Ao longo de seus 91 anos de existência, a Roma se caracterizou por contratar muitos jogadores brasileiros. Alguns se tornaram grandes ídolos da torcida. Por exemplo, Paulo Roberto Falcão ganhou o apelido de “Rei de Roma”, enquanto Aldair chegou a ter sua camisa 6 aposentada por uma década – o clube cedeu o número ao holandês Kevin Strootman em 2013. Mineiro da gema, o versátil Mancini também figura no hall da fama verdeoro da Loba. Ele é o segundo brasileiro que mais marcou gols com a camisa giallorossa.
Os apelidos estão no DNA dos jogadores brasileiros. Geralmente, o atleta que contém um nome estranho ou popular recebe uma alcunha, ainda nas categorias de base, para se diferenciar em meio aos colegas. Foi mais ou menos isso que aconteceu com Alessandro Faiolhe Amantino, o Mancini. Na infância, ele ganhou de sua avó o apelido de “Mansinho”. Porém, ao chegar às divisões inferiores do Atlético-MG, o treinador Evaldo Cruz deduziu que Mansinho ficaria estranho para os padrões do futebol. Assim, surgiu o italianizado “Mancini”.
Mancini se motivou para o futebol aos 8 anos, em Ipatinga, cidade do interior mineiro. Como a maioria dos garotos de sua geração, ele jogava bola até tarde na rua com amigos. À medida que o tempo foi passando, Mancini conseguiu entrar para as categorias de base do Galo. Destacou-se lá e, em 1999, aos 19 anos, foi promovido ao elenco profissional do Atlético-MG.
O jovem lateral-direito não recebeu muitas oportunidades, já que os alvinegros tinham um timaço naquele ano. Ele foi reserva em 1999 e 2000, entrando no decorrer dos jogos. Soltou o grito de bicampeão mineiro nesses dois anos. No início de 2001, Mancini acabou emprestado à Portuguesa e, posteriormente, ao São Caetano, onde ganhou maturidade e foi vice-campeão brasileiro. Em 2002, o atleta retornou à Cidade do Galo.
Mancini emplacou em sua segunda passagem pelo Atlético-MG e virou um dos destaques da equipe no Campeonato Brasileiro de 2002, barrando, inclusive, um promissor Cicinho. O lateral-direito disputou 25 das 27 partidas do Galo na competição, marcou incríveis 15 gols e entrou para a história como o defensor que anotou mais tentos numa só edição do Brasileirão. O alto desempenho do “lateral artilheiro” despertou o interesse da Roma. Ele não renovou contrato com o clube atleticano e, em janeiro de 2003, assinou vínculo com os romanos até 2006.
Para que Mancini se adaptasse ao futebol italiano, no entanto, a Roma o emprestou ao Venezia, que estava na Serie B. No período de apenas quatro meses pelos lagunari, o brasileiro não teve boa relação com o técnico Gianfanco Bellotto e pouco colaborou com uma campanha medíocre da equipe. No verão, o brasileiro se mudou para a quente Roma com uma missão pela frente: substituir Cafu, recém-negociado com o Milan. Mas, para a surpresa de muitos, ele ganhou uma vaga no time titular de Fabio Capello logo no primeiro jogo da Serie A 2003-04 jogando mais avançado, fazendo o papel de ponta pela direita.
Para melhorar a situação, o camisa 30 fez um gol épico em seu primeiro Derby della Capitale, na 9ª rodada. Aos 35 minutos do segundo tempo, Antonio Cassano cobrou falta na área, Amantino apareceu como uma flecha e, no ar, tocou de letra para estufar a bochecha da rede. Narrador fanático da Roma, Carlo Zampa foi à loucura com o gol de Mancini e o batizou de “Tacco di Dio” (Calcanhar de Deus). A vitória giallorossa por 2 a 0 manteve uma invencibilidade sobre os laziali que perdurou de 2000 a 2005.
Naquela mesma temporada, Mancini aplicou uma doppietta na goleada por 4 a 1 em cima da Inter, no Olímpico. Ele disputou todos os jogos oficiais da Roma na época (45), a maioria como ponta, marcou dez gols e foi vice-campeão italiano – a Loba ficou 11 pontos atrás do Milan. As boas prestações pelo time romano lhe renderam as primeiras chances na seleção brasileira principal.
O versátil jogador, que desde 1999 fazia parte das equipes de base do Brasil, estreou pela Canarinho em um amistoso contra a Hungria, em Budapeste, em 28 de abril de 2004. Na ocasião, os brasileiros venceram fácil, por 4 a 1, e ele jogou por 45 minutos. Em julho do mesmo ano, Mancini foi convocado para a Copa América, disputou três dos seis jogos e, na final, não entrou em campo. Do banco, viu o Brasil derrotar a Argentina nos pênaltis por 4 a 2, depois de um 2 a 2 no tempo normal.
Mancini quase seguiu Capello para a Juventus, em 2004-05, mas a Roma vetou a sua saída. Dessa forma, se tornou o único brasileiro do plantel romanista – Emerson e Lima haviam se transferido para Juventus e Lokomotiv Moscou, respectivamente. A Roma teve uma época bem conturbada, de modo que três treinadores passaram pelo banco da equipe: Rudi Völler, Luigi Delneri e Bruno Conti. O brasileiro virou um verdadeiro curinga nas mãos desses comandantes, pois atuou em seis posições diferentes no decorrer da temporada. Mesmo assim, não deixou o nível cair e ajudou os giallorossi, que chegaram a brigar contra o rebaixamento, mas se qualificaram para a Copa Uefa por causa do vice na Coppa Italia.
Mancini deu o verdadeiro salto de qualidade na Roma de Luciano Spalletti. O treinador aceitou o desafio da diretoria giallorossa antes do início da temporada 2005-06 e recuperou a autoestima do grupo. Fez mais: aproximou Amantino do gol, transformando-o num ponta pela esquerda e até mesmo improvisando-o como atacante referência. Resultado da mudança posicional do Tacco di Dio: 18 gols e seis assistências em 41 partidas. Foi a temporada mais prolífica do jogador desde que estreou profissionalmente.
Se a Roma havia ficado no quase nas duas decisões de Coppa Italia passadas, ambas perdidas para a Inter, em 2006-07 o clube da capital finalmente conseguiu levantar o caneco justamente em cima dos interistas. Mancini, que deixou sua marca no primeiro jogo da final (vitória por 6 a 2), comemorou seu primeiro título pela Loba. Naquela temporada, o mineiro participou diretamente de 21 gols do time. Apesar da boa fase, não recebeu convocações para a seleção brasileira de Dunga.
Mancini não deixou o rendimento cair em 2007-08, temporada em que a Roma abriu com o título da Supercopa Italiana e fechou com o da Coppa Italia, respectivamente. O camisa 30 anotou gols em jogos grandes, contra adversários como Manchester United, Real Madrid e Lazio. Neste último, aliás, ele supriu bem a ausência de Francesco Totti, que viu o dérbi das tribunas: marcou e deu passe para gol de Mirko Vucinic, sendo fundamental para o triunfo, de virada, por 3 a 2.
Mas, depois de sete anos, a relação Mancini-Roma teve um fim. Em julho de 2008, o agora meia-atacante firmava contrato de quatro anos com a Inter. Com 59 gols em 222 jogos pela Roma, Mancini deixou a Loba com o posto de segundo maior artilheiro brasileiro da história do clube. Ele só fica atrás do matador Dino da Costa, que, nas décadas de 1950 e 1960, balançou as redes 70 vezes em 149 partidas com a camisa giallorossa.
A Inter pagou 13 milhões de euros, mais bônus de 1,5 milhão de euros relacionados ao rendimento em campo, aos romanos para contratar o brasileiro. Além de Amantino, a Inter assinou com o português Ricardo Quaresma na mesma janela. A diretoria nerazzurra, que fechou com José Mourinho, pretendia montar um grande elenco para conquistar o quarto scudetto seguido e, principalmente, buscar voos mais altos na Europa. E conseguiu. Na verdade, era o início de uma dinastia que culminaria na Tríplice Coroa, obtida em 2010.
Chamado carinhosamente de Diamantino (diamantezinho) pelo narrador Roberto Scarpini, Mancini iniciou bem seu percurso na Beneamata. Até chegou a ser convocado para três jogos da seleção brasileira, porém perdeu espaço no decorrer da temporada. Para se ter ideia, de janeiro a maio de 2009, o mineiro entrou em campo apenas nove vezes. Fechou a temporada com 27 jogos, somente um gol e quatro assistências. Desempenho bem aquém ao das épocas passadas.
A situação não mudou na temporada seguinte, Mancini seguiu sem espaço na equipe de Mourinho e, em 1ª de fevereiro de 2010, acabou sendo emprestado ao Milan. A negociação incluía opção de compra ao término do vínculo, mas o brasileiro decepcionou feio no lado rubro-negro de Milão: disputou apenas sete partidas e retornou à Inter pior do que saiu.
Na volta à Pinetina, Amantino também não seria aproveitado por Rafa Benítez, substituto de Mourinho em 2010-11. Quando o elenco estava com o cobertor curto, nas rodadas 11 e 13, Mancini até foi utilizado, mas só: teve apenas 10 minutos em campo, no total. Escanteado na agremiação interista, fez as malas em janeiro de 2011 e voltou ao Brasil para defender o Atlético-MG, clube que o revelou. Aos 31 anos, era mais uma peça do projeto ousado de Alexandre Kalil, que visava conquistar muitos títulos para o Galo. Entretanto, o time não engrenou, lutou para não cair no Campeonato Brasileiro e ainda tomou uma histórica goleada por 6 a 1 do arquirrival Cruzeiro na última rodada do torneio nacional.
Para piorar o cenário, uma bomba estourou no colo de Mancini: a Justiça italiana o condenara a dois anos e oito meses de prisão por estupro de uma garota que conhecera durante uma festa de seu ex-companheiro de Milan Ronaldinho Gaúcho, em Milão. Segundo os promotores italianos, a moça teria bebido muito e pedido para ser levada para casa. O meia-atacante lhe deu carona até o apartamento dela, onde, ainda de acordo com o relatório, teria praticado o crime. Como sua defesa, o jogador alegou, à época, ser vítima de extorsão. Meio esquecido, o processo ainda será julgado novamente por instâncias superiores.
Passado o imbróglio, Mancini conquistou seu terceiro título de Campeão Mineiro, em 2012, pelo Galo. Contudo, foi emprestado ao Bahia em junho até o fim do ano. Retornou ao Atlético-MG e permaneceu no clube até abril, quando rescindiu seu contrato e acertou com o Villa Nova-MG. Com o time alvirrubro, Amantino anotou oito gols no Mineiro de 2014 e foi o artilheiro da competição. Depois, mudou de clube mais uma vez: vestiu a camisa do América-MG, onde ficou até dezembro de 2015. Ele pendurou as chuteiras defendendo o Villa Nova, após a disputa do campeonato estadual de 2016.
Aposentado, Mancini busca seguir a carreira como técnico. Ainda em 2016, mudou-se para a Itália e obteve a licença A da Uefa. Em 2018, ele iniciou estágio com Thiago Larghi no Atlético-MG e começou o curso Uefa Master. Amantino também morou em Londres para aperfeiçoar seu inglês.
E não é difícil imaginar quais são os treinadores referências de Mancini. “Com ele [Luciano Spalletti] eu aprendi muito, o posicionamento, ser estático, me pegava pelo braço, me dava dicas, e o meu ápice na Itália foi com ele. E o Capello também, pela moral. É um cara muito sério, que consegue lidar com um grupo de estrelas”, revelou o ex-jogador, em entrevista ao UOL Esporte. Em seus trabalhos por Foggia e Villa Nova, porém, não conseguiu decolar no ofício e acabou virando coordenador técnico do Betim – também durando pouco no cargo.
Alessandro Faiolhe Amantino, o Mancini
Nascimento: 1º de agosto de 1980, em Ipatinga (MG)
Posição: lateral-direito/meia-atacante
Clubes como jogador: Atlético-MG (1999, 2002 e 2011-13), Portuguesa (2000), São Caetano (2001), Venezia (2003), Roma (2003-08), Inter (2008-11), Milan (2010), Bahia (2012), Villa Nova-MG (2014 e 2016) e América-MG (2014-15)
Títulos como jogador: Campeonato Mineiro (1999, 2000 e 2012), Copa América (2004), Coppa Italia (2007 e 2008), Supercopa Italiana (2007 e 2008) e Serie A (2009)
Clubes como treinador: Foggia (2019) e Villa Nova-MG (2020)
Seleção brasileira: 9 jogos