Cartolas

Maior presidente do Bologna, Renato Dall’Ara morreu em horas decisivas para o clube

Primavera, quase verão, 1964: depois de exatos 23 anos, o Bologna estava muito perto de voltar a conquistar um Campeonato Italiano. Contudo, a equipe da Emília-Romanha empatara no topo da tabela com a Inter, dona dos mesmos 54 pontos. Dessa forma, para carimbar o campeão da temporada, seria necessário um jogo de desempate – pela primeira e única vez na história do futebol itálico.

Quatro dias antes da decisiva partida, em 3 de junho, um encontro reunia Renato Dall’Ara, presidente do Bologna; Angelo Moratti, mandatário da Inter; e Giorgio Perlasca, responsável por comandar a Lega Nazionale Professionisti, a popular Lega Calcio, órgão responsável por dirigir as duas maiores divisões do futebol da Itália na época. O clima era tão tenso quanto o desenrolar de uma campanha apimentada pela acusação de doping feita a jogadores rossoblù – que resultara numa punição de 3 pontos, posteriormente cancelada. Daquela vez, os dirigentes discutiam sobre a divisão da renda do jogo extra, a ser disputado em Roma.

Em plena troca de ideias, em uma tarde quente em Milão, Dall’Ara sofreu um infarto fulminante e morreu aos 71 anos. O dirigente dos petroniani veio a óbito nos braços de Moratti, como salientou a Domenica del Corriere, semanal tocado pelo Corriere della Sera. O Presidentíssimo, como era carinhosamente conhecido, não poderia acompanhar sua equipe levantar, quatro dias depois, o cobiçado troféu após uma vitória por 2 a 0, no Olímpico de Roma.

A morte de Renato Dall’Ara (1892-1964) decretou o fim de um mandato de 30 anos, nos quais o cartola se converteu no responsável pela mais longa e vitoriosa gestão da história do clube. Não foi à toa que o seu funeral, no dia 5 de junho, reuniu uma multidão muito maior do que a dos shows que Gianni Morandi fazia à época. Para o povo de Bolonha, o Presidentíssimo era tão ou mais popular que o mais badalado cantor italiano do momento, nascido nos arredores da cidade.

Capa de jornal – clique para ver a arte completa – ilustra a morte de Dall’Ara nos braços de Moratti (Domenica del Corriere)

Dall’Ara montou os dois times mais importantes da história do Bologna

Natural de Reggio Emilia, Dall’Ara mudou-se no início da vida adulta para Bolonha, capital da Emília-Romanha, localizada a cerca de 65 km de sua cidade natal. Na nova morada, se estabeleceu como um empresário de origem humilde e logo enriqueceu graças a uma fábrica têxtil.

Apaixonado por futebol, influente e com uma boa posição econômica na região, Dall’Ara foi alçado pelo Partido Fascista ao cargo de comissário extraordinário do Bologna e, depois, à presidência rossoblù, em 1934. Naquela época, os políticos tinham o interesse de colocar homens de negócio populares à frente de clubes de futebol. Na ditadura fascista, não era possível recusar investiduras e Renato, que nada entendia de esporte e nem mesmo era um militante da nefasta ideologia, ocupou a função.

Durante os primeiros anos de seu mandato, a equipe contou com o técnico húngaro Árpád Weisz e, depois, com o alemão Hermann Felsner. Nesse período, conquistou quatro vezes a Serie A, em 1936, 1937, 1939 e 1941. Também faturou o importante Troféu Internacional da Expo Universal de Paris, em 1937, torneio amistoso organizado por causa da prestigiada exposição de artes e tecnologia na cidade.

Dall’Ara (direita) recebe o comunista Giuseppe Bozza, prefeito de Bolonha, em evento esportivo (Comune di Bologna)

Apesar de não ser um especialista na área esportiva, os triunfos emblemáticos no período entreguerras tornaram Dall’Ara uma figura respeitada, principalmente por criar “lo squadrone che tremare il mondo fa” ou, em português, “o esquadrão que faz o mundo tremer”. A alcunha pomposa marcou a melhor fase do clube, mas, ao mesmo tempo, o mandatário mantinha o hábito de utilizar frases emblemáticas num italiano simples. A sua fala, pontuada por alguns erros de utilização do vocabulário, lhe atribuía inestimável carisma e o aproximava da população bolonhesa.

Depois da Segunda Guerra Mundial e da consequente crise do país, o clube demorou a figurar novamente entre os campeões: foi ofuscado por elencos estelares de Torino, Juventus, Inter e Milan, sediados respectivamente no Piemonte e na Lombardia, regiões mais ricas da Itália. Mas o Presidentíssimo seguiu firme no cargo e manteve o Bologna entre os melhores. Em toda a sua gestão, apenas em quatro temporadas o time rossoblù não terminou a Serie A no pelotão dos sete primeiros colocados.

O resultado da insistência veio em 1961, quando o dirigente usou o seu faro adquirido em anos de esporte e contratou o técnico Fulvio Bernardini. O novo treinador levou o Bologna imediatamente, já em sua temporada de debute, ao título da Copa Mitropa – competição criada no fim da década de 1920 e considerada precursora da Liga dos Campeões.

Bernardini comandava uma equipe formada por pratas da casa, como Giacomo Bulgarelli, Paride Tumburus e Ezio Pascutti, mas pontuada com reforços muito bem observados por Dall’Ara: Mirko Pavinato, Francesco Janich, Romano Fogli, Marino Perani, Helmut Haller e Harald Nielsen. Aquele time, diziam, praticava um futebol que “só se via no paraíso”.

Dall’Ara montou times vitorioso do Bologna, como o que levantou a Copa Mitropa, em 1962 (Wikipedia)

E foi do paraíso que Dall’Ara viu a sua amada equipe se sagrar campeã italiana, em 1964. O empresário havia passado a temporada 1963-64 quase inteira longe do estádio Comunale, por orientação médica: devido aos já conhecidos problemas cardíacos, não lhe eram aconselhadas as fortes emoções. Mesmo assim, foi ao duelo vencido contra a Lazio, na última rodada do campeonato. E também à fatídica reunião em que pereceu.

Inventivo, Dall’Ara não contribuiu apenas para o Bologna. Nos anos 1950, ele também ajudou a criar inovações que impactaram todo o futebol italiano. O Presidentíssimo é considerado como um dos responsáveis pela ideia de estabelecimento de uma sede fixa para a negociação de jogadores nos últimos dias da janela de transferências do calciomercato, embora Paolo Mazza, então presidente da Spal, e Raimondo Lanza di Trabia, mandatário do Palermo, tenham sido mais ativos na concretização deste intuito.

Para manter viva a memória do presidente, em 1983, quando a sua morte estava perto de completar 20 anos, a prefeitura de Bolonha decidiu homenageá-lo. Assim, rebatizou o estádio Comunale como Renato Dall’Ara. Nada mais justo que uma das praças esportivas mais belas e antigas da Itália recebesse o nome de um dos mais icônicos cartolas do país.

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