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Campeão mundial em 1986, Claudio Borghi fracassou de forma retumbante na Itália

Nos anos 1980, o Argentinos Juniors montou o melhor time de sua história e conseguiu seus primeiros títulos nacionais e até mesmo uma Copa Libertadores. Naquela época, o futebol italiano era o destino da maior parte dos grandes jogadores de todo o mundo e duas estrelas do Bicho acabaram indo para a Serie A. Pedro Pasculli virou ídolo do Lecce, mas Claudio Borghi foi uma das maiores decepções que já vestiram a camisa do Milan.

Meia-atacante de grande habilidade, Borghi estreou pelo Argentinos Juniors em 1981, com 17 anos recém-completados. El Bichi só foi se tornar titular em 1985, e ganhou ainda mais chances na condição de falso 9, após a transferência de Pasculli para o Lecce. Foi jogando assim que o jogador ganhou o seu segundo título argentino e contribuiu para que a equipe de La Paternal ganhasse a Libertadores no ano de sua estreia – e antes mesmo do gigante River Plate. Na campanha, Borghi teve atuações inesquecíveis contra Vasco e Fluminense e converteu sua cobrança na disputa de pênaltis da final, contra o América de Cali.

Em dezembro de 1985, pouco depois de estrear pela seleção, Bichi teria seu primeiro contato direto com um clube italiano. Com status de craque do Argentinos Juniors, Borghi rumou ao Japão para encarar a Juventus na final do Mundial Interclubes e realizou grande embate com Michel Platini. A partida ficou em 2 a 2 no tempo normal e na prorrogação, graças a um tento e uma assistência do francês e dois passes para gol do portenho. Nos pênaltis, a Velha Senhora levou.

Platini ficou impressionado com Borghi e o elogiou muito em seu retorno à Itália, chegando a chamá-lo de “Picasso do futebol”. Os próprios italianos puderam acompanhar a partida e viram do que El Bichi era capaz: Claudio, inclusive, foi o primeiro jogador a ganhar o rótulo de “novo Maradona”, até porque Diego Armando Maradona fora, como ele, revelado pelo Argentinos Juniors.

Rara imagem de Borghi com a camisa rossonera: ele só disputou amistosos pelo clube (imago/Buzzi)

O fato é que a atuação em Tóquio encheu, sobretudo, os olhos de Silvio Berlusconi, que em fevereiro de 1986 se tornou dono do Milan. Uma das primeiras atitudes que o cartola tomou foi no sentido de assegurar a contratação de Borghi. O clube portenho aceitou as investidas do dirigente e negociou sua principal estrela sem o seu conhecimento – El Bichi estava ausente, com a seleção da Argentina. Claudio, que também era sondado pelo Racing Paris, preferia ir para a França, mas aceitou seu novo destino. Nesse ínterim, os parisienses fecharam com Enzo Francescoli.

O habilidoso jogador, especialista em toques de letra, não foi para Milão de imediato. Borghi recusou ser emprestado ao Ascoli e decidiu permanecer emprestado ao Bicho até 1987. Antes de deixar o clube de Buenos Aires, Borghi ainda fez parte do grupo argentino que foi campeão mundial em 1986. O meia-atacante começou a competição disputada no México como titular, mas perdeu a posição para Héctor Enrique após duas partidas muito ruins e não entrou mais em campo na Copa do Mundo. Nem pela seleção: após a campanha vitoriosa, foi excluído do grupo albiceleste.

É que Borghi era temperamental e muito inconstante. Ele arrebentava em treinos e em alguns jogos, mas também era capaz de sumir em ocasiões importantes ou mesmo em confrontos inexpressivos. Certa vez, o meia-atacante teria dito ao técnico César Menotti que não atuava bem porque “não gostava de jogar aos domingos”. Essa irregularidade e a participação negativa na Copa do Mundo fizeram com que Berlusconi perdesse a confiança no jogador que estava contratando. Isso, porém, não impediu que El Bichi chegasse ao Milan no verão europeu de 1987, com quase 23 anos.

Além da desconfiança da chefia, havia outros obstáculos para o argentino superar em sua chegada. Borghi fora contratado quando Nils Liedholm ainda era o técnico rossonero e, em junho, o sueco já havia cedido o lugar ao iniciante Fabio Capello, que era um interino sem poder de escolha sobre quais atletas ficariam para a temporada 1987-88.

Uma das poucas vezes em que o argentino entrou em campo pelo Milan foi no Mundialito de 1987 (Arquivo/AC Milan)

Enquanto o Milan buscava um treinador, El Bichi estreou pelos rossoneri no Mundialito de Clubes, competição amistosa de verão, criada por Berlusconi e disputada em San Siro. Borghi atuou nos quatro jogos, anotou um gol contra o Porto e foi escolhido como o melhor da competição, mas isso não foi suficiente para que ele fosse aproveitado pelo Diavolo. Em longa entrevista à El Gráfico, traduzida pelo Futebol Portenho, o argentino relatou que fora traído pela diretoria rossonera. “Me disseram que se fosse bem, ficava no Milan. Me escolheram o melhor jogador do torneio… e me deram um pé na bunda”, atacou. Em 1987-88, Claudio atuaria emprestado ao Como.

Borghi pode estar certo em ter reclamado do descumprimento de um acordo com a diretoria milanista, mas lhe faltou autocrítica. Para começar, o argentino não foi empurrado ao Como de uma hora para outra. El Bichi chegou a fazer a pré-temporada sob as ordens de Arrigo Sacchi, que foi o escolhido por Berlusconi para treinar o Milan, e não se adaptou. Pior, entrou em rota de colisão com o técnico e questionou seus métodos de forma até pueril. Uma de suas frases ficou famosa: “de que serve corrermos cinco quilômetros nos treinamentos se o campo só tem 100 metros?”, disparou.

A falta de dedicação nos treinos foi importante para que Borghi não viesse a ser aproveitado por Sacchi, mas determinante mesmo foi a limitação de número de estrangeiros por clube na Serie A. Naqueles tempos, cada agremiação poderia inscrever dois e o Milan também tinha contratado “apenas” Marco van Basten e Ruud Gullit, vencedor da Bola de Ouro de 1987. A quantidade seria ampliada pelo Conselho Federal em fevereiro de 1988 e, em tese, o Diavolo já teria seus três forasteiros para 1988-89 – os holandeses e El Bichi.

Contudo, Borghi não se deu bem em Como, cidadezinha localizada a cerca de apenas 40 quilômetros de Milão. O primeiro desafio era se adaptar aos preceitos de Aldo Agroppi, técnico que privilegiava a fase defensiva e cobrava muito empenho de seus atletas. Claudio, porém, não era um jogador muito disposto a marcar os adversários ou deixar sua área de atuação para cobrir espaços. Isso limitou consideravelmente suas chances na Itália.

Borgonovo, Borghi e Corneliusson: os três deveriam formar o pilar de sustentação do Como (Arquivo/Como)

Antes de Agroppi se cansar, El Bichi recebeu oportunidades. Calhou de sua estreia ocorrer justamente diante do Milan, na Coppa Italia. Do banco, o argentino viu Gullit e Van Basten marcarem em pleno estádio Giuseppe Sinigaglia. No segundo tempo, Claudio entrou em campo, Stefano Borgonovo descontou, mas os comascos perderam. Borghi ainda atuou como titular em mais dois jogos da copa, mas seu time acabou eliminado na fase de grupos.

Borghi ainda começou a Serie A no onze inicial, mas Agroppi rapidamente lhe tolheu o espaço, descontente com suas atuações. Depois de ir mal contra Inter e Fiorentina, o argentino viu o promissor Egidio Notaristefano, de 21 anos, ganhar sua vaga. Entre lesões, falta de empenho e participações sofríveis vindo do banco de reservas, El Bichi acumulou fracassos.

Na 14ª rodada, a mudança de comando (Tarcisio Burgnich substituiu Agroppi) não mudou sua situação. Na jornada seguinte, Borghi voltaria a San Siro e passaria por uma grande humilhação: o Milan fez 5 a 0 com um jogador a menos desde os 18 minutos, Gullit deu show e tudo o que coube ao argentino foi sair do banco no intervalo e levar o quarto cartão amarelo em seu sétimo jogo no campeonato. Foi o bastante para que Burgnich não mais o utilizasse e o condenasse a sua última partida pelos lariani – totalizou apenas 506 minutos. Para piorar a situação, El Bichi, afastado, viu o Milan ficar com o scudetto justamente em uma visita ao Sinigaglia, na derradeira rodada da Serie A.

Apesar de todas as desventuras na Itália, Borghi acabou reagregado ao Milan no verão de 1988 – por incrível que pareça, o voluptuoso Berlusconi gostava do garoto, que era mórmon e conservou a virgindade por anos a fio. A Sacchi, porém, El Bichi não descia. Após boas atuações e três gols em amistosos contra Manchester United e Real Madrid, o argentino foi comunicado de que o Diavolo havia conseguido fechar a contratação de Frank Rijkaard após uma longa novela. Sem espaço e com fama negativa na Itália, Claudio foi emprestado ao Neuchâtel Xamax, da Suíça.

Borghi não se adaptou ao estilo de Agroppi e fracassou no Como (imago/Buzzi)

Dali em diante, Borghi se tornou um gira-mundo, que não se firmou em quase nenhuma equipe. El Bichi perambulou por times grandes, como River Plate, Flamengo e Independiente, mas foi perdendo cada vez mais mercado a cada fracasso. Até se aposentar, em 1999, Claudio só teve destaque no Colo-Colo, clube em que venceu uma Copa Interamericana e uma Recopa Sul-Americana. O sucesso no Chile fez com que o meia-atacante chegasse até a ganhar dupla cidadania.

Como técnico, Borghi também encontrou o sucesso no país andino. Sua carreira começou no Audax Italiano e seus primeiros títulos aconteceram no Colo-Colo, entre 2006 e 2007. Afirmado, retornou à Argentina para comandar equipes expressivas: Independiente, Argentinos Juniors e Boca Juniors. Pelo Bicho, El Bichi venceu um Clausura e voltou a colocar seu nome na história do clube. Borghi ainda treinou a seleção chilena e a LDU, mas desde 2016 está afastado da profissão.

Hoje, mais de 30 anos depois de deixar a Itália, Borghi ainda é lembrado pelos milanistas mais antigos. Estes não desprezam a qualidade técnica do jogador, mas imaginam o quanto a história do clube poderia ter sido diferente caso o clube tivesse preterido Van Basten, Gullit ou Rijkaard em detrimento ao argentino. Quantos títulos europeus e italianos a menos o Diavolo poderia ter em suas prateleiras?

Claudio Daniel Borghi Bidos
Nascimento: 28 de setembro de 1964, em Castelar, Argentina
Posição: meia-atacante
Clubes como jogador: Argentinos Juniors (1981-87), Milan (1987), Como (1987-88), Neuchâtel Xamax (1988), River Plate (1988-89), Flamengo (1989), Independiente (1990), Unión de Santa Fé (1990-91), Huracán (1991), Colo-Colo (1992), Platense (1992-93), Correcaminos UAT (1994), O’Higgins (1995), Audax Italiano (1995-98) e Santiago Wanderers (1998-99)
Títulos como jogador: Campeonato Argentino (1984 e 1985), Copa Libertadores (1985), Copa Interamericana (1985 e 1992), Copa do Mundo (1986) e Recopa Sul-Americana (1992)
Carreira como técnico: Audax Italiano (2004-05), Colo-Colo (2006-08), Independiente (2008), Argentinos Juniors (2009-10 e 2014), Boca Juniors (2010), Chile (2011-12) e LDU (2016)
Títulos como técnico: Apertura do Chile (2006 e 2007), Clausura do Chile (2006 e 2007), Clausura Argentino (2010)
Seleção argentina: 9 jogos e 1 gol

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