, Itália
Posição: atacante
Clubes: Rimini (1987-89 e 1999-2000), Ancona (1990), Latina (1990-91), Vis Pesaro (1991-92), Cremonese (1992-96), Piacenza (1996-97), Chievo (1997-98) e Pescara (1998-99)
Títulos: Serie C2 (1992) e Copa Anglo-Italiana (1993)

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