Um cântico ecoava nos jogos da Inter no fim da década de 1970 e na metade inicial da de 1980: “com Beccalossi e Pasinato nós vamos vencer o campeonato”, gritavam os torcedores. O primeiro citado era Evaristo Beccalossi, habilidoso meia-atacante nerazzurro; o segundo era Giancarlo Pasinato, meia pela direita que deu potência à Beneamata e a todos os clubes que defendeu. Em todos eles, levantou pelo menos um título, celebrando em três das quatro primeiras divisões do país.
Giancarlo Pasinato nasceu em Cittadella, cidade conhecida por, até hoje, ser cercada por uma muralha medieval. Ainda muito jovem, aos 16 anos, começou a sua carreira no Olimpia Cittadella, clube presidido por Angelo Gabrielli – fundador de uma das maiores siderúrgicas da Itália, que leva o seu sobrenome. Em 1973, os biancoverdi disputavam a sexta divisão italiana e se fundiram à Cittadellese para formar o time que, desde então, leva o nome da comuna.
Com a fusão, Pasinato passou a defender o Cittadella, que continuou a integrar o grupo regional do Vêneto na sexta categoria – realizada num modelo similar ao dos estaduais brasileiros. Na época, Giancarlo desempenhava dupla jornada, tendo Gabrielli como seu patrão em ambas: além dos campos, trabalhava numa das fábricas mantidas pelo magnata. Em 1974, o garoto chamou a atenção de clubes das divisões superiores e optou em definitivo pelo futebol quando rumou ao Treviso, da Serie D.
Logo de cara, o meia já ajudou o time celeste a ser campeão do Grupo C da quarta divisão, com direito a melhor ataque e segunda melhor defesa. Mostrando ser um volante de boa chegada ao ataque, Pasinato foi um dos grandes nomes do Treviso nas duas temporadas seguintes. Nelas, a equipe do Vêneto teve campanhas positivas na Coppa Italia de Semiprofisionais e na Serie C: ficou com o terceiro lugar de sua chave, em 1977.
O Treviso não conseguiu subir de divisão, mas Pasinato sim. Depois de 82 partidas e 10 gols pelos celestes, foi contratado pelo Ascoli, que estava na Serie B e tentava retornar à elite. O time marquesão conseguiu o feito com sobras, já que realizou uma campanha histórica: venceu 26 dos 38 jogos que realizou, conquistou incríveis 61 pontos e ainda marcou 73 gols, garantindo o acesso com sete rodadas de antecedência – feito só repetido pelo Benevento na temporada 2019-20. Os bianconeri foram campeões com 17 pontos de vantagem sobre Catanzaro e Avellino, que dividiram o vice. Giancarlo jogou 36 partidas e anotou cinco vezes.
A campanha espetacular do Ascoli treinado por Antonio Renna chamou a atenção de todo país e Pasinato atraiu os grandes clubes. Entre eles, foi a Inter que fez a proposta mais convincente para o presidente Costantino Rozzi. A Beneamata ofereceu a renovação do empréstimo do atacante Claudio Ambu e mais três jogadores – Angiolino Gasparini, Carlo Trevisanello e o veterano Pietro Anastasi, campeão europeu pela Itália em 1968. Dessa forma, Giancarlo, de 22 anos, chegava a Milão como parte da renovação do elenco conduzida pelo presidente Ivanoe Fraizzoli.
Na capital da Lombardia, Pasinato encontrou o técnico que potencializou o seu futebol: Eugenio Bersellini. O Sargento de Ferro se valeu da versatilidade, da potência física e da velocidade de Giancarlo para transformá-lo numa espécie de “falso quatro”. O número costuma ser utilizado por volantes na Itália, mas o treinador posicionava o vêneto à direita de uma linha de três meias centrais que davam suporte a Beccalossi. Enquanto Alessandro Scanziani e Gianpiero Marini tinham tarefas mais defensivas, Pasinato podia avançar livremente pela direita, superando os adversários de forma absoluta.
Essas características rapidamente renderam ao jovem o status de titular do time nerazzurro e também o posto de xodó da torcida: os interistas lhe deram o apelido de “Carro Armato”, termo utilizado na Itália para designar os tanques de guerra. Porém, batalhas não se vencem apenas com o poderio bélico: a parte estratégica é fundamental. E, como bom guerreiro, Pasinato combinava seus atributos físicos com a inteligência tática. Por isso, costumava estar bem posicionado para servir os companheiros com assistências e cruzamentos.
A primeira temporada de Pasinato pela Inter foi concluída com o quarto lugar na Serie A, que garantiu aos meneghini uma vaga na Copa Uefa – a equipe também foi eliminada nas quartas da Coppa Italia e da Recopa Europeia. O desempenho lhe permitiu ter chances na seleção B italiana, em amistosos contra Suíça e Alemanha Ocidental. Contudo, Giancarlo nunca recebeu uma convocação para a equipe principal da Nazionale.
Na Inter, porém, o meio-campista continuava rendendo em alto nível. Na campanha seguinte, inclusive, encontrou a glória: a Beneamata conquistou o seu 12º scudetto e ainda viu o Milan ser rebaixado por conta do escândalo de manipulação de resultados conhecido como Totonero. Pasinato disputou 27 das 30 partidas do campeonato e anotou dois gols, sobre Perugia e Pescara.
Depois do título, o futebol italiano passou por uma revolução: as fronteiras foram reabertas e os clubes da elite puderam adquirir jogadores estrangeiros, o que foi vetado pela Federação Italiana de Futebol – FIGC durante mais de uma década. A Inter foi ao mercado e adquiriu o austríaco Herbert Prohaska, que passou a dividir espaço com Pasinato e o volante Domenico Caso. Mesmo sem manter o posto de titular absoluto, o vêneto entrou para a história do clube ao anotar, contra a Udinese, o milésimo gol dos nerazzurri na Serie A em pontos corridos.
Na temporada seguinte, questões físicas e a contratação de Salvatore Bagni reduziram ainda mais a participação de Pasinato no elenco: ele se tornou um reserva útil para descansar os titulares. Ainda assim, conquistou a Coppa Italia em 1981-82, sendo peça importante nas quartas de final, contra a Roma, e na ida das semifinais, ante o Catanzaro. Giancarlo não foi relacionado para enfrentar o Torino nas partidas da decisão.
Em 1982, a Inter – que se vira o técnico Bersellini encerrar o seu ciclo e rumar ao Torino – aproveitou uma oportunidade: o zagueiro Fulvio Collovati, recém-campeão mundial pela Itália, havia sido rebaixado com o Milan para a Serie B e não iria permanecer no clube rossonero. A Beneamata, então, ofereceu ao rival o empréstimo de três jogadores de bom nível para ter o defensor. Enquanto Collovati vestiria o nerazzurro, Pasinato, o zagueiro Nazzareno Canuti e o atacante Aldo Serena aceitaram a camisa rossonera.
Pelo Milan, Giancarlo reencontrou tempo de jogo e o protagonismo. O vêneto foi o maestro do time na Serie B, contribuindo com 33 aparições, sete gols e 14 assistências na campanha do título – foram 18 passes para tentos, considerando também a Coppa Italia. Pasinato formou um poderoso setor de meio-campo com o prolífico volante Sergio Battistini e se transformou no garçom preferencial para Serena, Joe Jordan, Oscar Damiani e Giuseppe Incocciati. Com 54 pontos e 77 bolas nas redes, o Diavolo se reerguia e, em definitivo, voltava para a primeira divisão.
Com a missão cumprida pelos cugini, Pasinato retornou a uma Inter bastante modificada em relação a sua primeira passagem pela Pinetina – e com um meio-campo bem congestionado. O vêneto até conseguiu relativo espaço em 1983-84, mas esquentou o banco na temporada seguinte e encerrou a sua estadia no lado nerazzurro de Milão após 185 jogos e 11 gols.
Aos 29 anos, o tanque decidiu voltar para a cidade em que fizera história: Ascoli. Se a primeira experiência pelos marquesões terminou com título, a segunda não foi diferente. Pasinato conquistou a sua terceira Serie B como protagonista e devolveu os bianconeri à elite mais uma vez. Giancarlo foi utilizado pelo técnico Vujadin Boskov em 28 rodadas, mas no final da temporada sofreu um grave acidente de carro: saiu praticamente ileso, mas o seu joelho foi acometido. Para um jogador de futebol daqueles tempos, a situação não era simples. Na verdade, significava o fim de sua carreira em alto nível.
O meio-campista ficou dois anos afastado dos gramados, mas decidiu voltar à ativa em 1988. Pasinato recolocou as chuteiras para contribuir novamente com o Cittadella, de sua amada cidade natal. O tanque tinha sido campeão em todos os outros times que representara e só faltava festejar com a camisa grená, que lhe projetara como jogador. Essa lacuna foi preenchida logo na primeira temporada no retorno ao Vêneto.
O Citta disputava o Campeonato Interregionale – nome dado à Serie D naqueles anos – e conquistou o primeiro lugar do seu grupo, o que lhe garantiu o acesso à categoria C2. Pasinato era o capitão do time e se aposentou duas temporadas depois, com quase 35 anos, quando o time foi relegado novamente às competições regionais.
Fora dos gramados, Pasinato preferiu a discrição. Sete anos depois de se aposentar, resolveu ser treinador, mas só teve uma brevísima passagem pela Luparense, em 1998. Em 2001, foi assistente de Carlo Muraro – amigo, conterrâneo e ex-companheiro de Inter – no Legnano, da Serie C, e, na sequência, decidiu se dedicar às crianças. Desde então, comanda um projeto infantil no Union Campo San Martino, nos arredores de Cittadella. Em 2020, voltou aos holofotes através da Associação Italiana de Futebolistas – AIC, que o convidou para participar de um projeto em que ex-jogadores contam as suas histórias em eventos realizados em jogos dos campeonatos profissionais da Velha Bota.
Giancarlo Pasinato
Nascimento: 20 de setembro de 1956, em Cittadella, Itália
Posição: meio-campista
Clubes: Olimpia Cittadella (1972-73), Cittadella (1973-74 e 1988-91), Treviso (1974-77), Ascoli (1977-78 e 1958-86), Inter (1978-82 e 1983-85) e Milan (1982-83)
Títulos: Serie D (1975), Serie B (1978, 1983 e 1986), Serie A (1980), Coppa Italia (1982) e Campeonato Interregionale (1989)
Carreira como treinador: Luparense (1998)