Há pouco mais de 20 anos, em Moscou, aconteceu uma final de Copa Uefa digna até de decisão de Liga dos Campeões. Na capital da Rússia, os fortes times de Parma e Olympique Marseille entraram em campo no dia 12 de maio de 1999 para batalharem pela prestigiada taça. O time italiano se impôs e, por 3 a 0, foi bicampeão do torneio que antecedeu a Liga Europa.
Juntos, os times tinham mais de uma dezena de jogadores que disputariam o Mundial de 1998 por diferentes seleções e praticavam um futebol de altíssimo nível, semelhante inclusive ao que vimos atualmente. O Marseille estava invicto na competição e foi para a partida derradeira sem o zagueiro William Gallas e a dupla de ataque formada por Christophe Dugarry e Fabrizio Ravanelli, suspensos após se envolverem numa briga no túnel do Renato Dall’Ara, ao final da segunda partida da semifinal contra o Bologna.
O Parma, que conquistara a Coppa Italia uma semana antes, iria ao campo do estádio Lujniki com força total e todas suas estrelas à disposição de Alberto Malesani. Gente como Gianluigi Buffon, Lilian Thuram, Fabio Cannavaro, Roberto Sensini, Dino Baggio, Juan Sebastián Verón, Hernán Crespo e Enrico Chiesa. E isso apenas no time titular: o banco tinha nomes do calibre de Luigi Apolloni, Faustino Asprilla e Abel Balbo.
As duas equipes entraram com três zagueiros, embora com leves diferenças na organização ofensiva. Os emilianos jogavam em um 3-4-1-2 bastante vertical, tendo Verón como ponto focal do time. O argentino recebia a bola de quem vinha de trás e municiava Crespo e Chiesa, como um clássico trequartista. Já os franceses entraram com um 5-3-2, com Laurent Blanc atuando como líbero, já que o técnico Rolland Courbis temia o poderio ofensivo dos gialloblù. Na frente, Robert Pirès tinha a árdua tarefa de tentar prender a bola no ataque enquanto o apoio chegava.
Defensivamente, os dois times aplicavam pressão após perda da bola, conceito que está em voga nos últimos anos, devido ao sucesso de Jürgen Klopp e Pep Guardiola. Assim, criavam uma espécie de armadilha nas laterais, encaixotando os adversários no espaço entre os alas e os zagueiros, diminuído pela transição defensiva.
Com o foco em proteger os flancos do campo, qualquer tipo de chance que um dos times conseguisse criar pelo meio teria um alto potencial de perigo. Por isso, uma verdadeira partida de xadrez foi disputada na primeira metade do primeiro tempo: crociati e phocéens tentaram forçar jogadas pelas laterais, para poderem pressionar e tomar a posse da bola ou ao menos obrigarem que o rival tivesse que rifar a pelota. Os emilianos tentavam a todo custo acionar Verón, que foi praticamente anulado nos 20 minutos iniciais. Nas poucas vezes que se apresentou, o argentino criou oportunidades para Chiesa e Crespo.
Aos 25 minutos da etapa inicial, o inesperado tirou o zero do marcador. Após uma bola rifada pelo Parma e disputada no alto por Verón, Blanc tentou recuar de cabeça para o goleiro Stéphane Porato, mas teve pouco contato com a bola e seu toque saiu fraco demais. Crespo, matador, não desperdiçou o erro absurdo e encobriu o arqueiro com um toque de primeira, abrindo o placar para os comandados de Malesani. Dessa forma, a partida ficou muito mais confortável para o Parma, que tinha a grande oportunidade de começar a jogar do jeito que gosta: no contra-ataque e no erro do adversário.
Aos 30 da mesma etapa, com o Marseille se lançando ao ataque de forma mais agressiva, os jogadores do time francês deixaram La Brujita livre. Verón criou uma chance bastante clara ao tabelar e finalizar pouco acima do travessão – tudo isso sem nem precisar de dominar antes de bater na bola. A tática de pressão nas laterais feita pelo OM ficava cada vez menos efetiva quando a bola começava a chegar ao camisa 11 argentino, que com um amplo arsenal de fintas, deixava marcadores no chão. Mesmo sem avançar com a bola, Verón mantinha a posse, refazia as jogadas e deixava o time francês correndo atrás da posse, sem consegui-la.
Outro defeito dessa pressão aliada ao sistema de três zagueiros é que, caso ela seja superada, um grande espaço nas costas dos alas é gerado. Foi justamente assim que o segundo gol do Parma aconteceu, aos 36 minutos. O time do sul da França rebateu mal uma bola e Thuram foi hábil para recuperá-la com um misto de carrinho e passe, que acionou imediatamente Diego Fuser, que estava completamente livre na ponta-direita. O ala crociato cruzou na cabeça do lateral-esquerdo Paolo Vanoli, que apareceu bem na área e colocou a pelota no canto esquerdo de Porato.
O time gialloblù continuou com sua estratégia. Ao mesmo tempo que não tinha a posse de bola, o Parma não era passivo de modo algum. A pressão continuava e Crespo quase fez 3 a 0 poucos minutos após, depois que seus companheiros roubaram a bola na intermediária e já o lançaram. O centroavante, no auge de seu físico, carregou, dominou e bateu quase no ângulo, forçando o goleiro Porato a fazer uma grande defesa.
Na volta para o segundo tempo, o Olympique Marseille avançou de forma mais arriscada, e o Parma continuou de forma estoica com seu posicionamento, mantido com confiança e disciplina formidáveis. O time italiano criava contra-ataques perigosos, enquanto Buffon praticamente não tinha sujado seu uniforme.
A decisão do estádio Lujniki foi resolvida ainda nos minutos iniciais da segunda etapa. Aos 55, Thuram tomou a bola em um passe errado dos marselheses e tocou para Verón. O meia continuou a jogada com um cruzamento açucarado para Crespo no primeiro pau, mas não foi seu compatriota que a finalizou. Valdanito intuíra a aproximação de Chiesa na cobertura e fez um corta-luz sensacional para que o colega, de frente para o gol, chutasse. Enrico não decepcionou e acertou um chute forte e colocado no ângulo, sacramentando a vitória do Parma.
A grande vantagem italiana fez com que Malesani trocasse peças. O treinador sacou seus protagonistas – Verón, Crespo e Chiesa – e deu espaço a Asprilla, Balbo e Stefano Fiore. O jogo continuou controlado pelos ducali. Antes dessas substituições, aos 70 minutos, o atacante Titi Camara teve a única grande oportunidade para o time de Marselha ao tirar tinta da trave. Mas o Parma era mesmo mais perigoso e quase fez o quarto: Balbo cobrou uma falta que explodiu no poste.
O apito final premiou a partida perfeita feita pelo Parma na Rússia. Uma semana depois de faturarem a Coppa Italia sobre a Fiorentina, o time conquistava o bicampeonato da Copa Uefa e praticamente encerraria o glorioso período em que foi financiado pela Parmalat: depois disso, suas únicas taças expressivas foram a da Supercopa Italiana de 1999 e a da copa nacional, em 2002. O título daquela Copa Uefa também foi o último conquistado por uma equipe da Itália no torneio, rebatizado como Europa League em 2009.
Parma 3-0 Marseille
Parma: Buffon; Thuram, Sensini, Cannavaro; Fuser, D. Baggio, Boghossian, Vanoli; Verón (Fiore); Crespo (Asprilla), Chiesa (Balbo). Técnico: Alberto Malesani.
Marseille: Porato; Blondeau, Issa, Blanc, Domoraud, Edson (Camara); Brando, Gourvennec, Bravo; Pirès, Maurice. Técnico: Rolland Courbis.
Local e data: estádio Lujniki, Moscou (Rússia), em 12 de maio de 1999
Gols: Crespo (26′), Vanoli (36′) e Chiesa (55′)
Melhor em campo: Crespo
Cartões amarelos: Asprilla; Blondeau
Árbitro: Hugh Dallas (Escócia)