Jogadores

Do auge no Chievo ao gol solitário na Inter: a vida e as cambalhotas de Victor Obinna

Victor Obinna, popularmente conhecido como Obi, foi um dos atacantes nigerianos que despontaram em solo italiano nos últimos anos. O início de sua carreira foi atribulado, por conta de uma  irregularidade que lhe valeu uma suspensão da Fifa: assinou, ao mesmo tempo, contrato com o Chievo e o Internacional, de Porto Alegre. Contudo, isso não abalou a confiança do jogador africano, que ficou marcado pelas incontáveis cambalhotas e por uma passagem pouco frutífera pela Inter.

Assim como ocorre a maioria dos jogadores, a trajetória de Obinna começou na sua terra natal. Nascido em março de 1987, em Jos, na Nigéria, ele teve passagens por Plateau United e Kwara United entre 2003 e 2004, até chegar ao Enyimba, em 2005. O então tricampeão nacional e bi da Liga dos Campeões da CAF, considerado o maior do país, apostou no jovem de apenas 18 anos.

O início no Enyimba foi meteórico: 11 gols marcados em 13 jogos, que ajudaram os elefantes a faturarem o Campeonato Nigeriano e a copa nacional. A forma de Obinna que logo chamou atenção de clubes ao redor do mundo. Neste período, a sua ligação com o futebol italiano já havia começado. Mesmo com a pouca idade, o atacante fez alguns testes em times da Bota, como Perugia, Juventus e a própria Inter, que anos depois o contrataria.

Contudo, em 2005, Obinna passou pelo clube homônimo dos nerazzurri, o Internacional de Porto Alegre. No Rio Grande do Sul, não teve sorte: sequer chegou a estrear pela equipe profissional, por conta de problemas de documentação que fizeram com que ele retornasse de forma precoce à Nigéria. Em julho, então, o jovem de 18 anos acabou assinando contrato para jogar no Chievo e disputar sua primeira Serie A.

Logo na temporada de estreia, Obinna chegou fazendo barulho – tanto dentro quanto fora dos campos. A sua estreia oficial ocorreu contra a Cremonese, na fase preliminar da Coppa Italia. Em Verona, logo recebeu o apelido de Obi e, tão rapidamente quanto ganhou uma alcunha, marcou o seu primeiro tento na Serie A: dois jogos depois, em seu debute como titular no Italiano, o nigeriano marcou o gol da vitória por 2 a 1 diante da Sampdoria, no Luigi Ferraris. Nessas partidas, mostrou poder de finalização, explosão e boa capaciade de driblar, características que o acompanharam durante a carreira.

Obinna marcou seis gols em 26 jogos disputados naquela edição da Serie A e teve uma boa parceria com Sergio Pellissier e Amauri, mesmo sendo uma opção de banco – iniciou apenas nove partidas. O trio ajudou os gialloblù a alcançarem um surpreendente quarto lugar, depois das sentenças do Calciopoli, escândalo de manipulação de resultados que envolveu diversas equipes italianas. Com o resultado, os clivensi garantiram classificação para a terceira fase eliminatória da Liga dos Campeões. A aposta do Chievo já havia sido retribuída.

Apesar de ter vivido bons momentos no Chievo, Obinna também amargou um rebaixamento (New Press/Getty)

Ao longo daquela temporada, as boas exibições de Obinna o levaram à seleção nigeriana. O atacante foi uma das surpresas da lista do técnico Augustine Eguavoen, já que nunca havia atuado pelas Super Águias antes de ser chamado para defender a equipe principal na Copa Africana de Nações de 2006. Obi disputou três jogos e marcou uma vez na campanha do terceiro posto da Nigéria – eliminada nas semifinais para Costa do Marfim e vitoriosa sobre Senegal, logo depois.

Em agosto de 2006, entretanto, a sua trajetória teve ser interrompida. Como tinha assinado com os vênetos antes de rescindir com o Internacional, a Fifa lhe aplicou uma suspensão de quatro meses – depois reduzida em 30 dias. Porém, superado o período de gancho, Obinna voltou a apresentar um bom futebol pelo Chievo. Já como titular do time de Luigi Delneri, repetiu a dose: 27 aparições e seis gols, somando todas as competições. Os clivensi, no entanto, acabaram sendo rebaixados para o segundo escalão do futebol italiano por apenas um ponto. Foi a primeira queda do Céo desde que estreara na Serie A, em 2001-02.

Apesar do rebaixamento, o nigeriano permaneceu nos planos do clube. Obi não queria disputar a Serie B de 2007-08, mas a diretoria o segurou, para seu descontentamento. Depois da crise superada com o presidente Luca Campedelli, o atacante se tornou vital para a campanha que culminou com a volta do Chievo à elite italiana e também com o seu título. Com oito gols, Victor foi o vice-artilheiro do time, atrás de Pellissier, com 22.

O final feliz na temporada não era nada provável – e não só porque Obi teve problemas com a diretoria. Em outubro de 2007, após um treinamento, Obinna dirigia na Via Pastrengo quando sofreu um grave acidente. Um carro em sentido contrário tentou uma ultrapassagem perigosa, numa curva e, para evitar a colisão frontal, o nigeriano fez um movimento brusco no volante. O seu veículo capotou várias vezes e o atacante, acostumado a ficar de ponta-cabeça por conta das cambalhotas e saltos mortais que efetuava para comemorar seus gols, se viu em um cenário parecido, mas que lhe proporcionava uma sensação oposta: no lugar da alegria, o medo.

O automóvel teve perda total, mas Victor conseguiu sair quase ileso. Obinna foi retirado do seu Audi pelo lateral-direito Aleandro Rosi, colega de clube que fazia o mesmo caminho para sair do CT. Estava consciente e sofreu apenas cortes e hematomas, sendo rapidamente liberado do hospital após exames protocolares. Recuperado do susto, ele pode voltar aos campos exatamente 10 dias depois, na vitória por 2 a 1 contra o Ascoli.

A Via Pastrengo é a mesma rua em que Jason Mayélé, ex-jogador do Chievo, faleceu em 2002, em um acidente de trânsito. A tragédia que vitimou o congolês aconteceu a cerca de 100 metros da curva em que Obi capotou o seu carro. Em entrevista ao site These Football Times, o nigeriano comentou sobre a macabra coincidência. “[Os moradores de Verona] A chamam de ‘rua maldita’. Uma superstição local. Mas é fato que o trajeto é perigoso e você precisa ter atenção nele”, afirmou.

Se 2007 foi complicado, o ano seguinte foi um dos melhores na vida de Obi. Além da promoção com o Chievo, o atacante representou a Nigéria em mais uma Copa Africana de Nações e alcançou o seu auge pelas Super Águias ao conquistar a medalha de prata na Olimpíada de Pequim. Vestindo a braçadeira de capitão, marcou três gols na campanha, terminada com derrota por 1 a 0 para a Argentina, graças a Ángel Dí Maria. Obinna foi vice-artilheiro do certame, ao lado de Mousa Dembélé, e atrás apenas do italiano Giuseppe Rossi, que anotara quatro vezes.

Pela Inter, o nigeriano conseguiu ser titular em apenas três ocasiões (New Press/Getty)

Obinna sempre foi muito contagiante enquanto estava em campo e as cambalhotas que emendava após marcar gols lhe fizeram ser comparado com o seu compatriota Obafemi Martins, que comemorava da mesma forma. Em 2008, as semelhanças entre Obi e Oba Oba não ficaram restritas a seus nomes, comemorações e nacionalidade: ambos compartilharam a Inter na extensa lista de clubes que representaram.

Isso porque, apesar de disputar o segundo escalão pelos gialloblù, Obinna manteve a consistência apresentada nos anos anteriores. Com isso, no brilhante 2008, recebeu um inesperado convite de José Mourinho, que acabava de assumir o comando da Inter. Assinar com a Beneamata representava um sonho para o jogador, que teria a oportunidade de seguir o exemplo de dois dos seus maiores ídolos no futebol: Nwankwo Kanu e Taribo West, ex-atletas da equipe nerazzurra.

No tradicional esquema de 4-3-3 do treinador português, Obi era visto como uma excelente peça de reposição para Mancini e Ricardo Quaresma. A velocidade e drible do atacante eram características imprescindíveis para conseguir romper defesas mais fechadas e, assim ter um papel relevante no time nerazzurro.

Apesar da explosão máxima ao fazer um gol, não foram muitas vezes que vimos a tradicional comemoração de Obinna em Milão: em 11 jogos pela Inter, o nigeriano marcou apenas uma vez. Na 7ª rodada da Serie A 2008-09, em seu segundo compromisso e na sua estreia como titular, Obi recebeu um excelente lançamento de Quaresma, driblou o zagueiro Juan e chutou forte, de perna esquerda, no ângulo do arqueiro Doni, que nada pode fazer. Foi a bola na rede que selou a goleada por 4 a 0 sobre a Roma, em pleno Olímpico. O triunfo nerazzurro ainda contou com uma doppietta de Zlatan Ibrahimovic e um tento de Dejan Stankovic.

Naquela edição de Serie A, esta vitória contra os giallorossi foi a única partida em que Obi atuou por 90 minutos. No mais, foi titular apenas no empate em 0 a 0 contra a Fiorentina e na vitória por 4 a 2 diante do Chievo, seu antigo clube. Fora isso, somou outras seis aparições pelo Italiano, porém sempre entrando no fim dos jogos. Ao todo, o nigeriano disputou nove pelejas pelo certame (além de mais duas pela Coppa Italia) e contribuiu com um gol e uma assistência na trajetória do 17° scudetto nerazzurro – o tetracampeonato, que viria a se tornar penta na temporada seguinte.

Sem conseguir manter a regularidade dos tempos de Chievo, Obi foi emprestado. A primeira aventura foi pelo Málaga, em 2009-10. Na Andaluzia, marcou quatro gols em 27 jogos, ajudando o clube espanhol a escapar do rebaixamento. Na temporada seguinte, pelo West Ham, os números foram melhores: oito tentos em 32 partidas, mas, desta vez, não conseguiu salvar os Hammers do descenso. Apesar do momento oscilante, Obinna esteve no plantel nigeriano para disputa da Copa do Mundo de 2010 e também no paa o que conquistou o terceiro lugar da Copa Africana de Nações do mesmo ano.

Na Inglaterra talvez tenha tido a sua maior exibição individual, pelo menos no que tange a gols. No duelo contra o Nottingham Forest, pela Copa da Inglaterra, marcou uma tripleta na vitória por 3 a 2. No regresso do empréstimo com o West Ham, Obi encerrou seu contrato com a Inter e assinou com o Lokomotiv Moscou, iniciando uma aventura de duas temporadas e meia pela Rússia.

Em sua segunda passagem pelo Chievo, Obinna só (LaPresse)

Longe de deslanchar pelo Lokomotiv, que não passou do meio da tabela no período de sua estadia pelo futebol russo, Obinna acertou sua volta ao Chievo: em janeiro de 2014, foi emprestado até o final da temporada 2013-14. A volta para o clube em que fora projetado para o cenário mundial era uma alternativa de lembrar, aos 27 anos, os velhos tempos. No entanto, o nigeriano não obteve sucesso. No regresso à Velha Bota, Obi passou longe de repetir o que apresentou na sua primeira passagem pelos clivensi. O ponta ficou 10 partidas sem marcar, mas, na 11ª e última, conseguiu fazer uma espécie de vingança pessoal.

No Marcantonio Bentegodi, Chievo e Inter fechavam a Serie A 2013-14. Como o Céo já estava salvo do rebaixamento e a Beneamata garantira vaga na Liga Europa, o jogo serviria apenas para cumprir tabela. Mas também simbolizava a despedida de Javier Zanetti dos gramados e a última exibição nerazzurra de Diego Milito, Walter Samuel e Esteban Cambiasso. Marco Andreolli, ex-gialloblù, abriu o placar para a equipe visitante, mas o nigeriano mudou o rumo da partida e colocou água no chope da festa interista. Aos 72, entrou em campo no lugar do zagueiro Dario Dainelli e, um minuto depois, empatou a peleja. Ao cair do pano, aos 89, Obi garantiu a sua doppietta e a vingança pessoal ao virar o placar.

Apesar disso, o desempenho de Obinna não foi o bastante para que o Chievo decidisse mantê-lo no elenco ou para que o Lokomotiv Moscou renovasse o seu contrato. Sequer incentivou outra equipe a buscar iniciar um vínculo com ele. O nigeriano passou mais de um ano sem clube até que, em setembro de 2015, disputou a segunda divisão Alemã pelo Duisburg. Na temporada seguinte, fez apenas dois jogos da Bundesliga pelo Darmstadt. Em comum, não conseguiu sequência e acabou rebaixado por ambos os times.

O seu último clube foi o Cape Town City, da África do Sul, quando se aposentou precocemente, aos 31 anos, em 2018. Após ser sondado pelo Vedeggio, das ligas inferiores da Suíça, esteve próximo de retornar ao futebol italiano em 2019: treinou com o Potenza, da Serie C, e recebeu com uma proposta do Seregno, da quarta divisão. No entanto, Obinna recusou a oferta e manteve a aposentadoria.

Um tempo depois, Obi revelou ao jornalista Gianluca Di Marzio o motivo de pendurar as chuteiras antes do tradicional para um atleta: o desejo de revelar novos talentos no continente africano. “Meu objetivo é tirar os jovens das ruas para colocá-los nas academias dos clubes”, disse o nigeriano.

Obinna mostrou qualidade ao longo da sua carreira, porém a inconstância de suas atuações impossibilitou que atingisse o máximo de seu potencial. Embora tenha faturado uma Supercopa Italiana e um scudetto pela Inter, jamais se firmou no clube ou chegou perto de apresentar o bom futebol de sua primeira passagem pelo Chievo. Ao contrário de Martins, que construiu uma trajetória longa e sólida na Europa, ficou mesmo mais lembrado por suas cambalhotas.

Victor Nsofor Obinna
Nascimento: 25 de março de 1987, em Jos, Nigéria
Posição: atacante
Clubes: Enyimba (2005), Chievo (2005-08 e 2014), Inter (2008-09), Málaga (2009-10), West Ham (2010-11), Lokomotiv Moscou (2011-14), Duisburg (2015-16), Darmstadt 98 (2016-17) e Cape Town City (2017-18)
Títulos: Campeonato Nigeriano (2005), Copa da Nigéria (2005), Serie B (2008), Prata Olímpica (2008), Supercopa Italiana (2008) e Serie A (2009)
Seleção nigeriana: 48 jogos e 12 gols

Compartilhe!

Deixe um comentário