Não é comum uma torcida organizada trocar de nome. Mais incomum ainda é que isso aconteça em razão da nova contratação estrangeira de seu time. Walter Schachner, um dos maiores jogadores da história do futebol austríaco, conseguiu esta façanha.
Nascido na pequena Leoben, na região da Estíria, Walter estreou profissionalmente aos 18 anos, no clube de sua cidade, o Alpine Donawitz. Seu início de trajetória foi meteórico: jogou sua primeira partida na segundona do país, em 1975, e depois de estabelecer uma média próxima a um gol por jogo, em menos de dois anos já estava jogando pela seleção, mesmo defendendo um clube das divisões inferiores. Em 1978, o goleador se transferiu para o gigante Austria Vienna, depois de jogar a Copa do Mundo da Argentina.
Na capital de seu país, Schoko foi tricampeão austríaco, venceu uma Copa da Áustria, foi duas vezes artilheiro da Bundesliga e alcançou até uma terceira colocação na Chuteira de Ouro Europeia – em 1979-80, quando marcou 34 gols pelos violetas. Mesmo após uma passagem estelar, o atacante decidiu se transferir: segundo o próprio, não o queriam mais ali.
Seu destino foi o campeonato que se tornaria o eldorado do futebol na década de 1980: o Italiano. O Cesena, que acabara de ser promovido para a Serie A depois de uma arrancada final na segunda categoria de 1980-81, na qual deixou Lazio e Sampdoria para trás, aproveitou a reabertura das fronteiras e deixou a ambição falar mais alto no retorno à elite, após uma ausência de quatro anos. Assim, o time romanholo resolveu contratar, pela primeira vez em sua história, um estrangeiro vindo diretamente do exterior e fez de Schachner o seu objetivo principal. Os bianconeri venceram a competição com o Real Betis e o austríaco chegaria na janela de verão para nunca mais ser esquecido.
O primeiro jogo do artilheiro no antigo estádio La Fiorita já foi especial. Estreando com a camisa alvinegra frente à sua torcida, num amistoso contra o Milan ainda no final do verão, Walter Schachner marcou os dois gols da vitória do Cesena por 2-0. Não poderia ser melhor.
Tal qual nos tempos de Leoben, Schachner rapidamente fez a diferença. Tanto é que, no outono de 1981, uma bandeira escrita em alemão passou a ser vista em todas as partidas do Cesena, destinada exatamente ao recém-chegado bomber. Em homenagem ao austríaco, o principal grupo de ultras do Cavalluccio, o Brigate Bianconere, decidiu adotar a alcunha de Weisschwarz Brigaden. Se o nome da torcida continuou o mesmo (“brigadas alvinegras”), o gesto teve um significado bastante simbólico.
Schachner jogou duas temporadas no Cesena, nas quais somou 20 gols em 65 partidas e se tornou o xodó da tifoseria. A própria presença do austríaco era um bálsamo para a torcida, visto que o atacante potente, veloz e com finalização apurada era um sinal da mudança de patamar do clube. Afinal, até aquele momento, apenas dois jogadores que passaram pelos bianconeri já haviam tido uma experiência anterior em Copas do Mundo: enquanto defendiam o Cagliari, o atacante Francesco Rizzo e o volante Pierluigi Cera haviam jogado mundiais pela Itália, na década de 1960. Schoko, portanto, era o terceiro.
Como era de se esperar, num campeonato em que os principais zagueiros do mundo atuavam e no qual os sistemas defensivos eram praticados quase à perfeição, Schachner teve uma média de gols bem menor do que na Áustria. Em seu primeiro ano, foi o artilheiro dos cavalos marinhos, com nove tentos – assim como Oliviero Garlini.
O número até parece baixo, mas a Serie A contava com apenas 16 participantes naquela época e os bianconeri terminaram a competição com o quinto melhor ataque, com 34 bolas nas redes. A dupla do Cesena dividiu o quarto posto na artilharia com outros sete jogadores e, no final das contas, a 10ª posição obtida em 1981-82 até hoje é a segunda melhor da história do clube.
O bigodudo Schoko, então com cerca de 25 anos, começava a aparecer ainda mais para o mundo com o uniforme dos romanholos – curiosamente, muito parecido ao da seleção austríaca. Com o status de um dos mais letais atacantes em circulação na Bota, acumulava boas atuações, e não apenas gols. Sua performance foi suficiente para calar os críticos de seu país e ser convocado para a Copa de 1982. Dessa forma, foi o primeiro a disputar um Mundial como atleta vinculado ao Cesena.
Na temporada seguinte, o time sofreu na primeira divisão e resolveu aproveitar vários dos juniores que venceram o campeonato Primavera de 1981-82 sob a batuta do lendário Arrigo Sacchi. Schachner, mais adaptado, teve atuações ainda mais interessantes: indispensável para o time treinado por Bruno Bolchi, jogou todas as 37 partidas oficiais realizadas pelos bianconeri, anotando oito vezes na Serie A e 11 no total. Seu ápice foi uma doppietta contra a Juventus, num dia em que destruiu o fortíssimo sistema defensivo da Velha Senhora. O grande momento de Schoko não foi suficiente, porém, e o Cesena adicionou mais um rebaixamento a sua conta.
Com 26 anos e com propostas de grandes clubes da Velha Bota, se transferiu para o Torino, com um desafio único em sua carreira. Ao contrário do que acontecia em seu antigo clube, Schachner enfrentaria concorrência e encontraria um time que não jogaria em sua função. Ademais, Eugenio Bersellini optava por apenas um atacante, na maioria das vezes, o que fazia que não apenas Franco Selvaggi fosse seu rival pela posição: os meias Patricio Hernández e Giuseppe Dossena, que também já eram estabelecidos no Toro, atuavam mais avançados às vezes. O fato é que o austríaco chegava para formar uma grande equipe.
Na primeira temporada em Turim, Schoko encontrou seu espaço e foi artilheiro da Coppa Italia, com oito gols. Na competição, seu time foi eliminado nas semifinais contra a histórica Roma de Paulo Roberto Falcão e Toninho Cerezo, que detinha o scudetto. Já ao final do Campeonato Italiano, o artilheiro disse em uma entrevista que aquele era um ano de adaptação e que o quinto lugar seria superado no ano seguinte. Schachner, no entanto, terminou a campanha com oito gols também na Serie A, sendo vice-artilheiro do Torino na competição e seu máximo goleador no geral, com 16 tentos.
Em 1984-85, Júnior e Aldo Serena chegaram no time e a profecia se realizou. O Toro foi vice-campeão italiano e se classificou para a Copa Uefa, além de chegar às quartas de final da copa doméstica. Uma tremenda temporada para o Torino e também para Schachner, que embora continuasse a ter números individuais cada vez menos expressivos em comparação aos que teve na Bundesliga austríaca, mantinha a sua importância: outra vez foi o segundo principal goleador grená na Serie A. Eram grandes feitos para o concorridíssimo futebol italiano daquela época.
Seu último ano no time piemontês não foi tão agradável. Buscar o surpreendente vice-campeonato beirava o impossível e, de fato, o Torino de Luigi Radice não competiu pelo título – além disso, fez uma péssima campanha na Copa Uefa e foi eliminado nas quartas da Coppa Italia. Ao mesmo tempo, Schachner teve ligeira queda de rendimento e marcou gols com menor frequência, o que também impactou na Áustria, que falhou na tentativa de classificar-se à Copa de 1986. A soma dos fatores fez com que o atacante fosse preterido e trocado pelo holandês Wim Kieft, que estava no Pisa e contava com o prêmio de Chuteira de Ouro europeu de 1981-82, época em que marcara 32 vezes pelo Ajax.
A ida do austríaco ao Pisa, porém, estava condicionada a um fator: os nerazzurri teriam de jogar a Serie A. Por causa do envolvimento de alguns de seus jogadores no Totonero bis – escândalo de apostas ilegais que eclodiu em 1986 –, a Udinese havia sido rebaixada, como punição, e o Pisa foi promovido por repescagem. No entanto, poucos dias antes do início do campeonato, a decisão foi revista e a equipe de Údine foi readmitida na primeira divisão com 9 pontos de penalização. O Pisa teve de aceitar a segundona.
Assim, Walter Schachner foi vendido para o modesto Avellino, time alviverde da região de Nápoles. Schoko foi contratado para fazer dupla com o saudoso Dirceu, mas se lesionou muito e viu o ataque titular da equipe ser formado por Sandro Tovalieri e Alessandro Bertoni. Mesmo assim, o austríaco deixou quatro golzinhos na reta final da Serie A e ajudou os irpini a conseguirem um oitavo lugar, a colocação mais alta de sua história. Por pouco, os lobos não coroaram a sua década de ouro com a classificação para um torneio continental. Os biancoverdi ficaram apenas cinco pontos atrás do Milan, último garantido na Copa Uefa da temporada seguinte.
No ano seguinte, em sua última temporada na Itália, Schachner não teve o apoio da temporada anterior. Dirceu e Tovalieri foram embora e o austríaco jogou praticamente sozinho, já que o grego Nikos Anastopoulos não esteve à altura – nem mesmo marcou gols e se tornou um dos maiores flops dos anos dourados de Serie A.
Artilheiro isolado da equipe, com 11 tentos, Schoko conseguiu levar o time às quartas de final da copa doméstica: o Avellino acabou eliminado pela Juventus, mas teve sua melhor campanha na competição. No Italiano, os gols do loiro bigodudo não foram suficientes para evitar o rebaixamento, consumado por causa de apenas um ponto.
Aos 30 anos, Walter resolveu voltar para o seu país natal, onde acumulou passagens breves por vários times diferentes até se aposentar, em 1998, quando já era um quarentão. No outono de sua carreira, Schachner teve maior destaque pelo Salzburg, clube pelo qual passou em 1990.
Pela seleção, Schoko teve uma grande história, cheia de momentos marcantes. Na Copa de 1978, junto com Herbert Prohaska e Hans Krankl, protagonizou o Milagre de Córdoba. Na ocasião, a Áustria voltou a ganhar da Alemanha Ocidental depois de 47 anos e, de quebra, eliminou os vizinhos na segunda fase de grupos do Mundial. Schachner também estava presente no Jogo da Vergonha, embora seja lembrado por ter sido o único que fez esforços, tentou jogar e não quis participar efetivamente do escândalo armado pelas seleções. Uma esperada revanche de 1978 se tornou um jogo de comadres, já que o empate bastava para classificar os dois times e eliminar a Argélia, em 1982. O bomber se aposentou da seleção em 1994.
Na temporada 1999-2000, Walter resolveu voltar para o futebol, dessa vez como treinador. Iniciou sua carreira no FC Zeltweg, da quarta divisão, e levou o time para a terceirona. No ano seguinte, assumiu o FC Kärnten, da segunda divisão, e não só colocou o time na elite como conquistou um título da Copa da Áustriae da Supercopa local.
Em 2002, Schachner assumiu o Austria Vienna, time em que fizera tanta história como jogador. À beira do gramado, contudo, durou poucos meses, e foi demitido após uma eliminação diante do Shakhtar Donetsk na Copa Uefa. Naquele momento, os violetas eram líderes do Campeonato Austríaco com sete pontos de vantagem. Poucos dias depois, o ex-atacante assumiu o Grazer AK, que era penúltimo na Bundesliga e, sob sua chancela, concluiu a temporada como vice-líder, atrás do próprio Austria Vienna. No ano seguinte, Schoko levou o Grazer a seu primeiro e único título austríaco e também comemorou a dobradinha nacional.
Em 2004-05, o time da cidade de Graz conseguiu mais um vice-campeonato nacional e ganhou fama pelo globo. Os Diabos Vermelhos conseguiram ganhar do Liverpool no retorno da terceira fase de playoffs da Champions League. A vitória por 1 a 0 sobre o futuro campeão, porém, não bastou, uma vez que os austríacos haviam sido derrotados em casa por dois gols de diferença.
Depois dessa histórica passagem pela equipe alvirrubra, Schachner não conseguiu mais repetir o sucesso como treinador. O ex-goleador teve passagem sem brilho pelo Munique 1860, da Alemanha, e também teve dificuldades com Austria Kärnten, Admira Wacker e LASK Linz. Desiludido com a falta de feitos louváveis, Schoko decidiu deixar de ser treinador em 2012. Hoje em dia, está afastado do futebol profissional, mas permanece na memória dos torcedores de times de três regiões da Itália.
Walter Schachner
Nascimento: 1º de fevereiro de 1957, em Leoben, Áustria
Posição: centroavante
Clubes como jogador: Alpine Donawitz (1975-78 e 1992), Austria Vienna (1978-81), Cesena (1981-83), Torino (1983-86), Avellino (1986-88), Sturm Graz (1988-90 e 1993-94), FC Salzburg (1990), Grazer AK (1991), St. Pölten (1991), Donaufeld (1991), DSV Leoben (1992-93 e 1994-96), Tirol Innsbruck (1996-97) e Eintracht Wels (1998)
Títulos como jogador: Bundesliga Austríaca (1979, 1980, 1981) e Copa da Áustria (1980)
Clubes como técnico: FC Zeltweg (1999-2000), FC Kärnten (2000-02), Austria Vienna (2002), Grazer AK (2002-06), 1860 Munique (2006-07), SK Kärnten (2007), Admira Wacker (2008-10), LASK Linz (2011-12)
Títulos como técnico: Bundesliga Austríaca (2004), Copa da Áustria (2001, 2004) e Supercopa da Áustria (2001)
Seleção austríaca: 64 partidas e 23 gols.