Em 1999, a Lazio conquistou pela primeira vez um título europeu. E, para levantar este troféu, comandados por Sven-Göran Eriksson, os biancocelesti tiveram uma grande pedra no meio do caminho: os russos do Lokomotiv Moscou, num duelo que foi decidido nos detalhes. Depois dessa vitória, os italianos viriam a ter a honra de serem os campeões da última Recopa Uefa da história.
A Lazio conquistou sua vaga na Recopa após vencer, de maneira épica, a Coppa Italia, em 1998. A equipe romana saiu atrás no primeiro jogo, ao perder por 1 a 0 para o Milan no San Siro. Entretanto, conseguiu reverter no Olímpico: mesmo após sair perdendo, Guerino Gottardi, Vladimir Jugovic e Alessandro Nesta fizeram os gols da virada por 3 a 1, que deu o título aos biancocelesti. Na semana seguinte, os aquilotti ficaram a um passo de adicionarem outra taça a sua sala de troféus, mas perderam a decisão da Copa Uefa para a Inter.
O Lokomotiv Moscou, por sua vez, vinha em grande momento sob a batuta de Yury Syomin, seu histórico treinador – que, ao longo de quatro passagens, comandou os parovozy por 18 anos. De 1995 a 1998, o time moscovita foi vice-campeão e terceiro colocado da Premier League russa e duas vezes vencedor da Copa da Rússia. Em 1997-98, perdeu a chance do tri para o Spartak, mas herdou a vaga na Recopa porque o rival fez a dobradinha local. Naquele mesmo ano, o Loko fora semifinalista do próprio torneio europeu, mas parou no Stuttgart – na outra chave, o Vicenza foi eliminado pelo Chelsea.
Na Recopa, os italianos tiveram um caminho bem tortuoso. Já de cara, os suíços do Lausanne impuseram dificuldades com dois empates: 1 a 1 na Itália e 2 a 2 na Suíça. Com isso, os romanos se classificaram pela vantagem do tento qualificado. Na fase seguinte, mais uma pedreira pela frente: o Partizan. Na Bota, um empate sem gols, porém, longe dos seus domínios, em Belgrado, a Lazio conseguiu uma vitória por 3 a 2, graças a uma doppietta de Marcelo Salas. Se a trajetória, até aquele momento, tinha sido agitada para os corações biancocelesti, as quartas foram de muita tranquilidade: duas goleadas sobre o Panionios, da Grécia, resultaram num agregado de 7 a 0 e em moral conquistada para o embate com os russos.
Do outro lado, o Lokomotiv Moscou teve um caminho tranquilo desde o início. Na primeira fase, avançou sobre o CSKA Kyiv (5 a 1), depois eliminou o Braga (3 a 2) e, nas quartas, despachou o Maccabi Haifa, de Israel (4 a 0). Portanto, estava desenhado um confronto equilibradíssimo entre duas equipes invictas que, ao mesmo tempo, disputavam o título nacional e tinham armas poderosas no seu ataque.
A primeira partida foi disputada no dia 8 de abril de 1999, no estádio Lokomotiv. Eriksson tinha como principal desafio equilibrar o time da Lazio para mantê-lo com força total tanto para cumprir o objetivo de alcançar a final da Recopa quanto para seguir na busca pelo scudetto. O clube romano disputava o título italiano ponto a ponto com o Milan.
Para o duelo de ida contra os rubroverdes, o técnico sueco apostou as fichas em Christian Vieri no ataque, na habilidade de Dejan Stankovic no meio e na liderança defensiva de Sinisa Mihajlovic. Do outro lado, a dupla de frente formada pelo georgiano Zaza Janashia e pelo russo Dmitri Bulykin era a principal arma dos ferroviários. Além disso, o Loko era habituado a fortalecer a marcação com seus volantes, liderados por Alexei Smertin.
Logo que começou a partida, a primeira chance foi da Lazio. Em cobrança de escanteio, Mihajlovic colocou a bola para Vieri, que testou firme e acertou o travessão. Já no rebote, o atacante italiano tentou novamente de cabeça e a pelota passou triscando a baliza russa. As águias continuavam em cima, ameaçando principalmente com chutes de fora da área – como os tentados por Bobo e Attilio Lombardo. Na terceira oportunidade, Sinisa, de falta, exigiu uma grande defesa do arqueiro Ruslan Nigmatullin.
Para não ficarem atrás, os rubroverdes também chegaram com perigo – e foi em grande estilo. Janashia tentou de bicicleta da meia-lua, obrigando Luca Marchegiani a fazer uma boa defesa. Essa foi a mesma toada do início do segundo tempo: logo na volta, Yegveni Kharlachyov teve outra chance clara para abrir o placar para o Lokomotiv. Lançado em profundidade, ele cortou Giuseppe Pancaro e chutou firme para mais uma grande intervenção de Marchegiani.
O duelo permanecia empatado e sem gols mais por mérito dos goleiros do que propriamente por falta de ocasiões. Isso permaneceu até o minuto 60, quando Pancaro tentou cortar, de cabeça, uma ligação direta da defesa do Lokomotiv. O defensor mas não conseguiu e, pelo contrário, a bola ainda sobrou totalmente livre para Janashia. O atacante georgiano driblou Marchegiani, deu um giro e chutou com a perna direita para tirar o zero do placar. A bola passou rente ao travessão e Paolo Negro ainda tentou bloquear, mas já era tarde: 1 a 0 para os ferroviários.
Já na saída de bola, a Lazio mostrou que buscaria o empate. Em uma falta quase da linha do círculo central, Mihajlovic acertou um foguete para mais uma boa defesa de Nigmatullin. Do outro lado, Bulykin respondeu arrancando do meio-campo até a área italiana, obrigando mais uma intervenção de Marchegiani.
De ambos os lados, os arqueiros faziam de tudo para segurar o placar e eram os destaques, até então. Nigmatullin teve mais sucesso na sua tarefa até os 77, quando a Lazio finalmente conseguiu marcar com o toque do seu treinador. Minutos antes, Eriksson decidiu mudar sua dupla de ataque. Sacou Salas e Vieri e apostou em Roberto Mancini e Alen Boksic. E deu certo.
A jogada tem seus laços de semelhança com o gol russo. Se Pancaro tinha errado, agora ele se redimiu. Foi dele o lançamento longo, ainda do campo de defesa, para Boksic fazer o papel de pivô, desviando a bola para Stankovic pelo lado direito. O sérvio cruzou rasteiro para Mancini, que deixou de calcanhar para o croata chutar na saída do arqueiro Nigmatullin e empatar a partida em 1 a 1.
Depois do empate, a Lazio esteve mais próxima da virada do que o Lokomotiv de retomar a vantagem no placar. Stankovic e Boksic tiveram boas chances, mas pararam, mais uma vez, nas boas defesas de Nigmatullin. Com isso, o empate em 1 a 1 acabou sendo um resultado que retratou o confronto de duas equipes muito parecidas. Estava tudo aberto para o jogo da volta.
Duas semanas depois, no dia 22 de abril de 1999, os times se reencontraram no estádio Olímpico. Nesse período, a Lazio fez duas partidas pela Serie A e não somou resultados nada bons – duas derrotas por 3 a 1. A primeira, no clássico contra a Roma, e a outra para a Juventus. Reveses duros, que fizeram o Milan encostar na briga pelo scudetto, mas que não abalaram a confiança do torcedor para a semifinal europeia.
Os jogadores celestes entenderam que era preciso mudar a chave. Ao contrário do primeiro jogo, que foi muito equilibrado, a Lazio exerceu papel predominante durante os 90 minutos. O time italiano chegava com constância e das mais variadas formas. Teve chute de fora da área com Negro, Mihajlovic acertando o travessão em tentativa de gol olímpico… mas quem tinha as melhores chances mesmo foi Vieri. O atacante recebeu cruzamento preciso de Mancini, mas cabeceou para fora. Também foi dos pés dele que saiu um desvio de cruzamento que fez a bola passar rente à trave de Nigmatullin. Mas nada de balançar as redes, o placar continuava zerado.
Pelos ferroviários, Janashia teve a melhor chance que surgiu justamente em um erro defensivo italiano. Mihajlovic tentou afastar, mas chutou mascado e a bola, ao invés de ir para a frente, ganhou altura e pegou a direção inversa, caindo nos pés do adversário. O georgano emendou um arremate forte, porém sem direção.
Mais chances foram desperdiçadas pelos biancocelesti e a apreensão foi tomando conta do Olímpico, porque a qualquer momento os russos poderiam achar um tento solitário. Apesar das tentativas, nenhuma das equipes conseguiu destravar o zero do marcador, para a felicidade da torcida presente no estádio. O empate em 0 a 0 estava consumado e, com isso, a Lazio estava classificada para a sua segunda final europeia consecutiva, por conta do gol marcado fora de casa. Já o Lokomotiv Moscou, apesar da derrota, caiu de pé naquela que seria a melhor campanha de sempre do time em competições continentais.
Depois de avançar frente ao Lokomotiv Moscou, a Lazio foi ultrapassada pelo Milan na Serie A, mas enxugaria as lágrimas de forma nobre. Afinal, a equipe viria a se tornar campeã europeia ao vencer o Mallorca por 2 a 1 no Villa Park, em Birmingham. Os gols foram anotados por Vieri e Pavel Nedved, com Dani descontando para os espanhóis. O título ficou marcado na história dos celestes e da própria máxima entidade do futebol continental, já que aconteceu na última edição da Recopa, que viria a ser fundida com a antiga Copa Uefa – reformulada e denominada Liga Europa.
Lokomotiv Moscou 1-1 Lazio
Lokomotiv Moscou: Nigmatullin; Arifullin, Cherevchenko, Chugainov, Gurenko; Smertin (Loskov), Lavrik, Drozdov, Kharlachyov (Maminov); Janashia, Bulykin (Borodyuk). Técnico: Yury Syomin.
Lazio: Marchegiani; Pancaro, Negro, Mihajlovic, Favalli; Lombardo, Almeyda, De la Peña, Stankovic; Salas (Mancini), Vieri (Boksic). Técnico: Sven-Göran Eriksson.
Gols: Janashia (62’); Boksic (77’)
Árbitro: Gilles Veissière (França)
Local e data: estádio Lokomotiv, Moscou (Rússia), em 8 de abril de 1999
Lazio 0-0 Lokomotiv
Lazio: Marchegiani; Negro, Nesta, Mihajlovic, Pancaro; Lombardo, Fernando Couto (Almeyda), Stankovic, Nedved; Mancini (De la Peña), Vieri (Boksic). Técnico: Sven-Göran Eriksson.
Lokomotiv Moscou: Nigmatullin; Arifullin, Cherevchenko, Chugainov, Gurenko; Smertin, Lavrik, Drozdov, Kharlachyov (Maminov, Borodyuk); Janashia, Bulykin. Técnico: Yury Syomin.
Árbitro: Anders Frisk (Suécia)
Local e data: estádio Olímpico, Roma (Itália), em 22 de abril de 1999