A Copa Intercontinental, desde o seu início, tem a particularidade de proporcionar raros encontros, dignos de jogos de videogame. Durante suas primeiras edições, quando não havia tanta disparidade técnica e econômica, no futebol era mais comum ver as equipes representantes das escolas sul-americanas medindo forças, de fato, com times de potências europeias, como aconteceu em 1964 e 1965. Naquelas ocasiões, a Inter, bicampeã da Copa dos Campeões, enfrentou o Independiente, da Argentina, também vitorioso por duas vezes seguidas na Libertadores. Os nerazzurri tiveram dificuldades, mas fizeram a Itália faturar os seus primeiros troféus do Mundial.
A Grande Inter, como ficou conhecida aquela equipe comandada pelo argentino Helenio Herrera, chegou ao topo da Europa aplicando o catenaccio na sua mais pura essência: um modelo de jogo sustentado por bom preparo físico, qualidade técnica e inteligência dentro de campo. Foi assim que a Beneamata derrotou o Real Madrid de Ferenc Puskás, Francisco Gento e Alfredo Di Stéfano pelo placar de 3 a 1, com dois gols de Sandro Mazzola e um de Aurelio Millani contra o solitário tento de Felo. Na final, a defesa italiana teve atuação muito segura e o ataque teve precisão, explorando bastante as ligações diretas e os chutes de longa distância.
Do outro lado do Atlântico, o Independiente garantiu a presença na competição após eliminar o Santos, que não teve o craque Pelé nas semifinais, e bater o Nacional, do Uruguai, pelo magro placar agregado de 1 a 0. A equipe de Avellaneda segurou o 0 a 0 em Montevidéu, contando com ótima atuação do goleiro Miguel Ángel Santoro, e, na volta, Mario Rodríguez marcou o gol que faria o Rei de Copas levantar sua primeira Libertadores da América.
Em setembro de 1964, houve o primeiro embate entre Inter e Independiente. Na época, o torneio era decidido em partidas de ida e volta e o primeiro encontro ocorreu em Avellaneda, com a presença de cerca de 65 mil espectadores apoiando o Rojo. O duelo foi parelho até os 33 minutos, quando o lateral Tomás Rolan teve uma contusão séria e os argentinos passaram a jogar com 10, pois as substituições ainda não eram permitidas por regulamento. A solução foi tirar Raúl Savoy do comando de ataque para quebrar um galho e recompor o buraco na defesa.
Mesmo com a superioridade numérica, a Inter jogava um futebol mais defensivo e não tinha como característica partir para cima e sufocar o adversário – de forma que não se aproveitou bem da situação. Por outro lado, os argentinos passaram a correr em dobro e, na base da raça e da entrega, saíram vitoriosos de campo.
O placar final foi de 1 a 0, graças a um tento bastante polêmico, anotado pelo mesmo Rodríguez que também havia decidido a Libertadores para o Rojo. O argentino cabeceou em cima de Giuliano Sarti, que se atrapalhou na hora da defesa, mas conseguiu salvar a bola antes que ela cruzasse a linha: porém, o árbitro brasileiro Armando Marques, mal posicionado, foi influenciado pela gritaria mandante e validou o tento inexistente. Os nerazzurri até tentaram buscar o empate, mas pararam no goleiro Santoro, que teve ótima atuação.
Duas semanas depois, as equipes se encontraram no San Siro para a partida de volta. Um confronto que os italianos precisavam vencer por qualquer placar, já que o saldo de gols não era critério de desempate. Logo no começo, a Inter tratou de deixar tudo igual no agregado com Mazzola, superando Santoro com um chute da meia-lua.
Dominante, a Inter continuou atacando com mais volume, enquanto o Independiente mostrava pouco poder de reação. Aos 39 minutos, Mario Corso fez o San Siro vibrar novamente, antecipando a saída do arqueiro e cabeceando para o gol aberto. O placar de 2 a 0 permaneceu até o final, e como previa o regulamento, as equipes disputariam um jogo de desempate em campo neutro para definir o campeão. Em anos pares, a partida extra era realizada na Europa e, em ímpares, na América do Sul.
Sendo assim, a decisão foi levada para o Santiago Bernabéu, em Madrid. Na capital da Espanha, um público de quase 25 mil locais apoiava, em sua maioria, o Independiente. Além de combater o ambiente hostil, a Beneamata precisou mudar um pouco o seu modelo de jogo por conta de desfalques de alguns titulares, como o zagueiro Tarcisio Burgnich, o meia-atacante Mazzola e o ponta brasileiro Jair da Costa – Carlo Tagnin, Angelo Domenghini e Joaquín Peiró entraram no time.
A finalíssima foi disputada debaixo de muita chuva e o gramado foi um problema para ambas as equipes mostrarm um bom futebol. A Inter apostou nos contra-ataques, mas não conseguiu balançar as redes argentinas. O Independiente, por sua vez, levou a melhor no aspecto físico e foi mais perigoso durante os 90 minutos, mas Sarti foi bem quando exigido e garantiu o 0 a 0.
O empate levou a decisão para o tempo extra. Passados 20 minutos, Corso, assim como havia feito em San Siro, apareceu para marcar o gol definitivo e dar o título para a Beneamata, que voltaria para Milão com o primeiro troféu da Copa Intercontinental da história do futebol Italiano.
Em 1965, ano novo, temporada nova, e os mesmos campeões continentais. A Grande Inter, além de faturar a Serie A, abocanhou também o máximo torneio europeu, derrotando na final o Benfica de Eusébio, graças ao gol de Jair da Costa, que se tornou o herói do bi. Na América do Sul, o Independiente voltava ao topo do continente depois de bater o Peñarol por 6 a 4 na soma dos placares. Ambos os times mantinham a base do ano anterior: do lado nerazzurro, por exemplo, o prata da casa Gianfranco Bedin, que ganhara o lugar de Tagnin, era a única novidade.
Se no ano anterior o confronto havia sido decidido só na prorrogação do terceiro jogo, com muito sufoco, em 1965 a Inter conseguiu exercer a sua superioridade desde o começo. O duelo de ida aconteceu em Milão e, com apenas dois minutos de bola rolando, o espanhol Peiró levou os cerca de 60 mil presentes à loucura: recebeu de seu compatriota Luis Suárez e finalizou na saída de Santoro, abrindo o placar.
Mais adiante, Mazzola assumiu o protagonismo e comandou o baile nerazzurro, com dois tentos marcados. O primeiro de Sandrino ocorreu aos 22 minutos, depois de aproveitar o rebote do chute de Jair e empurrar para o gol vazio. No segundo tempo, o craque anotou uma pintura: emendou, de meia-bicicleta, uma bola mal dominada por Giacinto Facchetti.
O Rojo não conseguiu sequer o gol de honra. Na maioria das ações ofensivas, os argentinos giravam a bola perto da área, sem conseguir chegar mais perto da baliza. Por isso, passaram a apostar nos chutes de longa distância, mas a pontaria dos jogadores não estava nada boa.
A volta, em Avellaneda, foi mais desafiadora para os comandados de Herrera – a começar pela atmosfera intimidadora criada pelos argentinos. Antes da partida, o elenco interista foi alvo de pedradas, que acertaram Peiró, Suárez e o próprio treinador. Felizmente, a agressão não foi suficiente para tirá-los da decisão. Dentro de campo, os jogadores do Independiente abusaram das faltas duras do início ao fim. Apesar das adversidades a Inter segurou o empate sem gols, por conta da ótima atuação defensiva, que era marca registrada dessa equipe, liderada pelo líbero e capitão Armando Picchi. No setor ofensivo, Corso foi quem mais participou: mesmo sem balançar as redes, infernizou a vida dos mandantes.
No fim daquela noite de 15 de setembro de 1965, foram os italianos quem celebraram a conquista de mais um Mundial. A equipe nerazzurra, pela segunda vez, conseguia um feito que o Milan, seu rival, não tinha sido capaz de obter em 1963, quando teve a oportunidade de enfrentar o Santos de Pelé. O bicampeonato coroou dois anos de muita festa em Milão, que testemunhava a Grande Inter em seu auge.
Independiente 1-0 Inter (ida)
Independiente: Santoro; Ferreiro, Guzmán, Acevedo, Rolan; Prospitti, Maldonado, Mura; Bernao, Savoy, Rodríguez. Técnico: Manuel Giúdice.
Inter: Sarti; Picchi; Burgnich, Guarneri, Facchetti; Mazzola, Tagnin, Suárez; Jair da Costa, Peiró, Corso. Técnico: Helenio Herrera.
Gol: Rodríguez (59’)
Árbitro: Armando Marques (Brasil)
Local e data: La Doble Visera, Avellaneda (Argentina), em 9 de setembro de 1964
Inter 2-0 Independiente (volta)
Inter: Sarti; Picchi; Burgnich, Guarneri, Facchetti; Mazzola, Malatrasi, Suárez; Jair da Costa, Milani, Corso. Técnico: Helenio Herrera.
Independiente: Santoro; Ferreiro, Maldonado, Acevedo, Decaria; Prospitti, Paflik, Mura; Suárez, Savoy, Rodríguez. Técnico: Manuel Giúdice.
Gols: Mazzola (8’) e Corso (34’)
Expulsão: Ferreiro
Árbitro: Gyula Gere (Hungria)
Local e data: San Siro, Milão (Itália), em 23 de setembro de 1964
Inter 1-0 Independiente (jogo extra)
Inter: Sarti; Picchi; Malatrasi, Guarneri, Facchetti; Domenghini, Tagnin, Suárez; Peiró, Milani, Corso. Técnico: Helenio Herrera.
Independiente: Santoro; Guzmán, Maldonado, Acevedo, Decaria; Prospitti, Paflik, Rodríguez; Bernao, Savoy, Suárez. Técnico: Manuel Giúdice.
Gol: Corso (110’)
Árbitro: José María Ortiz de Mendíbil (Espanha)
Local e data: Santiago Bernabéu, Madrid (Espanha), em 26 de setembro de 1964
Inter 3-0 Independiente (ida)
Inter: Sarti; Picchi; Burgnich, Guarneri, Facchetti; Mazzola, Bedin, Suárez; Jair da Costa, Peiró, Corso. Técnico: Helenio Herrera.
Independiente: Santoro; Navarro, Guzmán, Acevedo; Ferreiro, Bernao, De La Mata, Rodríguez, Pavoni; Avallay, Savoy. Técnico: Manuel Giúdice.
Gols: Peiró (3’) e Mazzola (22’ e 59’)
Árbitro: Rudolf Kreitlein (Alemanha Ocidental)
Local e data: San Siro, Milão (Itália), em 8 de setembro de 1965
Independiente 0-0 Inter (volta)
Independiente: Santoro; Navarro, Guzmán, Barrios; Ferreiro, Bernao, Mori, Mura, Pavoni; Avallay, Savoy. Técnico: Manuel Giúdice.
Inter: Sarti; Picchi; Burgnich, Guarneri, Facchetti; Mazzola, Bedin, Suárez; Jair da Costa, Peiró, Corso. Técnico: Helenio Herrera.
Árbitro: Arturo Yamasaki (Peru)
Local e data: La Doble Visera, Avellaneda (Argentina), em 15 de setembro de 1965