A nostalgia e a saudade dos velhos tempos são fenômenos estudados pela psicologia já faz algum tempo. Se conectar emocionalmente ao passado futebolístico muitas vezes nos rende falsas conclusões, como que “o futebol naquela época era muito melhor” e que “o futebol ficou chato”. Durante nossas vidas, as lembranças ruins começam a se esvaecer e as boas ficam, criando uma realidade melhor e mais feliz, que na verdade nunca existiu dessa maneira. Porém, com singularidades que refletiam bem o espírito de sua época, Mario Frustalupi bem que faz valer a frase “não se fazem mais craques como antigamente”.
Mario nasceu em Orvieto, na Úmbria, bem no meio da II Guerra Mundial, e já com seis anos era espetacular jogando futebol. Durante sua infância, também chamava atenção por ser franzino demais: Mariolino provavelmente não seria um jogador profissional. Aos 10 anos de idade, participou de uma peneira na Lazio e o técnico lhe disse “Meu garoto, você está reprovado. É muito pequeno, frágil. Volte aqui mais tarde”.
Ao longo de sua adolescência, enquanto jogava na Orvietana, time de sua cidade natal, ouviu a mesma coisa nas peneiras do Genoa e do Milan. Cercado por desconfiança, Frustalupi continuou a trabalhar, perseverante e aplicado, como seria sua marca registrada no futebol profissional. O destino lhe sorriu e a Sampdoria resolveu lhe chamar, dando início à sua bela história nas canchas itálicas.
Seu primeiro ano foi dedicado apenas à transição dos juvenis para os profissionais. Para ter mais tempo de jogo na campanha seguinte, foi emprestado ao Empoli por uma temporada. Depois de uma boa experiência na Serie C, Frustalupi voltou para Gênoa e começou uma sequência incrível de oito temporadas consecutivas jogando na Samp, sendo inclusive o capitão do time ao final de sua passagem.
Na Ligúria, o franzino jogador de 1,66m e apenas 66kg se tornou um exímio meio-campista, ditando o ritmo do jogo e também carregando a bola. Frustalupi ajudou a Samp, que ainda não tinha a força de outros tempos, a se salvar do rebaixamento em seis temporadas e também ganhou um título da segundona, em 1967. Antes disso, em 1964-65, formou a segunda versão do “ataque atômico” doriano, ao lado do argentino Francisco Loiácono, dos brasileiros Angelo Sormani e China, além do compatriota Paolo Barison – retratados nessa ordem na foto acima.
No verão do Mundial do México, em 1970, Mariolino entrou na pauta de Juventus, Milan e Inter. O umbro escolheu os nerazzurri – era torcedor declarado da Beneamata – e recebeu a missão de substituir o ídolo Luis Suárez, que fez o caminho inverso e acertou com a Samp. Frustalupi, contudo, não viveu uma narrativa espetacular com a Inter, que na época era um dos times mais fortes no mundo. O técnico Gianni Invernizzi não considerava o pequenino como titular e, para piorar, Sandro Mazzola era o dono do outro setor em que poderia ser escalado. Depois de dois anos como reserva e um scudetto na conta, Mario foi para a capital e participou de uma das maiores glórias da Lazio.
O jogador fora envolvido em uma troca envolvendo a ida de Giuseppe Massa para Milão. Como o atacante era um ídolo biancoceleste, a recepção de Frustalupi em Roma foi gélida. Já balzaquiano, era visto como um esportista prestes a se aposentar, que não daria frutos à equipe. A única característica que dava motivos para sua nova torcida comemorar era seu sobrenome, que pode ser traduzido como “chicoteia lobos”. Um belo canto a ser entoado para alfinetar os rivais romanistas no Derby della Capitale.
Seu primeiro ano na Cidade Eterna começou de forma complicada, principalmente por problemas de adaptação. Não conseguia render bem na posição designada pelo célebre Tommaso Maestrelli que, de forma inteligente, trouxe adaptações que fariam o time jogar com desenvoltura e polidez. A Lazio teve uma sequência de oito vitórias consecutivas na Serie A 1972-73 e terminou em uma surpreendente terceira colocação – principalmente para uma equipe recém-promovida.
Frustalupi chamava atenção não só pelo físico mas também por ser cerebral. Assumia o papel de mente pensante da Lazio e, mesmo tendo idade avançada, tinha um valor inestimável para o elenco. Em 1973-74, as águias celestes finalmente conquistaram o primeiro scudetto de sua história, com Mariolino ditando o ritmo de jogo e participando de todas as partidas, quase como um treinador, sabendo observar e achar o ponto fraco de todo e qualquer adversário. Nunca foi de marcar gols, mas constantemente dava assistências aos seus companheiros.
Contudo, um dos maiores mistérios na história do futebol italiano é como esta esquadra conseguiu ser campeã. As discussões nos bastidores eram intermináveis, de forma que tiveram que criar dois vestiários no centro de treinamento. Jogadores de uma facção eram proibidos de entrar no vestiário oposto. Alguns atletas eram viciados em jogos de azar e outros ostentavam armas de fogo. Eram verdadeiros bad boys.
De um lado, Giorgio Chinaglia, Giancarlo Oddi, Pino Wilson e do outro, Luciano Re Cecconi, Luigi Martini e Franco Nanni. Os treinos eram piores do que os jogos, sempre com os mesmos times jogando entre si. Chegou a ser dito que as caneleiras eram artigo opcional aos domingos, já que o coletivo da quinta-feira precedente faria a rodada do fim de semana parecer um treino recreativo.
Em um confronto contra o Ipswich Town pela Copa Uefa em 1973, o árbitro (supostamente bêbado) marcou um pênalti inexistente em pleno Olímpico, causando ira, confusão e pancadaria nos vestiários. A Lazio dos bad boys foi banida das competições continentais por um ano, o que impediu o time de disputar a Copa dos Campeões na temporada posterior.
Embora frequentasse diariamente um treino que parecia uma versão em pequena escala dos Anos de Chumbo na Itália, Mariolino era um homem carismático e não se envolveu em problemas com nenhum dos dois grupos proeminentes na equipe. Com ironia ímpar e grande experiência, era o jogador que conseguia sobreviver naquele caos sem precisar colaborar na ala de Re Cecconi ou na de Chinaglia.
Na época, o jogador deu uma entrevista de rara lucidez e eloquência no cenário futebolístico, demonstrando o porquê de seu reconhecimento. Frustalupi disse ao repórter Franco Melli: “Os jogadores de futebol, chamados heróis do domingo, na verdade são eternas crianças, que precisam se sentir importantes, indispensáveis, recebendo o máximo de atenção e afeto. Eu me incluo neste grupo, absorvi essas coisas ruins, com tanto tempo envolvido nessa categoria”, afirmou.
Durante o papo com o jornalista, Mariolino também comentou sua passagem frustrada pela Inter. Foi um raro relato sincero, ainda que no futebol daqueles tempos isso fosse mais possível do que hoje, em tempos de media training. “Me irritava ficar no banco em Milão. É muito ruim ver os outros jogando, mais velhos, mais novos ou da sua idade. É triste se sentir excluído, parece que o mundo está desabando sobre você no instante que o técnico comunica a escalação e o seu sobrenome não é mencionado. Não escutem aqueles que dizem que sempre esperarão sua vez, com uma santa paciência. Reservas sempre se sentirão como condenados do inferno, odiados prisioneiros da injustiça. De qualquer forma, de segunda a sábado, não descontarei meu rancor nos meus companheiros de equipe. Tentava achar outras coisas para fazer, me ocupar para então esquecer o cruel domingo”, confessou.
Frustalupi, porém, nunca mais sentiria a sensação de ser excluído em campo. Fora dele, sim. Na temporada posterior, Maestrelli foi diagnosticado com um câncer em estágio terminal, e o elenco da Lazio foi desmantelado. Frustalupi mais uma vez foi considerado “velho demais” e foi repassado ao Cesena juntamente a Oddi. No novo clube, a dupla conseguiu um dos maiores feitos de suas carreiras, ao levar a modesta formação romanhola à Copa Uefa, em 1975. Os dois jogaram com esplendor, reafirmando aos antigos dirigentes o seu gigantesco erro.
Os alvinegros não repetiram a campanha do sexto posto na Serie A e foram rebaixados logo em seguida. Frustalupi, já com 35 anos, acabou cedido à Pistoiese, recém-promovida à segunda divisão. O corpo praticamente não aguentava, mas sua inteligência jamais o deixaria na mão. Depois de passar a primeira temporada toscana convivendo com as lesões, o umbro ainda tinha uma última carta na manga.
Em 1979-80, Frustalupi fez o time jogar como nunca. A Pistoiese, então, terminou a temporada à frente de Samp, Palermo, Genoa e Cesena, alcançando uma inédita promoção à elite. O incansável e fiel Mariolino fez com que a pequenina equipe jogasse sua única Serie A na história. Com 39 anos, participou com louvor de 23 jogos pela olandesina na primeira divisão. Teve como companheiros o zagueiro Marcello Lippi e o meia brasileiro Luis Silvio, mas o rebaixamento não foi evitado. Após um incidente com um árbitro na reta final do campeonato, Mariolino foi expulso e decidiu se aposentar.
O ex-jogador resolveu continuar no time como um faz-tudo: oi dirigente, olheiro e técnico nas divisões de base da modesta agremiação. Frustalupi se afeiçoou bastante à cidade de Pistoia e, assim, uniu o útil ao agradável e aproveitou as chuteiras penduradas para poder se dedicar também à sua outra paixão: os carros.
Abriu uma concessionária da Lancia nos arredores de Pistoia e alternou entre as duas profissões até 1990, quando sofreu um desastre automobilístico. Era mais uma desventura para os integrantes daquele primeiro título italiano da Lazio.
Em 1975, os infortúnios dos laziali começaram com o adoecimento do técnico. A partir dali, foram tantos que alguns juram que o time fora amaldiçoado. No ano seguinte, Maestrelli veio a óbito. Um mês depois, também faleceu Re Cecconi, que foi atingido por um tiro no peito e morreu depois de uma trágica brincadeira – ele e alguns amigos simularam um assalto a uma joalheira.
Anos mais tarde, Chinaglia teve prisão decretada por falência e contabilidade fraudulenta, além de lavagem de dinheiro para a Camorra, em ocasiões distintas – precisou fugir do país e morreu de infarto em 2012, nos Estados Unidos. Pino Wilson também foi detido no escândalo Totonero de 1980. Por fim, o ex-goleiro Felice Pulici atuava como dirigente celeste e se envolveu no escândalo de passaportes falsos que abalou o futebol italiano, em 2001.
Tal qual Maestrelli, Re Cecconi e Chinaglia, Frustalupi morreu cedo. Mariolino estava viajando para ficar junto de sua família naquela fatídica Páscoa de 1990, quando seu carro colidiu com outro, que vinha em direção contrária. Ele e a família que estava no carro oposto morreram instantaneamente. Seu filho, Nicolò, hoje é o principal auxiliar técnico de Walter Mazzarri.
Mario Frustalupi
Nascimento: 12 de setembro de 1942, em Orvieto, Itália
Falecimento: 14 de abril de 1990, em San Salvatore Monferrato, Itália
Posição: meio-campista
Clubes: Sampdoria (1960-61 e 1962-70), Empoli (1961-62), Inter (1970-72), Lazio (1972-75), Cesena (1975-77) e Pistoiese (1977-81)
Títulos: Serie B (1967) e Serie A (1971 e 1974)