Nesta terça, 8 de agosto de 2023, ficou definido: o estádio San Siro não poderá ser demolido. Por unanimidade, a Comissão de Patrimônio Cultural da Lombardia decidiu que o segundo anel do Giuseppe Meazza tem relevância arquitetônica e cultural, com gatilho de preservação a ser disparado em 2025, quando a arena completa 100 anos de existência. A resolução técnica serve como álibi perfeito para Inter e Milan buscarem, em definitivo, a construção de suas novas casas em separado – o que já era desejado por ambas as agremiações, embora seus diretores não falem sobre isso tão abertamente.
Já havia algum tempo que tanto Inter quanto Milan vinham dando indicativos de que a melhor saída para as suas ambições financeiras, ao menos no curto prazo, seria o abandono de San Siro, quinto estádio mais antigo da Itália entre aqueles em uso, e a construção de duas diferentes arenas particulares. Porém, isso nunca foi dito com todas as letras por um simples motivo: não seria uma decisão popular. O Meazza é um dos símbolos de Milão e, também por isso, é muito querido por torcedores de ambas as equipes, que bateram recordes de presença em 2022-23. Em pesquisas, a maior parte dos nerazzurri e dos rossoneri se diz favorável a sua preservação.
O tombamento do segundo anel de San Siro, com aval da Comissão de Patrimônio Cultural da Lombardia, serve como solução ideal para aqueles que não desejam tomar decisões impopulares saiam das sombras e revelem suas reais – e antigas – intenções, outrora escondidas por movimentações que aparentavam boa vontade, mas eram privadas de substância.
Ao mesmo tempo que o estado italiano, taxado de extremamente burocrático, assume o habitual papel de vilão, sem que seus representantes se importem em demasia com a pecha, entes privados se protegem de críticas mais ferozes e ficam livres para tocar os seus projetos quase sem importunação, após rodadas de discussão recheadas de demagogia. Uma dança com ares de jogo de cena, coreografada segundo o gattopardismo, princípio cunhado pelo escritor Giuseppe Tomasi di Lampedusa, no romance “O Leopardo”, que foi adaptado para o cinema pelo diretor Luchino Visconti: na Itália, tudo muda para que nada mude.
Um breve histórico do estádio…
Em 1925, o Milan resolveu tirar um novo estádio do papel, substituindo o campo de Viale Lombardia. O presidente Piero Pirelli, filho de Giovanni Battista, fundador da homônima fábrica de pneus que patrocinou a Inter por 26 anos, contratou o arquiteto Ulisse Stacchini e o engenheiro Alberto Cugini para projetarem uma praça esportiva no distante bairro de San Siro, ainda com ares de zona rural e repleto de hipódromos e instalações equestres. No ano seguinte, foi inaugurada uma modesta arena retangular, com lance único de arquibancadas e capacidade para 35 mil torcedores – sentados e em pé.
San Siro recebeu partidas da Copa do Mundo de 1934, entre as quais a semifinal entre Itália e Áustria, e foi adquirido pela prefeitura de Milão no ano seguinte – o terreno, desde então, é de propriedade do município. De cara, recebeu uma modernização completa, que derrubou a estrutura antiga e estabeleceu os pilares para o estádio conhecido atualmente. Em 1939, foi reinaugurado com capacidade para cerca de 100 mil pessoas.
Àquela altura, o Milan era o único usufrutuário do estádio. Porém, no início da década de 1940, os rossoneri abandonaram o campo para retornarem à Arena Civica, onde já haviam atuado anos antes, para fazerem companhia à Inter. Em 1947, a dupla se mudou definitivamente para San Siro porque – veja só a ironia – os planos de expansão da Arena foram rejeitados pela Superintendência de Belas Artes de Milão devido ao fato de o prédio, construído na era napoleônica, estar em processo de tombamento como patrimônio artístico e arquitetônico.
Ao longo dos anos seguintes, San Siro foi encorpando. Em 1955, o arquiteto modernista Armando Ronca e o engenheiro Ferruccio Calzolari entregaram o segundo anel e suas rampas, que dão a famosa aparência helicoidal à estrutura do estádio e viriam a ser o motivo principal de seu tombamento. Depois, apenas entre 1987 e 1990 a arena – que ganhou o nome de Giuseppe Meazza em 1979, após a morte do homônimo craque – recebeu apenas uma grande reforma, em virtude da Copa do Mundo de 1990.
Para o Mundial, foram retirados os setores em que era possível ficar de pé – estes deram lugar a assentos – e, a partir da fachada externa, foram erguidas as torres que sustentariam o terceiro anel e a cobertura e, de quebra, promoveriam um engenhoso efeito de ilusão de óptica. A construção desses grandes sustentáculos foi a solução encontrada pelos arquitetos Giancarlo Ragazzi e Enrico Hoffer e os engenheiros Leo Finzi e Edoardo Nova para que o estádio continuasse em funcionamento durante as obras, que também não afetariam a estrutura do edifício.
De lá para cá, apenas pequenas adaptações foram feitas no estádio, que teve capacidade reduzida de quase 86 mil para cerca de 76 mil torcedores, de modo a oferecer mais conforto ao público e permitir a ampliação de camarotes e da skybox, construídos no nível do gramado. O terreno de jogo, aliás, precisou receber uma mistura sintética a partir de 2012 porque a instalação do terceiro anel e da cobertura, aliada ao clima gélido de Milão, gerou diminuição de qualidade da relva.
Das arenas construídas ou reformadas para o Mundial de 1990 – cujo timing provocou problemas em termos de praças esportivas para a Itália –, a Scala del Calcio certamente é aquela que menos precisa de intervenções para receber eventos de grande porte. As problemáticas do estádio para jogos de futebol são consideradas contornáveis por engenheiros e arquitetos, enquanto fatores como acústica e ambiência são valorizados por especialistas.

Após a reestruturação de 1955, San Siro se tornou um dos caldeirões mais icônicos da Itália (Keystone/Getty)
Em sua história, San Siro recebeu jogos de duas Copas do Mundo, incluindo a cerimônia de abertura da edição de 1990 e de uma Eurocopa. Além disso, foi palco de uma final da Nations League e de quatro decisões das seguintes competições: Copa dos Campeões e Champions League, Copa Uefa, Supercopa Uefa e Mundial Interclubes. Até o Rei Pelé decidiu comemorar seus 50 anos nele. O estádio ainda sediará a abertura da Olimpíada de Inverno de 2026 e a sua quinta finalíssima de Champions League, em 2026 ou 2027. Sem reformas adicionais.
… e um longo passo a passo do imbróglio
A preservação de San Siro é um dos raros assuntos em que políticos de direita e de esquerda italianos têm convergido. Em 2019, numa pesquisa feita pela Gazzetta dello Sport, as torcidas de Inter e de Milan também se mostraram favoráveis à conservação do estádio, ainda que não descartassem a construção de outras arenas.
A princípio, as duas equipes mandantes, que administram o complexo através da concessionária M-I Stadio, tratavam a ideia de preservar San Siro com cautela. Publicamente, não desfaziam da importância do estádio, considerado um dos maiores templos do futebol mundial, e até propuseram a construção de uma nova arena contígua, apelidada de A Catedral, com a manutenção de parte da estrutura do Meazza num parque dedicado a atividades esportivas. Entretanto, foi ficando cada vez mais evidente que não havia boa vontade suficiente das partes envolvidas para que os desafios fossem enfrentados e o projeto seguisse adiante.
A prefeitura de Milão e os vereadores aliados ao alcaide Giuseppe Sala têm (ou tinham) como principal objetivo manter os clubes no Meazza, promovendo a maior reestruturação da praça desde 1990, quando foi instalado o terceiro anel das arquibancadas. “Quando Inter e Milan me procuraram para falar sobre o estádio, imediatamente propus uma grande reforma de San Siro, além de deixar claro que estava disposto a entregar-lhes a propriedade. Mas, imediatamente, me disseram claramente que era uma opção que não podiam considerar”, afirmou o gestor em seu podcast, Buongiorno Milano.
De fato, se San Siro fosse inteiramente reformado, Inter e Milan teriam alguns problemas temporários. Primeiramente, não seria viável – nem seguro – manter um canteiro de obras aberto ao mesmo tempo em que dois times mandassem jogos no estádio. Além disso, a dupla teria dificuldades de encontrar praças esportivas próximas que atendessem a alguns requisitos para equipes de sua grandeza: capacidade de pelo menos 50 mil lugares e adequadas à categoria 4 da Uefa. Se afastar da capital da Lombardia por muitos meses resultaria em perda de receitas, e aceitar jogar em arenas menos estruturadas ampliaria esse prejuízo. Tanto a Beneamata quanto o Diavolo, vale lembrar, já convivem com grandes déficits.

As rampas helicoidais e a iluminação deixavam o antigo San Siro parecido com uma nave espacial pousada no subúrbio de Milão (Keystone/Getty)
Diante desse impasse inicial, Inter e Milan anunciaram o plano de construção d’A Catedral, que previa ainda a instalação de um parque esportivo, áreas verdes e centro comercial vertical. Seriam preservadas uma das icônicas torres de sustentação do terceiro anel de San Siro e a fachada do segundo andar de arquibancadas, que será tombado.
O projeto do escritório Populous, que construiu a arena do Tottenham e reformulou Wembley e o Estádio da Luz sofreu alterações com o tempo – veja a primeira e a segunda versões do render. No mais recente esboço, San Siro se tornaria um jardim suspenso. O seu grande entrave é o fato de não se adequar ao Piano di Governo del Territorio (PGT) do município, correspondente ao Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) vigente no Brasil.
San Siro é um bairro predominantemente residencial, com pequenos negócios, hipódromos – sim, eles remanescem, embora o de trote, vizinho à arena, tenha sido desativado e realocado – e muitas áreas verdes – sim, ainda há resquícios dos antigos tempos rurais. Certamente, a construção de um novo estádio e de um arranha-céu com centenas de lojas e salas comerciais geraria impacto urbanístico em algum nível. Sem falar na demolição do Meazza, que provocaria uma nuvem de poluentes e muito entulho a ser descartado. Essas preocupações foram demonstradas por moradores e parlamentares em audiências públicas.
Os representantes de Inter e Milan, sempre muito bonzinhos em suas palavras, sempre apareciam com soluções para os problemas em cartas e entrevistas. Para combater a poluição relativa ao novo complexo? Compra de créditos de carbono, uso de substâncias químicas no ar para limitar a disseminação de poluentes oriundos da implosão e mais áreas verdes.
A cada questionamento, uma resposta mágica. Porém, jamais foi apresentado um estudo de viabilidade que comprovasse que os impactos negativos seriam mínimos para a população do entorno e que o projeto traria benefícios para alguém além dos donos dos clubes, as agremiações em si e, no limite, os torcedores mais entusiastas da ideia de construção d’A Catedral. Em adição a nunca terem ido além das boas intenções, o que já dá a dimensão do jogo de cena protagonizado por nerazzurri e rossoneri, Inter e Milan não reformularam as plantas para que o complexo se adequasse ao PGT: queriam ter direito a mais área construída do que preveem as leis de uso do solo locais, revisadas em 2020 e válidas por uma década. Mais especificamente, o dobro. Inviável.

Em março de 1990, Milan e Inter se enfrentaram no último Derby della Madonnina ocorrido antes da inauguração do terceiro anel (Bongarts/Getty)
Nesse cenário, surgiram propostas alternativas, com maior respeito às normas ambientais, previsão de reutilização de materiais e outros aspectos de sustentabilidade. Tomando como exemplo as requalificações do Santiago Bernabéu e do Camp Nou, na Espanha, os engenheiros Riccardo Aceti, professor do Politécnico de Milão, e Nicola Magistretti, especialista em gestão de obras e de gestão financeira de projetos desse calibre, elaboraram um plano de completa reestruturação do terceiro anel de San Siro entendido por outros especialistas em arquitetura de praças esportivas como bastante plausível e, inclusive, homologado pela comissão municipal responsável pelo assunto.
A ideia de mexer apenas no terceiro anel tem um fundamento simples: por conta de sua construção externa ao antigo Meazza, obras restritas ao setor permitiriam que o estádio continuasse em funcionamento. Além disso, as plantas propostas pelos engenheiros seriam versáteis e a quantidade de reparos permitiria contemplar a ideia inicial dos clubes, de reduzir a capacidade de público para cerca de 60 a 65 mil, ou mantê-la praticamente inalterada.
A maior parte das intervenções ocorreria durante os período de intertemporada, por três anos, e resultaria na solução dos principais problemas apontados em San Siro: a falta de estruturas de permanência no estádio, que limitam as receitas de matchday e praticamente as zeram nos momentos em que não há partidas. Seriam criados novos camarotes, restaurantes, áreas de convívio, salas comerciais, galerias, museus, mirantes e espaços para shows, que poderiam funcionar diariamente.
O custo do projeto, estimado em 350 milhões de euros, corresponde a cerca de um quarto do que Inter e Milan pretendiam investir n’A Catedral e no seu entorno – 1,2 bi. E é inferior ao que se avalia que será gasto para que apenas as arenas dos nerazzurri, em Rozzano, e dos rossoneri, em San Donato Milanese, saiam do papel: respectivamente, se aventa custos entre 500 e 600 mi. Aceti e Magistretti afirmam que o novo terceiro anel poderia render 140 mi anuais aos clubes.
Inter e Milan, porém, não se empolgaram com o projeto. O motivo é bem claro: sem o complexo imobiliário do entorno, os lucros serão menores e, consequentemente, os clubes demorarão mais tempo para saírem do vermelho, seguindo em desvantagem perante adversários de outros países. O prefeito Sala diz entender este aspecto, já que as agremiações não são entes filantrópicos.

O icônico San Siro já recebeu diversos eventos de grande porte, como a cerimônia e o jogo de abertura da Copa de 1990 (Getty)
Voltamos, então, à estaca zero. Se precisam do complexo imobiliário para aumentar suas receitas, por que Inter e Milan não apresentam um estudo de viabilidade adequado às leis de Milão? E por que os órgãos públicos não tentam intensificar uma solução negociada?
Sala, por um lado, não tem se esquivado do assunto. Em seu podcast, foi bastante direto: “Para falar a verdade, não podemos ignorar que parte da Câmara Municipal, incluindo meus aliados, nunca foi muito favorável a um novo estádio. Especialmente se isso significasse o sacrifício do antigo“, afirmou. O engenheiro Magistretti, por sua vez, ofereceu um caminho para o imbróglio: em paralelo à reestruturação de San Siro, os clubes ganhariam o direito a ter mais área construída – e, consequentemente, ao complexo imobiliário – se contribuíssem para a implantação de moradias populares.
Inter e Milan, contudo, parecem menos dispostos a sentar e negociar do que o prefeito e os vereadores, que têm o amparo das leis de Milão. Por mais que as agremiações sejam importantes ativos da cidade, nem elas nem o futebol estão acima da legislação que comanda o ordenamento urbano do município. Para modificá-la, houve o tempo para debate – o PGT, vale lembrar, foi revisto em 2020 e vale até 2030.
Para encontrar brechas normativas, é fundamental ter capital político e, muito frequentemente, boa vontade para encontrar meios termos. Entretanto, nerazzurri e rossoneri navegam num mar de insensibilidade, em embarcações diferentes e em direção oposta àquela tomada pelos entes públicos neste oceano de escolhas desarrazoadas. Até agora, a dupla tem atuado com base em ameaças explícitas, mas sem rompimento total com a administração metropolitana.
Elefante branco?
A situação parece até uma sinuca de bico, mas se assemelha mais a uma ilusão de óptica cara às torres de San Siro, delimitada pelo gattopardismo à milanesa e por estrangeiros que flertam cinicamente com o conceito. Já sabemos que Inter e Milan não querem permanecer no Meazza, ainda que reformado. Mas os clubes desejavam mesmo lidar com toda a complexidade de demoli-lo e minimizar os impactos negativos urbanísticos na região? Seu comportamento suscita dúvidas.

Vista aérea do estádio mostra sua beleza arquitetônica e seu entorno, com dois hipódromos ao fundo – o mais próximo, desativado (Getty)
Ao longo de todo o imbróglio para o estádio, os clubes têm plantando dificuldades na expectativa de colherem facilidades – o que não tem ocorrido – e, simultaneamente, tentam influenciar a opinião pública. Este é o intuito das respostas mágicas, nunca acompanhadas de documentação comprobatória, que visam convencer os leigos a tomarem o seu lado no impasse. Também é uma das finalidades dos sucessivos anúncios de busca de terreno para a construção de arenas em outras cidades.
Os clubes jogam com a ideia de deixar Milão na esperança de que a prefeitura ceda a todas às exigências d’A Catedral para não ficar com um indesejado elefante branco em mãos, ao mesmo tempo que perderia importante fonte de receita e sofreria um forte baque simbólico com o exílio de nerazzurri e rossoneri. É uma forma que Inter e Milan encontraram para estabelecer pressão e forçar que seu projeto para o bairro de San Siro siga em frente sem adequações substanciais às normas do município.
As diretorias de Inter e Milan – no caso dos rossoneri, a anterior e a atual – jamais tiveram a intenção de aceitar soluções de meio termo, que poderiam destravar as obras mais rapidamente, porque qualquer decisão nesse sentido não lhes permitiria extrair o máximo do potencial econômico de um novo estádio, com complexo imobiliário e comercial adjunto, nas condições desejadas. A falta de afinco na construção de propostas alternativas para o entorno teve esse pano de fundo inicial. Com o tempo, foi crescendo internamente a ideia de que construir A Catedral talvez nem fosse a melhor saída para as agremiações, mas apenas um paliativo.
Tanto a chinesa Suning quanto o estadunidense RedBird, que controlam Inter e Milan, respectivamente, começaram a perceber que dividir os custos de uma arena compartilhada resultaria também na divisão dos lucros e num produto final que deixaria o pacote acionário dos clubes menos valioso – fator fundamental para venda de cotas ou de todos os ativos para novos investidores. Ter um imóvel 100% próprio é mais interessante do que ter metade por razões econômicas, que ainda envolvem aspectos de merchandising e práticas, como a gestão do edifício e do gramado.
Ademais, os recordes de público que Inter e Milan alcançaram em San Siro ao longo de 2022-23 colocaram mais uma pulga na orelha das diretorias. Em cinco anos, os nerazzurri viram a sua média saltar de menos de 57,5 mil para mais de 70; os rossoneri também superaram essa marca, mas saindo de 52,7. Há potencial para lucrar com um estádio cheio do tamanho do Meazza ou um pouco menor, com operação menos custosa e valor de tíquete médio inflado, além de toda a estrutura para permanência no matchday e em outros dias da semana.
Há algum tempo, os dois times têm salientado que há percalços na gestão da concessionária M-I Stadio e que encerrar a administração compartilhada do estádio seria vantajoso para ambos, diminuindo potenciais entraves na tomada de decisões, além do já citado aspecto financeiro. Atualmente, nenhum grande clube europeu – de fora da Itália – divide arena e isso, para Inter e Milan, é visto como modelo a ser seguido, pois poderia ajudar a diminuir a atual distância financeira entre eles.
É legítimo que Inter e Milan se enxerguem como os gigantes que são e visem retomar protagonismo a partir do acúmulo de capitais. Entretanto, os cifrões podem turvar a visão: a busca de retorno muito rápido, tendo em vista os déficits atuais, dificilmente irá produzir uma solução boa para o conjunto da sociedade da capital da Lombardia e de sua região metropolitana.
Os clubes são entes privados, mas com função social, e isso deveria ser posto na balança. Não ter visão de longo prazo com a cidade é algo bem comum a investidores que não têm relação afetiva alguma com o local em que depositarão toneladas de cimento para obterem milhões de euros em receitas. Não à toa, Sala chegou a mencionar Massimo Moratti e Silvio Berlusconi, nascidos em Milão e ex-presidentes dos clubes da capital lombarda, como exemplos de gestores que teriam a sensibilidade de buscar uma saída que aliasse os interesses das agremiações, dos torcedores e da cidadania.
Numa sociedade funcional, o poderio econômico de pessoas jurídicas de natureza privada não deveria ser um fator que pressionasse tomadas de decisão de entes públicos – sob pena de prevalecerem o egoísmo e os interesses daqueles que querem acesso VIP a suas skyboxes, o que não existe de forma satisfatória em San Siro. Sem boa vontade das partes envolvidas, o Meazza vive risco iminente de se tornar um elefante branco e, quem sabe, uma espécie de Coliseu contemporâneo. As boas práticas de preservação de patrimônio levam em conta que edifícios tenham sua função preservada e, se não for possível através do futebol, a prefeitura de Milão e a sociedade civil, que apoia a conservação do estádio, precisarão encontrar alternativas.
O tombamento de San Siro, com razoável justificativa técnica, pode até ser exatamente o que Inter e Milan aguardavam para consumar o esperado divórcio e terem liberdade para agirem individualmente. Porém, o álibi não representa, necessariamente, que seus estádios privados serão construídos – ao menos tão cedo. Muitos cidadãos de Rozzano e San Donato Milanese não querem ter a sua paz perturbada por grandes empreendimentos e existe oposição à construção das arenas. Lembre-se: a Itália é a pátria do gattopardismo e ele é uma excelente motivação para novelas.