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Mohamed Kallon, uma promessa que nunca se concretizou

A carreira de um jogador de futebol nem sempre é uma constante. Alguns conseguem manter o alto nível ao longo de toda a sua trajetória profissional, outros passam por altos e baixos e uma parcela pode aparecer com destaque para o cenário internacional e logo sumir. O último caso corresponde ao caminho feito por Mohamed Kallon. De origem humilde e proveniente de um país em plena guerra civil, o atacante despontou muito jovem e logo acertou com a Inter.

Depois de rodar por muitos times, retornou ao clube de Milão, onde teve uma excelente temporada, mas enfrentou um problema de doping e viu sua carreira ruir aos poucos. Ainda assim, é considerado um ídolo pelos habitantes de Serra Leoa, seu país natal. É a principal referência local no futebol.

Nascido em outubro de 1979 em Kenema, terceira maior cidade de Serra Leoa, na África Ocidental, Kallon veio de uma família pobre. Com apenas nove anos de idade, saiu de casa para ir para a rua, onde morava com amigos. Mohamed viveu dias complicados nas favelas de Freetown, capital do país, onde tinha dificuldade até para conseguir comida e acabava tendo de dormir nos tabuleiros do mercado. Para comprar alimentos e material escolar, trabalhou carregando cestos para os peixeiros da região.

Irmão mais novos entre os também jogadores Musa e Kemokai Kallon, Mohamed começou no futebol depois de terminar o ensino fundamental. O garoto assinou com o Old Edwardians, clube da capital do país africano, em 1994, e se tornou o mais jovem a atuar e marcar gols pela liga local. Com o sucesso, logo rumou ao Líbano para defender o Tadamon Sour e, na sequência – após breve passagem pelo Spanga, da Suécia –, chegou à Inter em 1995, quando tinha apenas 15 anos.

Numa de suas melhores temporadas no futebol italiano, Kallon foi peça importante para evitar a queda da Reggina (imago/Magic)

Naquele momento, Mohamed já era um integrante da seleção de Serra Leoa – e era chamado de Small Kallon, por conta dos irmãos mais velhos que também jogavam pela equipe nacional. O atacante foi o atleta mais jovem a atuar pelo time principal serra-leonês, quando estreou, aos 15 anos, em abril de 1995, contra o Congo, numa partida válida pelas eliminatórias da Copa Africana de Nações de 1996. Foi dele o gol da vitória.

Por conta da pouca idade, Kallon sequer chegou a vestir a camisa nerazzurra naquele momento – e rodou por muitos clubes. O primeiro foi o Lugano, da Suíça, ao qual ficou emprestado entre 1995 e 1997, marcando seis gols em 32 aparições. Nesse período, Mohamed, então com 16 anos, também se tornou o jogador mais jovem da Copa Africana de Nações de 1996, disputada na África do Sul. Ele anotou um dos dois tentos de Serra Leoa na competição, na vitória por 2 a 1 sobre Burkina Faso, e nunca mais teve a chance de disputar outra CAN.

Enquanto a Guerra Civil de Serra Leoa se intensificava – o conflito, iniciado em 1991, terminaria apenas em 2002 –, Kallon progredia na Europa. Em 1997, o atacante de 18 anos foi emprestado ao Bologna, clube pelo qual estreou na Serie A e marcou dois gols (ambos na Coppa Italia) em seis partidas.

No entanto, havia muita concorrência no setor ofensivo bolonhês e, em novembro daquele ano, foi feita uma triangulação de mercado. Os rossoblù, em comum acordo com a Inter, encerraram o empréstimo do serra-leonês, que terminou repassado ao Genoa. Na Serie B, Kallon desabrochou: foi destaque da equipe da Lígúria, com 10 gols em 26 partidas, e concluiu a campanha como um de seus artilheiros, ao lado do meia-atacante Federico Giampaolo.

Apesar do rebaixamento com o Vicenza, Kallon somou boas atuações e foi repatriado pela Inter (Allsport)

A Inter, com Ronaldo, Roberto Baggio, Iván Zamorano, Álvaro Recoba, Nwankwo Kanu e Nicola Ventola, não tinha espaço para acomodar o serra-leonês. Dessa forma, Kallon passou pelo Cagliari, clube em que atuou como escudeiro de Roberto Muzzi no ataque: com seis gols, sendo o primeiro deles justamente contra a Beneamata, o africano ajudou os sardos a se salvarem do rebaixamento.

Na sequência, Mohamed foi alvo de duas cessões em copropriedade, com sortes diferentes. Na Reggina, atuando como referência do ataque, foi vital para que a equipe, estreante na Serie A, permanecesse na elite: Kallon marcou 11 gols no campeonato e foi o artilheiro amaranto. Após somar 14 tentos em 37 aparições pelos calabreses, o jogador passou ao Vicenza. Os lanerossi voltavam à primeira divisão após conquistarem o título da segundona, mas foram rebaixados de imediato. Não bastaram as oito redes balançadas pelo serra-leonês e as nove por Luca Toni.

Já com certo destaque, Kallon foi repatriado pela Inter na temporada 2001-02, como alternativa a Recoba e Christian Vieri. Mohamed seria aproveitado pelo técnico Héctor Cúper por alguns motivos: enquanto Ventola e Hakan Sükür não convenciam, Ronaldo se recuperava de lesão e Adriano ainda era muito jovem. Como terceira opção no setor, o serra-leonês escolheu o número 3 e foi integrado ao elenco. Nas passagens por Reggina e Vicenza, ele também utilizou uma camisa de numeração insólita para um atacante – a 2.

Logo em sua primeira temporada vestindo nerazzurro, Kallon foi o atacante com mais partidas disputadas, com 39: era a grande opção de Cúper para manter o ritmo alto do time na segunda etapa, adicionando velocidade ao setor. Mohamed ficou de fora de apenas sete jogos da Inter na campanha e colocou 15 bolas na rede, sendo nove na Serie A e seis na Copa Uefa. Apesar de ter feito 10 gols a menos que Vieri, foi o vice-artilheiro do clube num ano em que a Beneamata ficou com o terceiro lugar no Italiano (perdeu o título de forma impressionante, na última rodada) e caiu nas semifinais do torneio continental para o Feyenoord, da Holanda.

Na melhor temporada da carreira, o serra-leonês marcou 15 gols pela Inter (Allsport)

Por conta da brilhante temporada, o jogador de Serra Leoa se tornou uma joia em particular do clube. No entanto, Kallon nunca pode aproveitar dessa condição: o atacante se lesionou logo no início de 2002-03 e ainda viu seu espaço limitado pelas chegadas de Gabriel Batistuta e Hernán Crespo. Dessa forma, teve desempenho muito aquém ao do ano anterior, com 16 partidas realizadas e cinco gols anotados – todos pela Serie A. Por outro lado, o time foi vice-campeão italiano e caiu nas semifinais da Liga doshi Campeões.

Mas o grande problema do jogador surgiu realmente em setembro de 2003. Com apenas 23 anos, logo após uma partida contra a Udinese, Kallon testou positivo para o agente dopante nandrolona, um esteroide anabolizante injetável usado para melhorar o desempenho de atletas. O atacante cumpriu aproximadamente seis meses de suspensão e ainda precisou de mais algum tempo para retomar a boa forma. Ao final da campanha, Mohamed tinha somado apenas sete aparições, sem marcar gols.

Sem perspectiva na Inter, Kallon foi vendido ao Monaco, da França, por 4,7 milhões de euros. Em 2004-05, teve uma campanha de destaque, com 15 gols em 43 partidas, contribuindo para que o clube fosse terceiro colocado da Ligue 1 e atingisse as oitavas de final da Champions League. No entanto, depois de um desentendimento com o técnico Didier Deschamps, foi relegado ao banco de reservas e acabou emprestado ao Al-Ittihad, da Arábia Saudita.

Num mercado menos relevante, Mohamed teve o último momento de destaque da carreira, ainda que tivesse somente 26 anos. Ele ajudou a equipe a vencer a Liga dos Campeões Asiática de 2005, liderando a artilharia da competição com seis gols marcados, balançando as redes na semifinal e na final. Além disso, disputou o Mundial de Clubes de 2005 com o Al-Ittihad, antes de retornar ao Monaco em 2006. A partir dali, a trajetória meteórica do atacante entrou numa definitiva descendente.

Não explodiu: apesar das esperanças depositadas em seu futebol, Kallon teve poucos momentos de brilho (Getty)

Kallon teve poucos minutos no Monaco em sua segunda passagem pelo clube e foi dispensado, em 2007. Àquela altura, o atacante chegou a acertar com o Birmingham, mas não conseguiu autorização da Premier League para atuar na elite da Inglaterra porque Serra Leoa ocupava uma posição muito baixa no ranking da Fifa. Mohamed também viu o seu pré-contrato assinado com o Al Hilal, da Arábia Saudita, ser cancelado.

Depois de quase meia temporada sem clube, assinou com o AEK Atenas, da Grécia, em janeiro de 2008. O atacante fracassou pelo time grego e também não deu certo no Al Shabab, dos Emirados Árabes Unidos. Em 2009, então, retornou ao seu país natal para atuar com a camisa da agremiação de que era proprietário havia sete anos: o Kallon. Fora alguns meses em que adicionou dólares a seu pé de meia atuando pelo Shaanxi Chanba, da China, e Chirag United, da Índia, Mohamed se dedicou mesmo à sua equipe, que representou até 2016.

Com 36 anos e uma carreira de duas décadas, com passagens por 17 clubes, Mohamed decidiu se aposentar das quatro linhas oficialmente em março de 2016. Além da meteórica trajetória pela Europa, o atacante somou 35 partidas por Serra Leoa e, com sete gols, é o principal artilheiro da seleção – além de ser, de longe, o maior jogador da história do país.

O “pequeno” Kallon é amado pela população local porque ajudou uma nação pobre a ser vista com outros olhos, ao menos no futebol. Mas a paixão também existe por seus atos extracampo. A sua agremiação ajuda a formar talentos que podem ganhar a vida num lugar em que as oportunidades são escassas e, além disso, o ex-atacante mantém uma instituição de caridade para tirar crianças da pobreza extrema.

Mohamed Ajay Kallon
Nascimento: 6 de outubro de 1979, em Kenema, Serra Leoa
Posição: atacante
Clubes: Old Edwardians (1993-94), Tadamon Sour (1994-95), Spanga (1995), Lugano (1995-97), Bologna (1997), Genoa (1997-98), Cagliari (1998-99), Reggina (1999-2000), Vicenza (2000-01), Inter (2001-04), Monaco (2004-05 e 2006-07), Al-Ittihad (2005-06), AEK Atenas (2008), Al Shabab (2008-09), Kallon (2009-10 e 2012-16), Shaanxi Chanba (2010) e Chirag United (2011-12)
Título: Liga dos Campeões Asiática (2005)
Seleção serra-leonesa: 33 jogos e 7 gols

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