Imagine o seguinte: após oito temporadas de trabalho e com 66 anos de idade, ganhar um título inédito por um time que atravessava um jejum de conquistas desde que você era um bebê de colo. Suponha ainda que esta taça viesse a ser de um torneio continental e, de quebra, a sua primeira na carreira. Essa é a história de Gian Piero Gasperini na Atalanta. O treinador, que já havia somado feitos incríveis desde sua chegada à equipe de Bérgamo e conseguido mudar a Dea de patamar, se tornou, definitivamente, imortal nerazzurro: através dos pés e das cabeças de seus comandados, construiu um sonoro 3 a 0 sobre o Bayer Leverkusen, sensação de 2023-24, que estava invicto havia 51 jogos. O título da Liga Europa é italiano e, mais especificamente, orobico.
Em Dublin, Gasperini se tornou o mais velho treinador a levantar a taça da Liga Europa pela primeira vez. E a Atalanta, que não comemorava conquistas de mais alto escalão desde o seu único título grande, o da Coppa Italia de 1963 ante o Torino, pode afogar as mágoas da derrota para a Juventus na final do mesmo torneio, na última quarta. Com a taça, se sagrou como 13ª equipe italiana a faturar um troféu em competições continentais. A propósito, desde 1999, quando o Parma ganhou a Copa Uefa, um time itálico não levantava o caneco do rebatizado certame – 25 anos, portanto.
O caminho da Atalanta na Europa League começou no Grupo D, do qual saiu invicta, como primeira colocada, à frente do Sporting, atual campeão português, Sturm Graz – responsável por encerrar a sequência de 10 títulos do Red Bull Salzburg na Bundesliga austríaca – e Rákow Czestochowa, da Polônia. Nas oitavas de final, a equipe de Gasperini reencontrou os lusitanos e avançou repetindo os placares das chaves (empate por 1 a 1 e vitória por 2 a 1).
Nas quartas, a missão da trupe de Gasperini, que conta com o brasileiro Éderson e o ítalo-brasileiro Rafael Toloi, era enfrentar o todo poderoso Liverpool, um dos grandes favoritos ao título da competição para muita gente. Na partida fora de casa, na ida, um placar histórico: 3 a 0 em Anfield. Em casa, uma derrota simples, que permitiu à equipe passar à semifinal. Depois, foi a vez de encarar o Olympique de Marseille e, após empatar por 1 a 1 fora de casa, em jogo que foram dominados pelos franceses, os nerazzurri escreveram história bem diferente em Bérgamo: mais um categórico 3 a 0.
Este resultado começava a se repetir como um presságio. Assim como a data da final, que aconteceria em Dublin, capital da Irlanda. Em todas as outras vezes que times italianos fizeram decisões continentais em 22 de maio, comemoraram o título – eram quatro antecedentes, sendo que um deles era um jogo entre Inter e Roma, pela Copa Uefa. No Aviva Stadium, o nigeriano Lookman cresceria e engoliria o bicho-papão da temporada e, com uma tripletta sobre o Bayer Leverkusen de Xabi Alonso, entraria para a história como primeiro africano a marcar três vezes numa finalíssima europeia.
O jogo
Neste embate entre dois técnicos que montaram equipes agradáveis de se ver em campo, o Bayer Leverkusen começou em apuros. Para o time alemão, o jogo era de erros de passes na intermediária e sofrimento com a pressão da Atalanta, que encaixava a marcação individual em linhas altas e dificultava as suas saídas de bola – o que ocorreria por pelo menos uma hora da final. Depois de alguns vacilos de Xhaka, aos 12 minutos o primeiro gol da Dea saiu. Após cruzamento dos italianos, a pelota sobrou para Koopmeiners, que encontrou Zappacosta com um belo toque. O ala destro ajeitou para o meio da área e Lookman se antecipou a Palacios, chapando para a rede e inaugurando o marcador.
O jogo continuou de forma intensa e com passes rápidos efetuados pelas equipes, mas sem oportunidades claras. Até os 26 minutos, porém. Adli cabeceou errado e a bola sobrou para Lookman, na intermediária, o nigeriano cortou Xhaka e, da meia-lua, bateu no canto, sem chances para o goleiro Kovár, ampliado o marcador. Nenhum africano tinha feito dois gols em uma final continental, mas o nigeriano não pararia por ali.
Com sua marcação pressão, a Atalanta deixava o Bayer Leverkusen desconfortável e o fazia ficar afoito, a ponto de cometer muitos erros bobos de passes – algo bem distante do alto padrão de eficiência que caracterizou o time de Xabi Alonso em 2023-24. Antes do intervalo, os aspirinas tiveram uma rara chance aos 35 minutos, quando Grimaldo recebeu a bola e tentou encobrir Musso, mas sem sucesso. Aos 43, foi a vez de De Ketelaere ter liberdade para avançar e arriscar da entrada da área. A ideia era boa, porém a finalização rasteira do belga saiu fraca e não deu trabalho a Kovár.
A equipe de Gasperini voltou do descanso com intensidade similar à mostrada na primeira etapa. Aos 49 minutos, Lookman encontrou Koopmeiners, que tentou encontrar De Ketelaere no meio da área e só não conseguiu porque Hincapié efetuou corte crucial, na hora H. Com o passar do tempo, a Atalanta recuou suas linhas para dosar energias e preservar a vantagem de forma mais segura, de modo que o Leverkusen começou a ter mais posse de bola. Só que isso não resultou em trabalho adicional para Musso.
Na casa dos 70 minutos, Xabi Alonso já havia mexido no seu time três vezes, em busca de uma reação, enquanto Gasperini só trocara Kolasinac por Scalvini, no intervalo, e sacara De Ketelaere para ter um trabalho de meio-campo mais qualificado com Pasalic. Faltava apenas uma boa oportunidade para contra-atacar e matar o jogo. E ela ocorreu aos 76, quando Scamacca carregou a pelota e abriu na esquerda para Lookman. O nigeriano pedalou pra cima de Tapsoba e de canhota, que não é a boa, mandou um foguete na gaveta de Kovár. Ninguém anotava uma tripletta numa decisão de torneio da Uefa desde 1975.
Xabi Alonso já não sabia mais o que fazer para evitar a iminente primeira derrota de sua louvável temporada. O campeão da Bundesliga sofreu com o baixo rendimento do apagado Wirtz, que terminou até sacado numa tentativa de fazer o time ter mais presença de área – sendo que Frimpong também foi um fantasma no jogo. Boniface, Schick e Hlozek, que entraram no segundo tempo, também não incomodaram a Atalanta.
Ao apito final do árbitro István Kovács, estava feita a história. E Bérgamo, que teve a população devastada por ter sido um dos epicentros da disseminação da covid-19 na Itália, podia sorrir de novo. Naquela época, a partida de ida contra o Valencia, pelas oitavas da Liga dos Campeões, foi um evento de propagação do vírus em grandes proporções. Mais tarde, nas quartas, os nerazzurri amargariam, nos acréscimos, a virada contra o Paris Saint-Germain, e não levariam alento à cidade. Agora, não. A felicidade genuína toma as ruas da comuna de cerca de 120 mil habitantes, no norte da Itália.