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Lição tática da Itália sobre a Argentina, campeã do mundo, alterou o rumo da Copa de 1982

Silêncio foi a decisão de Enzo Bearzot para preservar seus atletas na segunda etapa da Copa do Mundo de 1982. A pressão era imensa. Afinal de contas, a Itália passou pela primeira fase de grupos do torneio sem vencer nenhum jogo. Foram três empates: com a Polônia, na estreia; uma partida duríssima contra o Peru; e o resultado que bastava para se classificar diante Camarões. Sob uma desconfiança justificável, somente Dino Zoff estava autorizado a falar com a imprensa, enquanto o resto do elenco permaneceria blindado. Funcionou? Bem, o resultado foi positivo.

Primeiramente, vale destacar o regulamento atípico da Copa daquele ano, realizada na Espanha. Depois da fase de grupos, os 12 classificados avançaram a uma etapa com quatro triangulares, sendo dois deles sediados em Madrid e dois em Barcelona – os jogos da capital ocorreriam no Santiago Bernabéu e no Vicente Calderón; os da metrópole da Catalunha, no Camp Nou e no Sarriá. O vencedor de cada chave se classificaria para as semifinais. A Itália deu azar: caiu com a então campeã do mundo, Argentina, e o Brasil, grande favorito para conquistar o título.

O primeiro adversário dos italianos no Grupo C foi a seleção do ainda jovem Diego Armando Maradona. Entre os que disputavam a primeira Copa, como Dieguito, Ramón Díaz merecia atenção. Mas a Argentina tinha a experiência como um de seus principais trunfos, já que estava repleta de remanescentes da conquista de 1978 e seguia treinada por César Luis Menotti. A Albiceleste contava com 11 jogadores que haviam sido campeões mundiais: Ubaldo Fillol, Héctor Baley, Luis Galván, Jorge Olguín, Alberto Tarantini, Daniel Passarella, Osvaldo Ardiles, Américo Gallego, José Daniel Valencia, Daniel Bertoni e o badalado Mario Kempes.

O despertar da Itália para a Copa chegou na hora certa. Sem grandes exibições até aquele momento, finalmente a Squadra Azzurra mostraria futebol de uma seleção do seu porte. Na escalação, não houve mudanças na equipe que enfrentou Camarões. Gabriele Oriali, que havia ganhado uma chance na partida anterior, continuou como titular e fez valer de sua raça para anular a criatividade adversária.

Passarella e Zoff, lendas do futebol mundial, eram os capitães de Argentina e Itália, respectivamente (Getty)

Do outro lado, a Argentina vinha de uma boa campanha. Deu um susto na primeira rodada, ao perder para a Bélgica, mas se reergueu ao golear a forte Hungria por 4 a 1, com dois de Maradona. Depois, superou Honduras e avançou com a segunda colocação no grupo. Dieguito era a principal esperança de algo diferente, seja na criatividade ou para decidir o confronto, já que Kempes estava em baixa e pouco produzia. Mas os portenhos ainda tinham Ardiles, Bertoni e Díaz como nomes capazes de desequilibrar.

Era o terceiro Mundial consecutivo que as duas seleções se encontravam. Em 1974, a Itália empatou com os hermanos na fase de grupos (1 a 1, com gols de René Houseman e Roberto Perfumo, contra) e terminou eliminada precocemente da competição, disputada na Alemanha. Em 1978, a Squadra Azzurra levou a melhor ao superar a Argentina em pleno Monumental de Núñez por 1 a 0, tento de Roberto Bettega. O duelo ocorreu novamente no estágio inicial, e ambas as equipes foram longe no torneio: a Nazionale terminou na quarta colocação, enquanto a Albiceleste foi campeã. Em 1982, o confronto decisivo começou quente.

Principalmente com chutes de longa distância, Itália e Argentina criaram as melhores chances. Primeiro foi o capitão argentino Passarella a arrematar em direção à linha de fundo. A resposta veio com Marco Tardelli, que também finalizou por cima da meta, dando indícios da boa exibição que faria no dia. Normalmente, o meia da Juventus seria designado para conter Maradona, mas Bearzot optou por colocar o duríssimo Claudio Gentile para perseguir o craque, em marcação individual.

Díaz, aos 8 minutos de bola rolando, foi o primeiro a acertar o gol, mas Zoff jogou para escanteio sem muitas dificuldades. Os primeiros movimentos foram de um futebol vistoso, agitado. Porém, aos 14, Tarantini deu uma chegada fortíssima com os dois pés em Tardelli, e o juiz Nicolae Rainea apenas marcou falta. Paolo Rossi, revoltado, reclamou – e muito – por um cartão, e acabou amarelado pelo romeno.

Durante boa parte do jogo em Barcelona, Itália e Argentina fizeram duelo bastante físico (imago)

O jogo esquentou. Muitas faltas – duras, inclusive – e pouco trabalho para os goleiros foi a tônica do restante da etapa inicial. Maradona foi outro que terminou levando amarelo por reclamação, enquanto Kempes recebeu a mesma advertência por um desarme forte. Aos 43 minutos, as queixas do 10 argentino surtiram efeito e Gentile, pelo acúmulo de entradas, também passou a figurar na caderneta do árbitro romeno. A seleção sul-americana ditava o ritmo da partida, com maior posse, mas não conseguia criar chances consideráveis.

Na volta do intervalo, ficou claro que as orientações passadas por Bearzot no vestiário foram mais assimiladas do que as transmitidas por Menotti. Arrasadora, a Squadra Azzurra começou a empurrar os argentinos contra a parede. Com dois minutos, Bruno Conti achou Francesco Graziani, e o atacante concluiu forte, mas para fora. Na jogada seguinte, Tardelli recebeu na cara de Fillol, encobriu o goleiro e balançou as redes. No entanto, a arbitragem assinalou impedimento. Não fez falta para o meio-campista da Juventus.

A qualidade que estava faltando na fase de grupos apareceu. Antonio Cabrini afastou um levantamento na área e a sobra ficou com Rossi, que fez a parede para Conti, no meio-campo. O ponta da Roma avançou e encontrou um belo passe para o camisa 14, que vinha se infiltrando em velocidade, percebendo um buraco na zaga argentina. Sem tocar na bola, deixou a jogada seguir até Giancarlo Antognoni, sobre quem deu a volta por trás. A defesa adversária se perdeu no desmarque e o bianconero saiu livre pela esquerda. Batendo cruzado e com muita precisão, Tardelli inaugurou o placar.

Com a vantagem, os europeus começaram a enfrentar dificuldades na bola parada. Logo na sequência do tento, Maradona apareceu livre para cabecear após cruzamento alçado na área e Zoff defendeu em dois tempos. Aos 63 minutos, Passarella cobrou um tiro livre direto para o gol e novamente o arqueiro italiano precisou trabalhar. O duelo entre o veterano e o defensor argentino seguiu: aos 66, o zagueiro subiu na segunda trave e exigiu uma bela defesa do juventino.

A marcação asfixiante de Gentile sobre Maradona foi uma das chaves da vitória da Itália sobre a Argentina (Bongarts/Getty)

Para azar da Argentina e sorte da Itália, o ditado “quem não faz, toma” já era vigente em 1982. Mesmo segurando a barra lá atrás, os italianos tiveram ímpeto para marcarem o segundo gol. Em outra boa troca de passes, Rossi saiu cara a cara com Fillol. Na finalização, pecou, e bateu em cima do goleiro. Na sobra, Conti foi mais veloz e já roubou em direção à linha de fundo. Lá, fez o salseiro habitual, deixou dois argentinos desamparados e tocou para trás. Cabrini, livre, emendou um foguete de primeira e estufou as redes.

A essa altura o relógio já marcava 67 minutos de jogo. O duelo começou a ficar mais travado, do jeito que a Itália queria – e Gentile continuava a sufocar Maradona. Bearzot ainda colocou Gianpiero Marini no lugar de Oriali, que fazia partida exemplar principalmente na fase defensiva. Praticamente sem vacilar, a defesa italiana sofreu o revés em uma grande bobeada. Zoff demorou para montar a barreira numa cobrança de falta de longa distância e Passarella não titubeou: bateu no canto do goleiro enquanto ele ajeitava seus jogadores. Os azzurri reclamaram, mas Rainea validou o tento, anotado aos 83.

A Argentina parecia pronta para ir para o tudo ou nada, mas foi pega de surpresa por um balde de água fria. Logo na saída de bola, Gallego perdeu a cabeça. O camisa 9 celeste agrediu Tardelli, fora do lance, e o juiz não pensou duas vezes. Vermelho direto. Com um a menos, a reação ficou praticamente impossível. Bastante exposta, a seleção sul-americana quase tomou o terceiro em algumas oportunidades. Conti teve a melhor delas, no último lance da partida, só que lhe faltou força na conclusão ao tentar encobrir Fillol.

Ao apito final, uma certeza tomou a crônica esportiva da Itália: a Nazionale, arguta taticamente, convenceu. Demorou, mas convenceu. Finalmente uma vitória na Copa do Mundo, em meio a críticas e jogos dificílimos, que geraram um ambiente turbulento. A primeira pedreira, representada pela então campeã, fora superada e a imprensa da Velha Bota começava a dar sinais de cessar-fogo. Bearzot, porém, manteve o pacto de silêncio. A próxima missão seria enfrentar uma seleção espetacular, de craques que desfilavam ou viriam a atuar no futebol italiano, como Zico, Júnior, Sócrates e Paulo Roberto Falcão. Impossível? Rossi certamente sabia que não.

Itália 2-1 Argentina

Itália: Zoff; Gentile, Collovati, Scirea, Cabrini; Conti, Oriali (Marini), Tardelli, Antognoni; Rossi (Altobelli), Graziani. Técnico: Enzo Bearzot.
Argentina: Fillol; Olguín, Galván, Passarella, Tarantini; Maradona, Gallego, Ardiles; Bertoni, Díaz (Calderón), Kempes (Valencia). Técnico: César Luis Menotti.
Gols: Tardelli (57’) e Cabrini (67’); Passarella (83’)
Cartão vermelho: Gallego (84’)
Árbitro: Nicolae Rainea (Romênia)
Local e data: Estádio de Sarriá, Barcelona (Espanha), em 29 de junho de 1982

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