Dinâmico, inteligente, tático e, às vezes, goleador. Esse foi Alessandro Scanziani, um típico meia central italiano que, por paixão ao futebol, escapara dos estudos na Faculdade de Farmácia e não atendera ao desejo de seu pai. Essencial no melhor Ascoli da história, pioneiro na Sampdoria de Paolo Mantovani, com o qual teve ótima relação, e com passagens por Como, Inter e Genoa, o lombardo construiu carreira marcada pela solidez.
Nascido em 1953 na comuna de Verano Brianza, localizada na Lombardia, Sandro começou no futebol bem cedo: ainda na juventude, usava uma identidade falsa para jogar em campeonatos regionais. Era apenas um hobby, contudo, pois o pai introduzira o filho à ideia de trabalhar na área farmacêutica. Aos 14, Scanziani ingressou nas categorias de base do Como e, poucos anos depois, entraria também na universidade.
A escolha da carreira que priorizaria seria feita apenas em 1974. Aos 21 anos, já tendo jogado em categorias inferiores e obtido números positivos em empréstimos a Meda e Livorno, Sandro faria sua estreia na segunda divisão, atuando pelo Como. Depois disso, o futebol absorveu-o por inteiro, e os estudos foram deixados de lado.
Pelos lariani, Scanziani mostrou a veia ofensiva que havia lhe conferido celebridade pelo Meda, na Serie D, e pelo Livorno, na C. Em 1974-75, o meio-campista formou dupla no setor com Marco Tardelli e marcou oito gols na campanha do vice-campeonato do Como, que garantiu ao time o acesso à primeira divisão após uma ausência de 22 anos. Na temporada de retorno à elite, Sandro foi o artilheiro do clube no campeonato, com seis tentos, mas não foi capaz de evitar o rebaixamento.
Ainda que tenha se destacado, Scanziani permaneceu no Como para a temporada de 1976-77, na Serie B. Comandado por Osvaldo Bagnoli, que agradou a diretoria mesmo com o descenso, Sandro evoluiu taticamente. Os comascos, sextos colocados na segundona, não retornaram à elite. O meia, sim: no verão de 1977, foi procurado por agentes da Inter e logo acertou a ida para o gigante da Lombardia, deixando os lariani após 109 aparições e 21 gols.
Scanziani, que era milanista quando garoto, chegou a uma Inter que começava a se construir sob as ordens de Eugenio Bersellini, comandante que também foi contratado naquela janela – e que o treinaria, mais tarde, na Sampdoria. No biênio em Milão, Sandro jogou em diversas posições, inclusive na lateral esquerda, mas não se firmou. “Eu me dava bem com os colegas, mas um pouco menos com o treinador e a diretoria. Jamais me senti um titular”, afirmou ao site Calciomercato, em 2015.
Na primeira temporada pela Inter, Sandro faturou a Coppa Italia graças a um triunfo sobre o Napoli na final – que disputou integralmente. Jogando ao lado do craque Evaristo Beccalossi, que, assim como ele, por toda a carreira foi desprezado pelos técnicos da seleção, ajudou a equipe a alcançar um quarto lugar na Serie A em 1978-79. Este período foi apenas um prelúdio do que viria no campeonato seguinte, do qual a Beneamata foi campeã. O habilidoso careca não participaria da campanha, contudo.
Isso porque, no verão de 1979, Costantino Rozzi, histórico presidente do Ascoli, percebeu que Scanziani estava sendo subaproveitado na Inter e fez uma oferta para tirá-lo de Milão. No Picchio, Sandro ocuparia uma posição de maior protagonismo, ao contrário do que acontecia na Lombardia. De quebra, o inteligente movimento do cartola faria o meio-campista reencontrar o “maestro” Giovan Battista Fabbri, que fora seu técnico no Livorno.
Segundo Alessandro, Gibì foi o mais impactante professor que teve em sua carreira, por lhe ensinar a interpretar o jogo de forma livre e subjetiva. Scanziani carregou essas ideias consigo durante toda a sua trajetória, mas, novamente potencializado pelo técnico, se tornou um jogador ainda mais engenhoso taticamente após a passagem pelo Ascoli.
No esquema ofensivo de Fabbri, Sandro, camisa 10 do time, se aventurava por vezes no ataque, enquanto Adelio Moro, Fortunato Torrisi e Gian Franco Bellotto (ou Carlo Trevisanello) faziam a retaguarda. Pietro Anastasi liderava o pelotão da frente. Com um péssimo começo de campeonato – três vitórias em 13 jogos –, os piceni só se encontrariam na 14ª rodada, no famoso duelo contra a Juventus. Gols de Anastasi e Bellotto contribuíram para uma vitória histórica do Ascoli, que, com novo fôlego, faria um segundo turno formidável.
Em duelo contra a Roma, já no fim da temporada, Scanziani marcou dois gols na incrível vitória dos bianconeri por 3 a 0. Os sete tentos, ao todo, fizeram dele o vice-artilheiro da esquadra, no campeonato em que o clube do “presidentíssimo” Rozzi alcançou um histórico quarto lugar, ficando apenas um ponto atrás do Torino, terceiro colocado.
Após o feito, o ano brilhoso ainda teria espaço para mais: Sandro e companhia conquistariam, no Canadá, a Red Leaf Cup, competição realizada pela federação do país da América do Norte a fim de promover o futebol por lá. O Ascoli participou do torneio por indicação da FIGC, que quis premiar o time marquesão pela surpreendente campanha.
Na temporada seguinte, o Ascoli não repetiu a dose. O gás do time ficou perto de acabar, mas não o de Scanziani: dentro do cenário de dificuldades vividas pelos bianconeri, o meia terminaria a campanha como artilheiro da equipe, com cinco gols. Fabbri foi demitido antes do fim do primeiro turno, já que o elenco formado pelos mesmos jogadores do ano anterior não rendia de forma similar.
Sob o comando de Carlo Mazzone, a salvezza viria somente na última rodada, no dramático confronto direto com o Brescia, terminado em 0 a 0 e com o rebaixamento dos lombardos. Pouco depois, Sandro ainda contribuiu para o título dos marquesãos no Torneo di Capoddano, uma copa realizada pela liga e pela FIGC apenas em 1981: fez dois gols, sendo um sobre o Napoli, na fase de grupos, e outro contra Fiorentina, na semifinal. Na decisão, o Ascoli 2 a 1 sobre a Juventus.
Logo após à conquista, Sandro pediria a Rozzi que o vendesse e encerrasse a sua passagem pelo Ascoli com 63 aparições e 13 gols. A proposta mais tentadora veio da Sampdoria, na época, um time de meio de tabela na segundona, mas já presidida por Paolo Mantovani. Scanziani gostaria de continuar na Serie A e, por isso, ficou relutante quanto à proposta. Bastariam algumas horas de conversa com o dirigente, em Gênova, e, pronto, caso encerrado.
No encontro, o magnata revelara seu objetivo: conquistar o scudetto em poucos anos. Scanziani ficou pasmo. Afinal, a Sampdoria era mera coadjuvante no segundo escalão e jamais havia conquistado um título profissional. Entretanto, de acordo com o meia lombardo, a convicção do romano o entusiasmara e seria impensável não aceitar aquela ambiciosa proposta.
O primeiro ano de Sandro com a camisa 10 blucerchiata foi primoroso. Com 10 gols marcados e 100% de presenças no campeonato, Scanziani foi o jogador que mais entrou em campo pela Sampdoria e ainda foi o seu artilheiro. Sem dúvidas, demonstrou que, de fato, estava um nível acima da Serie B. A equipe terminou o certame no terceiro posto, garantiu o acesso e ainda chegou às semifinais da Coppa Italia.
Em 1982, a equipe doriana começava a ganhar mais força: os britânicos Liam Brady e Trevor Francis, além dos jovens Alessandro Renica e Roberto Mancini desembarcaram em Gênova. Sandro, até potencializado pelos novos colegas, seguiria tendo papel central no time. Assim, teria mais uma vez a primazia em aparições e uma temporada prolífica – repetindo a artilharia, com outros 10 gols marcados. Mais tarde, com seus 30 anos, ele ganharia a faixa de capitão. Aos 31, rejeitou a Roma para permanecer na Samp.
Velho conhecido do meia, Bersellini, o Sargento de Ferro, assumiu o posto técnico no início de 1984, em substituição a Renzo Ulivieri, que levara a Samp a dois sétimos postos seguidos na Serie A. O time titular, na defesa, contava com as forças de Pietro Vierchowod (ex-companheiro de Sandro no Como) e Luca Pellegrini; no meio, o capitão Scanziani, Graeme Souness e Fausto Salsano ditavam o ritmo de jogo; enquanto os jovens Mancini e Gianluca Vialli cuidavam dos gols. Estava formada, então, um esquadrão campeão e histórico. Após derrotar Torino e Fiorentina, os blucerchiati chegavam a uma inédita decisão de Coppa Italia.
No jogo de ida da decisão, em San Siro, contra o Milan, Souness fez o gol da vitória por 1 a 0; na segunda partida, realizada em um lotado Marassi, Mancini e Vialli anotaram os tentos do triunfo por 2 a 1. Capitão e cérebro daquele time, Scanziani levantou o primeiro troféu da história da Samp, o que lhe tornaria um dos pioneiros da era de ouro da agremiação e, talvez, o primeiro grande ídolo dela. Um título importantíssimo que dava início a uma dinastia extraordinária, com glórias e mais glórias. Sandro não participaria por motivos maiores – como a idade avançada –, mas a parte dele estava feita.
Ainda na temporada do título da copa, os dorianos concluíram o Campeonato Italiano com um importante quarto lugar. Em 1985-86, sem o físico de antes, Scanziani viveu um árido último ano pela Samp. O meia não participou da final da Coppa Italia contra a Roma, perdida por 3 a 2 no placar agregado, e pouco fez nos outros jogos – embora ainda tenha atuado com frequência. Assim, seu contrato não foi renovado e, após 198 partidas e 30 gols pelos blucerchiati, o lombardo começou a procurar outra equipe.
A Fiorentina era uma possibilidade, mas uma suposta lesão no menisco prejudicou a negociação. Na verdade, Scanziani disse, em uma entrevista ao jornal La Repubblica, que o maior problema teria sido a contratação de Bersellini pelo time violeta. Quando comemoravam o título da copa no Luigi Ferraris, o técnico de dura personalidade havia se trancado no vestiário, e o capitão, ao procurá-lo com o troféu em mãos, teria se sentido desapontado. A relação dos dois não era das melhores desde os tempos em que Sandro era juvenil do Como e o Sargento de Ferro dirigia a equipe principal. “Eu fui o único dos garotos da base agregados ao elenco profissional que não estreou pelo clube. Evidentemente, ele não achava que eu estava pronto”, lembrou.
Sem alternativas e abençoado por Mantovani, Sandro rumou para o arquirrival da Samp: fechou com o Genoa, que disputava a Serie B à época. Dispensando os rumores que o apontavam como “acabado”, foi o jogador com mais presenças no primeiro campeonato que disputou pelos grifoni, e, no torneio seguinte, ainda na segunda divisão, fez um dos gols contra o Modena, no confronto que salvou os rossoblù da terceirona. Scanziani deixou o clube lígure em 1988 e, antes de se aposentar, aos 36 anos de idade, jogou por uma temporada no Arezzo, da Serie C1.
Como técnico, Sandro teve uma carreira de pouco brilho e somente treinou equipes de divisões inferiores. Exerceu a profissão entre 1995 e 2010, num período em que comandou oito clubes – Gallaratese, Como, Modena, Lumezzane, Spal, Lecco, Pro Sesto e Pergocrema. Seus melhores momentos aconteceram quando alcançou os playoffs de acesso à Serie B por Como, em 1996, e Lumezzane, em 1999. Em ambas as ocasiões, seu time foi derrotado.
Hoje, Sandro vive com sua família na sua terra natal, a comuna de Verano Brianza, onde chegou a ser, inclusive, vereador. Scanziani trabalhou também como comentarista nos canais de TV Mediaset e Sportitalia.
Alessandro Scanziani
Nascimento: 23 de março de 1953, em Verano Brianza, Itália
Posição: meio-campista
Clubes como jogador: Meda (1972-73), Livorno (1973-74), Como (1974-77), Inter (1977-79), Ascoli (1979-81), Sampdoria (1981-86), Genoa (1986-88) e Arezzo (1988-89)
Títulos como jogador: Coppa Italia (1978 e 1985) e Torneo di Capodanno (1981)
Clubes como treinador: Gallaratese (1994-95), Como (1995-97), Modena (1997-98), Lumezzane (1998-2000), Spal (2000-01), Lecco (2001-02), Pro Sesto (2004) e Pergocrema (2009-10)