A Itália, na década de 1990, se tornou celeiro de muitos astros franceses. Para se ter uma ideia, oito dos dez maiores jogadores gauleses que atuaram no futebol italiano, segundo esta nossa lista, aportaram na Velha Bota naquela época. Ibrahim Ba foi um desses que trocaram a Ligue 1 pela Serie A. O franco-senegalês, porém, não conseguiu repetir o sucesso de Marcel Desailly, sofreu racismo da torcida milanista e fracassou em Milão. No entanto, o jogador virou uma espécie de “amuleto da sorte” do clube no final da carreira.
Ba nasceu em Dakar, capital de Senegal, mas sua família se mudou para a França quando ele tinha apenas quatro anos, em 1977. Adquiriu cidadania francesa e entrou para as categorias de base do Le Havre. Em 1991, aos 19 anos, o meia, que atuava aberto pela direita, estreou na Ligue 1. Permaneceu no clube de Alta Normandia por cinco temporadas, somando 148 jogos e oito gols.
Em 1996, assinou vínculo com o Bordeaux. O meia cresceu de rendimento, inclusive em produção de gols, e apareceu no radar do então técnico da seleção francesa, Aimé Jacquet. Assim, em janeiro de 1997, Ba recebeu sua primeira oportunidade com os Bleus. A estreia com a França, contra Portugal, em Braga, veio em grande estilo: marcou um bonito gol, com direito a rolinho num jogador português, para sacramentar o triunfo por 2 a 0.
A partir desse momento, Ba ficou ainda mais visado no futebol mundial, e os franceses começavam a colocar muita expectativa em cima do franco-senegalês. Após 41 partidas e seis tentos pelo Bordeaux, o Milan gastou 11,5 bilhões de velhas liras para contar com o atleta, que assinou contrato por cinco anos. Apresentado em Milão como “novo David Beckham“, Ba pegou a camisa de número 13, com o nome “Ibou” estampado às costas.
Silvio Berlusconi, icônico presidente do Milan, aumentou o hype em cima de Ibou ao compará-lo a um famoso vinho francês. “Este Ba é o nosso Beaujolais Nouveau: brilhante, espumante, mas também técnico”, disse o mandatário, após amistoso de pré-temporada realizado em Monza. “Não bebo vinho, mas confio no que o presidente diz. Ele sabe…”, foi a resposta de Ba.
‘Flop’ no Milan na temporada anterior, o atacante Christophe Dugarry também elogiou o novo reforço rossonero. O francês, que seria campeão do mundo em 1998 com os Bleus, destacou e irreverência e a vocação ofensiva de Ibou. “Ele é um showman“, disse. “Dialoga com o público, é extravagante, muito forte, mesmo que, do ponto de vista tático, ainda tenha que crescer. Ele é muito bom, mas é um atacante. E não sei onde o Milan quer colocá-lo para jogar. Eu acho que sua posição é na frente”.
O homem responsável por fazer Ba melhorar o aspecto tático, como mencionou Dugarry, era o vitorioso Fabio Capello, que voltava a Milanello após levar o Real Madrid ao título de La Liga e ser apelidado de “Don Fabio” pelos merengues. Capello aceitou um grande desafio, visto que o Milan atravessava uma das piores fases sob o comando de Berlusconi – o time terminou a Serie A anterior na espantosa 11ª posição, rendimento inferior somente a 1981-82, quando os rossoneri naufragaram e afundaram rumo à segunda divisão.
Logo no começo do campeonato de 1997-98, o Diavolo deu indícios de que mais uma temporada infernal o aguardava. Nos cinco primeiros jogos, perdeu duas vezes, empatou outras duas e venceu só uma. Ibou, por outro lado, até que iniciou bem sua trajetória no Milan. Foi titular na abertura da liga, ante o Piacenza, e marcou seu primeiro – e único – gol na segunda rodada, contra a Lazio, em San Siro. Após tabelar com George Weah, infiltrou na área e bateu rasteiro no canto direito do goleiro Luca Marchegiani.
Ibou perdeu a vaga de titular nas últimas quatro rodadas da Serie A, o Milan ficou literalmente no meio da tabela de classificação e Capello decidiu tirar um ano sabático ao término de mais uma temporada rossonera aquém do esperado. A péssima campanha milanista fez o camisa 13 perder o trem para a Copa do Mundo de 1998. Jacquet chegou a inseri-lo na lista pré-convocatória, mas o deixou de fora da chamada final. Ba participou de sete amistosos durante o ano de 1997. Sua última aparição pelo selecionado nacional ocorreu no amistoso com a Espanha, vitória por 1 a 0, em Saint-Dénis, em janeiro de 1998. Ao todo, oito partidas e dois gols pela seleção francesa.
Com a saída de Edgar Davids para a Juventus, Ibou trocou a camisa 13 pela 7. A mudança de número, contudo, não elevou seu futebol. Alberto Zaccheroni foi contratado para recolocar os rossoneri nos caminhos das vitórias, alterou a formação tática (descartou o 4-4-2 utilizado por Capello e implementou o 3-4-3 na equipe) e pouco utilizou Ba durante a campanha de 1998-99, optando pelo dinamarquês Thomas Helveg para fazer a ala direita. De qualquer modo, o Milan levou o scudetto. Já o franco-senegalês fez apenas 18 jogos, somando Serie A e Coppa Italia, sem participar de gols, e festejou seu primeiro título como profissional.
Sem espaço no time de Zaccheroni, Ibou e diretoria milanista entenderam que chegava a hora de buscar novos ares. O salário do jogador era muito alto, e poucos clubes estavam dispostos a arcar com o compromisso. No fim das contas, o Milan o cedeu por empréstimo ao Perugia de Carlo Mazzone, técnico que lançou Francesco Totti como profissional. Ba não conseguiu convencer nos grifoni, mas entrou para a história do futebol italiano.
É que, em sua estreia pelos biancorossi (triunfo por 3 a 0 sobre o Cagliari, em casa, pela terceira rodada da Serie A), o camisa 25 acertou uma cabeçada na face do lateral-esquerdo Fabio Macellari. O árbitro da partida, Pierluigi Collina, e seus auxiliares não viram o lance e, assim, deixaram o jogo correr. O então juiz de esportes da Lega Nazionale, Maurizio Laudi, recorreu a provas de TV e puniu o meia com um gancho de quatro jogos – ele cumpriu três. Com isso, Ibou se tornou o primeiro jogador da elite do Campeonato Italiano a ser punido após o júri desportivo consultar imagens televisivas.
“Não me lembro [do lance], fazia muito calor no campo…”, argumentou o franco-senegalês, que depois, de cabeça fria, confessou a agressão e pediu desculpas: “Meu gesto foi grave. Mas deixe eu dizer que as imagens também me fazem ter alguma razão: o meu adversário tentou me acertar com uma cotovelada. Eu consegui escapar e depois, com a bola longe, fui tirar satisfações. Eu não tinha a intenção de bater nele. Ele sugeriu uma reação e eu dei uma cabeçada. Um péssimo exemplo para os jovens, que nos veem como campeões irrepreensíveis. Sim, me desculpe”.
Ba também alegou que, depois da cabeçada, as pessoas o viram como “criminoso”. “Eu nunca tinha sido expulso antes. Eu errei, mas me trataram como um criminoso. Agora espero não ser vítima de provocações. Da próxima vez, eu recebo a cotovelada e me jogo no chão”, afirmou. “Vim a Perugia para jogar futebol, não para ser boxeador”, acrescentou o atleta, que encerrou a temporada mais cedo devido a uma lesão no joelho.
Ao fim de 1999-2000, Ibou retornou ao Milan e seguiu escanteado por Zaccheroni, que acabou demitido em março. Quase não jogou na época (contabilizou 11 duelos, entre Serie A, Liga dos Campeões e Coppa Italia) e sofreu racismo de ultras rossoneri. “Vendia bananas na casa de Weah, Ibou Ba, Ibou Ba!”, cantava a Curva Sud, setor onde ficam os torcedores organizados. Não era primeira vez que ele era insultado, uma vez que, na temporada 1999-2000, os ultras entoavam um cântico semelhante: “Roubava bananas no jardim de Weah, Ibou Ba, Ibou Ba”.
Em setembro de 2001, o meia foi novamente emprestado, desta vez ao Olympique Marseille, na tentativa de reencontrar seu futebol no país em que cresceu. Todavia, não durou nem seis meses na França, voltando à Itália em fevereiro do ano seguinte. Agora sob as ordens de Carlo Ancelotti, Ibou entrou em campo rapidamente apenas duas vezes, contra Venezia e Inter. Deixado de lado na temporada seguinte, jogou um total de 157 minutos e viu das tribunas o Milan vencer sua sexta taça de Liga dos Campeões. Ele não fez nenhuma partida naquela campanha continental.
No verão europeu de 2003, Ba rompeu de vez o vínculo que tinha com a agremiação milanesa e firmou compromisso com o Bolton, da Premier League. Aos 30 anos, o meia visava recuperar a confiança e o desempenho do início da carreira no futebol inglês. Entretanto, também falhou na ilha. Apesar do fracasso no Bolton, onde permaneceu por um ano, ele virou parte de uma estatística estapafúrdia: em fevereiro de 2004, substituiu o meio-campista grego Stelios Giannakopoulos e estabeleceu o recorde de maior diferença no número de letras dos sobrenomes entre alterações de jogadores em um jogo da Premier League.
Após a aventura malsucedida na Inglaterra, Ba foi contratado pelo Çaykur Rizespor, da Turquia. Entrou em campo duas vezes antes de ser negociado, em fevereiro de 2005, com o Djurgårdens, da Suécia. No time escandinavo, disputou 14 partidas (sem conseguir completar 90 minutos em campo), marcou um gol e foi campeão da Copa da Suécia. Rescindiu o contrato em janeiro de 2006 e, em julho daquele ano, tentou acerto com o Derby Country, que militava na segunda divisão inglesa. Não obteve sucesso.
Em janeiro de 2007, participou de um retiro do Milan, em Malta, para se recuperar de uma lesão no tornozelo que estava impactando no joelho. Dois meses depois, começou a treinar, sem receber salário, no Varese, time da quarta divisão italiana à época. Após mais de um ano sem clube e lutando para se recuperar de uma lesão, Ibou foi surpreendido e ganhou um contrato de um ano no Milan, em junho. O salário não era muita coisa se comparado com os grandes craques do plantel – 200 mil euros anuais. Contudo, se tornou o sustento de um atleta que estava desempregado desde janeiro de 2006.
Ba não entrou em campo na temporada 2007-08 e pendurou as chuteiras aos 35 anos. Ancelotti chegou a convocá-lo para o duelo contra o Napoli, pela penúltima rodada do campeonato, porém o meia sequer foi ao banco de reservas. “[Convoquei Ba] porque eu o acho simpático”, explicou o treinador na entrevista coletiva antes do embate em Nápoles.
De todo modo, o “simpático” Ba ficou conhecido na Itália como um “amuleto da sorte” do Milan. O motivo? Ele estava em Atenas quando os rossoneri bateram o Liverpool e coparam sua sétima Liga dos Campeões, e também acompanhou o Diavolo em Yokohama, cidade em que o time derrotou o Boca Juniors por 4 a 1 e faturou o Mundial de Clubes da Fifa. Após pendurar as chuteiras em 2008, Ibou virou olheiro do Milan na África e, em 2017, tirou licença da Uefa para se tornar treinador.
“O Milan foi uma parte importante da minha vida”, afirmou Ba, em entrevista à Gazzetta dello Sport, em 2018. “Eu ainda o sigo com paixão. Quando cheguei, Fabio Capello me ensinou muito do ponto de vista tático. Eu precisava disso. Nos anos seguintes, fui e voltei várias vezes, mas as cores rubro-negras permaneceram dentro de mim”, complementou.
Ibrahim Ba
Nascimento: 12 de novembro de 1973, em Dakar, Senegal
Posição: meio-campista
Clubes: Le Havre (1991-96), Bordeaux (1996-97), Milan (1997-99, 2000-01, 2002-03 e 2007-08), Perugia (1999-2000), Marseille (2001-02), Bolton (2003-04), Çaykur Rizespor (2004) e Djurgårdens IF (2005)
Títulos: Serie A (1999), Coppa Italia (2003), Liga dos Campeões (2003), Campeonato Sueco (2005) e Copa da Suécia (2005)
Seleção francesa: 8 jogos e 2 gols