Durante os anos 1990, o torcedor da Fiorentina foi do inferno ao céu e fez o caminho inverso algumas vezes. Desde a venda conturbada de Roberto Baggio, passando pelo rebaixamento e pela morte de seu presidente, Mario Cecchi Gori, até o reencontro com as glórias e o descobrimento de novos ídolos, como Gabriel Batistuta. Quem vivenciou aquele período se acostumou a ver a equipe violeta brigando por títulos, formando boas equipes e traçando caminhadas marcantes na Itália e em âmbito europeu, principalmente na segunda metade da década.
No entanto, o sucesso da Fiorentina teve um preço caro a ser pago. A conta por anos de alto investimento no elenco, somado aos escândalos pessoais de Vittorio Cecchi Gori, filho de Mario, assolaram Florença no início da década seguinte. Antes da derrocada financeira, que culminou na falência do clube, porém, a Viola conseguiu seu último ato heroico. Em 2001, indícios de que as coisas não iam bem nos bastidores já existiam, mas, mesmo assim, a equipe se superou dentro de campo e conquistou a sexta Coppa Italia de sua história.
A decisão, contra o Parma, foi simbólica. Não somente por se tratar de revanche pela final de dois anos antes, em 1999, mas também por representar o fim de uma era. Em tom de despedida, Rui Costa e Francesco Toldo atingiram o ápice de suas consagrações com o uniforme violeta. Já outros jogadores menos badalados, como Nuno Gomes, aproveitaram a nobre ocasião para marcar os nomes na história do clube. Naquele 13 de junho de 2001, os pouco mais de 37 mil presentes no estádio Artemio Franchi presenciaram a conquista da equipe principal da Fiorentina – a última da agremiação até o momento.
Trajetória tortuosa
Na primeira temporada sem Batistuta após uma década, a Fiorentina percorreu uma trajetória de altos e baixos. Se o craque argentino havia assinado contrato com a Roma, o então comandante da equipe violeta, Giovanni Trapattoni, assumiu a seleção italiana em julho de 2000. Para seu lugar, a direção da Viola apostou em um estrangeiro: Fatih Terim, turco e campeão da Copa Uefa com o Galatasaray, meses antes. Terim se tornava o primeiro treinador não italiano do time de Florença desde o brasileiro Sebastião Lazaroni, em 1992.
No entanto, a relação entre o comandante turco e o presidente da Fiorentina, Vittorio Cecchi Gori, jamais foi amena. O temperamento forte de Terim se refletia em campo, através de seu futebol agressivo. A torcida gostava. O primeiro grande resultado veio em setembro de 2000, logo no início da trajetória. Diante da Salernitana, na fase oitavas de final, Rui Costa deu três assistências para o compatriota Nuno Gomes e a Fiorentina venceu o jogo de ida por 5 a 0. Na partida de volta, uma semana depois, nova vitória dos florentinos, dessa vez por 3 a 1. Vale dizer que os gigliati entraram diretamente na fase de oitavas por conta da boa campanha na Serie A da temporada anterior.
Sem Batistuta no comando de ataque, a Viola apostou em alguns nomes para tentar suprir a ausência do goleador argentino: Enrico Chiesa, Leandro Amaral e o próprio Nuno Gomes foram utilizados na função de centroavante. E todos balançaram as redes na campanha vitoriosa da Coppa Italia.
Após eliminar a Salernitana, o adversário foi o Brescia. O time de Roby Baggio (machucado naquele momento), não foi páreo para a fase inspirada do ataque violeta. Com dois de Chiesa, mais dois do brasileiro Leandro e contribuições de Mauro Bressan e Rui Costa, a Fiorentina aplicou um sonoro 6 a 0, no Franchi, em novembro de 2000.
No jogo de volta, o Brescia venceu por 3 a 1, mas não impediu a classificação da Viola para as semifinais da Coppa Italia. O adversário, em busca de uma vaga na final, era o Milan, do treinador Alberto Zaccheroni. No entanto, antes das partidas decisivas, ambos se encontram pelo Campeonato Italiano. No dia 13 de janeiro de 2001, uma semana antes do confronto de ida da semifinal, a Fiorentina venceu por 4 a 0, em duelo da 14ª rodada da Serie A. Este foi o ápice de Terim à frente da equipe violeta. Com um futebol ofensivo, que agradava a torcida, o turco se sustentava no comando, naquele momento, apesar das rusgas com a diretoria.
A principal discordância dizia respeito aos investimentos futuros no elenco. Sem garantias claras de que teria um plantel forte por parte de Cecchi Gori – que sabia da situação financeira calamitosa do clube – o treinador anunciou, no dia 19 de janeiro, que não renovaria seu contrato com a Viola após o término da temporada. A notícia caiu como uma bomba no Franchi, seis dias depois da goleada imposta ao Milan – e às vésperas da fase semifinal da Coppa Italia.
O ídolo da Fiorentina, Giancarlo Antognoni, que na época era diretor da equipe, chegou a afirmar, após a declaração de Terim, que aquele era “o dia mais triste para o clube desde o rebaixamento à Serie B, em 1993”. Antognoni ainda garantiu que a Viola não deixaria o técnico ir embora e acionaria uma cláusula no contrato do comandante turco para impedi-lo de deixar Florença.
Apesar deste clima tenso nos bastidores, os gigliati conseguiram superar o Milan, novamente, para alcançar a décima final de Coppa Italia de sua história. No primeiro jogo, em San Siro, Chiesa e Bressan colocaram a equipe roxa duas vezes à frente do placar. Contudo, os rossoneri foram buscar o empate por 2 a 2, o que deixou a decisão da vaga para o duelo de volta, em Florença.
No Franchi, Rui Costa brilhou mais uma vez. O português assistiu Chiesa para o primeiro e ainda marcou o segundo, e derradeiro, gol da partida. Em menos de um mês, a Fiorentina havia batido o Milan em duas oportunidades – e de forma contundente. No entanto, a estadia de Terim na Toscana durou pouco a partir da classificação: somente três jogos, para ser exato. Após eliminar os rossoneri, o time violeta perdeu para o Parma por 1 a 0 para o Parma, seu futuro rival na final da Coppa Italia, e empatou com Reggina e Brescia – estendendo uma sequência de seis jogos sem vencer no Italiano. Já desgastado com a sociedade Viola, Terim encerrou seu casamento com o clube após apenas 28 jogos, mas deixando um legado importante e, principalmente, uma vaga na final de um torneio nacional.
A saída do turco foi impactante. O ídolo e capitão do time, Rui Costa, foi um dos que não reagiu bem à notícia. “Estou desiludido, amargurado e triste. Os anos passam mas aqui, em Florença, acontecem sempre as mesmas coisas, acontecem os mesmos erros”, disse o português, que já ensaiava aí uma despedida do clube. O meia não concordou com a mudança de comando àquela altura da temporada e ainda reclamou do fato de sequer ter podido se despedir do treinador.
Para o lugar de Terim, a Fiorentina anunciou o jovem Roberto Mancini, que vinha de uma trajetória curiosa. O italiano, aos 36 anos, havia se aposentado dos gramados em 2000, após conquistar três títulos com a Lazio. Mancini, então, se tornou auxiliar da própria equipe romana, atuando ao lado do técnico sueco Sven-Göran Eriksson. Entretanto, um convite do Leicester em 2001 o seduziu, e ele voltou aos gramados para vestir a camisa 10 do clube inglês. A empreitada não deu certo e, após somente um mês e quatro partidas, Mancio rescindiu seu contrato com os Foxes. Decidiu, depois, aceitar a oferta de assumir o comando da Viola, já na reta final da temporada 2000-01. E mesmo chegando com o bonde já em movimento, o italiano conseguiu erguer mais uma taça – a sua primeira na carreira de treinador.
A decisão contra o Parma
Enfrentar o Parma na final da Coppa Italia não era somente mais um compromisso para a Fiorentina. A equipe da Emília-Romanha estava entalada na garganta dos torcedores do time de Florença, após o título, no mesmo torneio, dois anos antes. Na temporada 1998-99, a Viola foi “derrotada” na decisão sem sequer… perder. O Parma acabou campeão com dois empates, se fazendo valer da regra do gol fora de casa: no Ennio Tardini, 1 a 1. No Artemio Franchi, 2 a 2, com gol de Paolo Vanoli, já no segundo tempo, dando o título aos visitantes.
Numa dessas finas ironias da vida, o mesmo Vanoli, em 2001, passaria de vilão a herói para a torcida gigliata. Com a exótica camisa cinza da Fiorentina, o lateral-esquerdo marcou contra seu antigo clube, dando a vitória à Viola no primeiro duelo da decisão, em 24 de maio. Novamente no Tardini, o empate sem gols parecia inevitável. O Parma era melhor no jogo, mas parava em uma excelente atuação do goleiro Toldo. Eis que, aos 42 minutos da etapa final, um cruzamento de Bressan pela direita, após bate-rebate, encontrou a cabeça de Vanoli, se aventurando na área ofensiva. Este gol deu a vantagem ao time violeta para o embate da volta, no Franchi.
Em 13 de junho, mais de 37 mil pessoas encheram as arquibancadas do estádio em Florença. Mancini mandou a campo exatamente a mesma formação do jogo de ida. Mas o salvador da Fiorentina, e guardião do título, só iria a campo após o intervalo….
Novamente, o primeiro tempo foi de amplo domínio do Parma, que se expôs ainda mais em busca do empate no confronto. E os visitantes obtiveram sucesso, diante de uma Fiorentina mais preocupada em se defender, mas que ensaiava alguns contragolpes. Aos 38 minutos, o brasileiro Júnior fez uma excelente jogada pelo lado esquerdo e cruzou para Savo Milosevic, que bateu de primeira. A bola ainda beijou o poste esquerdo do gol de Toldo antes de entrar.
Do outro lado, Rui Costa, magistral, colocou os companheiros diversas vezes na cara do gol. Apesar de contar com uma dupla de zaga de respeito, formada por Lilian Thuram e Fabio Cannavaro, o Parma concedia muitos espaços à equipe da casa, justamente por estar atuando atrás no marcador. Contudo, a Viola não soube aproveitar este panorama, desperdiçou algumas chances e ainda acabou sofrendo mais com a pressão do adversário.
Precisando somente do empate para garantir o título, Roberto Mancini mandou a campo o português Nuno Gomes, no lugar de Emiliano Moretti. Substituição ousada, sacando um defensor para colocar um atacante. Logo de cara, na segunda etapa, o panorama parecia ser negativo para os donos da casa. Mais intenso, o Parma criou oportunidades para fazer o segundo gol e, quem sabe, matar o confronto. Mas Toldo seguiu com uma atuação irretocável. Somente aos 20 minutos, a Fiorentina fez seu torcedor respirar nas arquibancadas. Passe milimétrico de Chiesa, que Nuno Gomes não desperdiçou. O português mandou um foguete, de primeira, de perna direita e venceu o goleiro Matteo Guardalben.
Assim como no jogo de ida, uma alteração de Mancini na etapa final fez a diferença. No Tardini, Bressan entrara aos 30 e achara a assistência decisiva nos minutos finais. Em Florença, o português Nuno Gomes arrancou o grito definitivo da torcida. Após empatar o jogo, a Fiorentina sofreu um pouco menos. Dessa vez, a taça ficaria no estádio Franchi e não voltaria para Parma com a equipe visitante.
Título e fim de uma era
O apito final do árbitro Massimo De Santis levou as arquibancadas ao êxtase. Foi, também, o som final das passagens de duas lendas da Fiorentina: Toldo e Rui Costa. O primeiro, com algumas de suas melhores atuações da carreira tanto no primeiro quanto no segundo jogo da final. Já o português, com um torneio exuberante: dois gols, cinco assistências e uma liderança mais consolidada. Sem Batistuta para, de certa forma, dividir as glórias, o camisa 10 tomou para si todo o protagonismo. De quebra, ergueu o troféu. O sexto da história do clube em dez finais na Coppa Italia.
Seu compatriota, Nuno Gomes, se tornou o herói do jogo. Dos 20 gols que marcou com a camisa Viola, sem dúvidas, este foi o mais importante. Já Chiesa não deixou sua marca nos duelos finais, mas deu o passe decisivo para o tento do título do centroavante português. Isso sem contar o fato de que o italiano foi artilheiro do time na competição com cinco bolas nas redes. Curiosamente, carente do talento nato de Batistuta, o poderio ofensivo não foi problema para a Fiorentina logo no primeiro ano. Só que isso iria mudar….
O troféu erguido em junho de 2001 simbolizou o fim de uma era. Foi a honraria final, que premiou uma equipe forte e competitiva por pouco menos de uma década. A partir daí, tudo ruiu. Não somente por conta das saídas de Rui Costa (para o Milan) e de Toldo (para a Inter), mas também pela continuidade dos problemas que o próprio capitão português já apontava antes mesmo de erguer a taça.
A instituição foi traída e assaltada por seu próprio dono. Cecchi Gori, que naquele período já estampava as manchetes policiais, largou o clube às traças. Rebaixado e falido, com o patch de campeão da Coppa Italia no peito. Esta foi a Fiorentina da temporada 2001-02, e que certamente todos os fãs em Florença tentam esquecer. A última imagem de glória é, justamente, a de Rui Costa erguendo o troféu no Artemio Franchi, ostentando a camisa violeta e o sorriso no rosto. Tempo demais para uma equipe tão tradicional e para uma torcida tão apaixonada.
Fiorentina 1-1 Parma
Fiorentina: Toldo; Repka, Adani, Pierini, Moretti (Nuno Gomes); Rossi, Di Livio, Amaral, Vanoli (Bressan); Rui Costa; Chiesa (Lassissi). Técnico: Roberto Mancini.
Parma: Guardalben; Thuram, Sensini, Cannavaro; Sartor (Fuser), Lamouchi, Almeyda (Appiah), Júnior; Micoud (Mboma); Di Vaio, Milosevic. Técnico: Renzo Ulivieri.
Gols: Nuno Gomes (65’); Milosevic (38’)
Cartões amarelos: Pierini e Di Livio; Thuram, Cannavaro, Almeyda e Lamouchi
Árbitro: Massimo De Santis (Itália)
Local e data: estádio Artemio Franchi, Florença (Itália), em 13 de junho de 2001