Entre o final da década de 1990 e o início dos anos 2000, a Itália contava com uma grande safra de defensores. Nomes como Christian Panucci, Alessandro Nesta, Paolo Maldini, Ciro Ferrara e Fabio Cannavaro foram presença constante no selecionado nacional, e deram poucas brechas para concorrentes. Dono de quase 300 partidas pela Juventus, Mark Iuliano aproveitou algumas dessas oportunidades e chegou a vestir a camisa da Squadra Azzurra, disputando inclusive a final da Eurocopa 2000. Apesar disso, jamais teve o mesmo destaque de seus contemporâneos.
Natural de Cosenza, na Calábria, com o pomposo nome de Mauro Franco Fausto Mark, Iuliano cresceu um pouco mais ao norte, nos arredores de Salerno. O defensor começou sua trajetória profissional justamente no clube da cidade: a Salernitana, que disputava a Serie B na temporada 1990-91. O jogador lembra bem de sua estreia, como recordou em uma entrevista, mais de 20 anos depois: “Como esquecer? Era 21 de abril de 1991, Serie B, Messina e Salernitana, 1 a 1. Estava muito feliz. Eu era torcedor daqueles jogadores com os quais fui jogar junto. Tinha apenas 17 anos e, para mim, era o máximo. Tenho recordações belíssimas daquele ano que, infelizmente, terminou com uma grande decepção após o playout contra o Cosenza”, disse.
Iuliano atuou nos jogos finais da temporada que determinaram a queda da bersagliera para a Serie C1. Na categoria inferior, porém, Mark teve mais oportunidades. Sob o comando de Giovanni Simonelli, o defensor foi uma das apostas da equipe ao lado de nomes promissores, como Gianluca Grassadonia – que viria a ter uma longa carreira por time das divisões inferiores. O calabrês atuava como lateral-direito e foi só a partir da chegada do ex-zagueiro Tarcisio Burgnich que passou a jogar como beque central. Com o novo técnico, os grenás até melhoraram de rendimento, mas não conquistaram o acesso.
Sua primeira passagem no clube de coração foi curta. Apenas 30 partidas na equipe granata foram suficientes para alavancar a carreira do defensor, que foi negociado com o Bologna, então na Serie B. Com apenas 20 anos, Iuliano já era uma fortaleza defensiva de difícil superação, especialmente pelo alto. Mark era um dos bons nomes de um time que contava com outros grandes jogadores, como Gianluca Pessotto, Marco Baroni, Pasquale Padalino, Massimo Bonini, Paolo Stringara, Giuseppe Incocciati e Kubilay Türkyilmaz. Mesmo com tantos atletas gabaritados, os veltri fizeram uma campanha terrível e foram rebaixados à terceira divisão.
Iuliano acabou permanecendo na segundona. O calabrês foi negociado com o Monza, mas sua sina não mudou. O elenco dos brianzoli era muito mais modesto e nem mesmo o experiente técnico Nedo Sonetti foi capaz de dar algum padrão à equipe. Ao integrar novamente um time que não conseguiu se encaixar, Iuliano acumulou seu terceiro rebaixamento consecutivo. Para sua sorte, as saudades que deixara na Campânia eram muitas e a Salernitana, sob o comando de um iniciante Delio Rossi, resolveu repatriar o seu prata da casa para a disputa da Serie B.
Nas palavras do zagueiro, Rossi buscava um estilo de jogo arrojado, como o de Zdenek Zeman, e isso expunha a defesa. Por outro lado, isso o colocava em evidência. Sendo assim, ao lado de Grassadonia e Salvatore Fresi, além do goleiro Antonio Chimenti, Iuliano foi um dos destaques da Salernitana em 1994-95. No ano seguinte, Mark se manteve como titular e em alto nível, sendo um dos protagonistas no esquema mais cauteloso do técnico Franco Colomba.
Nas duas temporadas em que o beque ficou em Salerno, sua equipe conseguiu bons resultados, mas acabou ficando a um pequeno passo de conseguir o acesso. Em ambas as campanhas, o time grená ficou com a quinta posição da Serie B, poucos pontos atrás das classificadas à elite. As apresentações do zagueiro, entretanto, chamaram a atenção da Juventus. Iuliano foi contratado logo após o título europeu bianconero, em 1996.
Em um ano, Mark trocou a sina de rebaixamentos para a terceira divisão pelo scudetto e pelas taças da Supercopa da Uefa e do Mundial Interclubes. “Jamais esquecerei minha estreia na Juventus. Foi em um duelo contra o Manchester United, na Champions League. O Delle Alpi estava cheio, nós vencíamos e eles atacavam. [Marcello] Lippi me pediu para tirar o agasalho, minhas pernas tremiam… mas, quando entrei em campo, tudo mudou e tentei dar o meu melhor”, disse o jogador.
Aquele foi apenas o começo de uma trajetória de 278 jogos com uma das principais camisas da Europa, numa caminhada que durou oito anos e meio. Justo em sua campanha de debute, Mark teve sua temporada mais vencedora em Turim, concluída com os títulos da Supercopa Uefa, do Mundial Interclubes e da Serie A. “A única sensação ruim foi a final em Munique [a derrota da Juventus para o Borussia Dortmund, na decisão da Champions League]. Apesar disso, foi uma bela lembrança para mim, considerando que no ano anterior joguei na Serie B”, completou Iuliano.
No ano seguinte, Iuliano e a Juventus conquistaram mais um scudetto, numa campanha que ficou marcada por uma jogada entre o defensor e o brasileiro Ronaldo, então na Inter. As duas equipes brigavam pelo título e faziam um confronto direto, quando num lance fortuito, Ronaldo e Iuliano travaram um embate dentro da área. Os nerazzurri pediram pênalti pelo choque, julgando que o movimento do zagueiro foi faltoso, mas o árbitro Piero Ceccarini não assinalou nada. Na sequência do lance, ainda houve uma penalidade para a Juventus, que Gianluca Pagliuca acabou defendendo. A Velha Senhora ganhou o jogo, faturou o título e, até hoje, Ceccarini defende sua decisão.
Logo após o Mundial de 1998, Iuliano foi convocado pela primeira vez para a Squadra Azzurra e fez a primeira de suas 19 aparições pela Nazionale num amistoso contra País de Gales. Naquele mesmo ano, o defensor retornou à Salerno, dessa vez como adversário. O jogo, válido pela Serie A, terminou com derrota juventina e Iuliano expulso. Mas a Salernitana, que tinha Gennaro Gattuso, Marco Di Vaio, Rigobert Song e Davide Di Michele acabou rebaixada, para a tristeza do defensor. A temporada dos bianconeri também foi ruim: troca no comando (Lippi foi demitido e deu lugar a Carlo Ancelotti), sétima posição na Serie A, vice na Supercopa Italiana e queda nas semifinais da UCL e nas quartas da Coppa Italia.
Com a camisa bianconera, Iuliano foi titular por anos consecutivos e conquistou 10 títulos no total. Depois de fazer 42 partidas em 1999-2000, o zagueiro acabou sendo chamado para disputar a Euro daquele ano na condição de titular da equipe comandada por Dino Zoff. Embalado por um gol num amistoso contra Portugal, em abril de 2000, Mark disputou todos os jogos dos azzurri na competição.
Apesar de não ter ido tão bem quanto os colegas, continuou a ter espaço na seleção com Giovanni Trapattoni até 2002, e chegou a disputar uma partida na Copa do Mundo. Em substituição a Cannavaro, Iuliano atuou exatamente na fatídica eliminação contra a Coreia do Sul, num jogo protagonizado pela desonestidade do árbitro Byron Moreno.
A partir de 2004, Iuliano começou a perder espaço na Juventus – mesmo nas campanhas dos scudetti de 2002 e 2003, já era coadjuvante. Em janeiro de 2005, então, foi negociado com o Mallorca, que era treinado por Héctor Cúper. Durante sua passagem de um ano (e 29 jogos) pela Espanha, Iuliano reencontrou um antigo adversário: Ronaldo, então no Real Madrid. Só que, diferentemente do encontro de 1998, que selou o título da Vecchia Signora, o brasileiro levou a melhor – e o italiano ainda acabou sendo expulso.
A aventura espanhola durou pouco. Depois de ajudar os bermellones a se salvarem do rebaixamento, Iuliano retornou à Itália no meio da temporada 2005-06, transferido à Sampdoria. Em Gênova, colecionou um fracasso: pouco considerado pelo técnico Walter Novellino, atuou em apenas quatro partidas e não teve o contrato renovado. Em 2006-07, o calabrês rumou ao Messina, que permanecera na primeira divisão em virtude dos desdobramentos do escândalo Calciopoli, que terminou com o rebaixamento da Juventus. Apesar disso, os peloritani não tiveram a mesma sorte na campanha posterior e Mark teve de amargar um novo descenso, dessa vez segurando a lanterna do campeonato.
Depois da queda, o zagueiro de 34 anos não conseguiu mais espaço na elite e decidiu jogar na segundona: acertou com o Ravenna. Em 2008, quando atuava no clube giallorosso, Iuliano foi flagrado no exame antidoping pelo uso de cocaína, o que antecipou sua aposentadoria do futebol profissional, uma vez que acabou tendo de cumprir uma suspensão de duas temporadas. A grande mancha em sua carreira foi lembrada pelo jogador como um erro em um momento pouco feliz.
“Estava em um período ruim, fechado. Cometi um erro e arquei com as consequências. Hoje me encontrei, encontrei sensações que havia perdido, começando novos capítulos do zero. Por um lado fico feliz pelo que aconteceu, porque me fortaleceu. Nem sempre só o bom serve para fortalecer. Claro que, em termos de imagem, foi terrível. Mas até os períodos negativos moldam uma pessoa e eu, com quase 40 anos, sou feliz de ser quem sou”, afirmou o ex-jogador.
Depois de cumprir seu gancho, Iuliano voltou aos campos pela sétima divisão nacional. O zagueiro atuou por dois anos pela amadora San Genesio até pendurar de vez as chuteiras, com quase 39 anos. Já aposentado, Mark chegou a iniciar sua carreira como treinador, primeiramente nas categorias de base de clubes como Pavia e Latina. Sua primeira experiência como profissional foi no próprio Latina, em substituição a Roberto Breda, amigo e ex-colega na Salernitana. Iuliano também treinou Como e o Partizani, da Albânia, mas só teve passagens curtas e sem muito sucesso.
Em 2018, o ex-zagueiro reapareceu como auxiliar de Igor Tudor na Udinese. Atuar como “sombra” do seu ex-companheiro de Juventus acabou sendo o seu último trabalho à beira do campo. À espera de novos chamados, Mark sonha em retornar para Salerno e comandar o seu time de coração. Porém, fora do mercado por tanto tempo, precisará se repaginar.
Mauro Franco Fausto Mark Iuliano
Nascimento: 12 de agosto de 1973, em Cosenza, Itália
Posição: zagueiro
Clubes como jogador: Salernitana (1990-92 e 1994-96), Bologna (1992-93), Monza (1993-94), Juventus (1996-2005), Mallorca (2005-06), Sampdoria (2006), Messina (2006-07), Ravenna (2008) e San Genesio (2010-12)
Títulos conquistados: Supercopa Uefa (1996), Copa Intercontinental (1996), Serie A (1997, 1998, 2002 e 2003), Supercopa Italiana (1997, 2002 e 2003) e Coppa Intertoto (1999)
Clubes como treinador: Latina (2015), Como (2017) e Partizani (2017)
Seleção italiana: 19 jogos e 1 gol