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O baixinho Giuseppe Galderisi virou gigante no Verona

O futebol italiano construiu sua reputação sob a égide de esquemas táticos inteligentes do ponto de vista defensivo e de zagueiros extremamente hábeis em interpretá-los, sobretudo pela qualidade no posicionamento e nos desarmes. Historicamente, atacantes de força física e estatura elevada se tornaram as armas mais utilizadas pelos treinadores para superar as paredes erguidas na Serie A. Nos anos 1980, o baixinho Giuseppe Galderisi, de apenas 1,68m, mostrou que era possível vencê-las de outra forma.

Galderisi cresceu em Trecasali, na província de Parma, mas nasceu longe dali. Natural de Salerno, a cerca de 50 quilômetros de Nápoles, o baixinho voltou a morar na cidade na adolescência e foi lá, num time de bairro, que começou a levar o futebol a sério. Com pouco mais de 14 anos, foi notado pela Juventus e, em 1977, entrou nas categorias de base da Velha Senhora. Na temporada 1980-81, quando ainda nem era maior de idade, estreou pelos profissionais bianconeri.

Depois de realizar quatro partidas na primeira campanha entre os adultos, Galderisi disputou o Mundial Sub-20 pela Itália e, no retorno da competição sediada pela Austrália, ganhou mais espaço com Giovanni Trapattoni. A Juventus passou a maior parte da temporada 1981-82 desfalcada no ataque, já que o ídolo Roberto Bettega sofreu séria lesão quando tinha cinco gols em sete rodadas da Serie A (oito em 14 partidas, somando todas as competições) e Paolo Rossi também estava indisponível – o carrasco brasileiro no Sarriá estava suspenso por manipulação de resultados.

Por causa das ausências, Pietro Paolo Virdis teve de assumir o posto de grande esperança ofensiva, coadjuvado pelo meia-atacante Liam Brady. Porém, Galderisi surpreendeu ao bagunçar a hierarquia. Apelidado pelos torcedores como Nanu (“anão”), o baixinho campano entrou no time e marcou seu primeiro gol contra a Udinese – curiosamente, a mesma equipe contra a qual estreara.

Galderisi foi um dos jovens mais promissores da Itália no início dos anos 1980 (Arquivo/Juventus FC)

Depois de abrir a contagem da carreira, Galderisi anotou uma doppietta na goleada por 4 a 1 sobre o Catanzaro e, por fim, uma tripletta sobre o Milan. Num jogo duro, em que o Diavolo encostava sempre que a Juve abria vantagem, Giuseppe – que nem tinha feito 19 anos ainda – determinou o triunfo por 3 a 2. Vitórias como aquela levaram a Velha Senhora a faturar um scudetto bastante disputado, numa campanha em que teve apenas um ponto de vantagem sobre a Fiorentina.

Nanu terminou a temporada com seis gols marcados e como uma das maiores revelações do futebol italiano, ao lado de Roberto Mancini, então no Bologna. Contudo, o garoto que anotou três vezes contra o Milan se viu relegado ao banco de reservas em 1982-83. A Juve ambicionava o topo da Europa e do mundo (o que conseguiria ainda naquela década) e, para isso, buscou Zbigniew Boniek e Michel Platini. Rossi, livre da suspensão e com status de campeão, artilheiro e melhor jogador da Copa de 1982, recuperou a camisa 9. E, assim, Galderisi faria apenas 14 partidas num ano de vice italiano e europeu, além de título da Coppa Italia. Seu único gol na campanha foi importante, porém: anotou contra a Inter nas semifinais.

O jovem Galderisi, então, recebeu uma chance do Verona, sensação da Itália em 1982-83, quando foi quarto colocado na Serie A e finalista da copa. O Hellas, muito bem treinado por Osvaldo Bagnoli, colocou o talentoso jogador de 20 anos no centro da renovação do ataque para a temporada. Além de Nanu, os butei contrataram o promissor Maurizio Iorio junto à Roma e o experiente Joe Jordan, do Milan.

Giuseppe atuava como segundo atacante, em suporte a Iorio, mas já mostrava algumas características que o levariam a se tornar centroavante: rapidez de pensamento, potência nas finalizações e um senso de posicionamento que lhe permitia ser muito oportunista e um bom cabeceador, a despeito de sua pequena estatura. Logo no primeiro ano, Galderisi foi vice-artilheiro da equipe, com sete gols na campanha que colocou os scaligeri na 6ª posição da Serie A, mais três no vice da Coppa Italia e três na Copa Uefa – incluindo dois golaços por cobertura contra o Estrela Vermelha. Era apenas o prelúdio para a consagração.

Nanu foi o artilheiro do Verona na campanha do único scudetto do clube (imago)

Em 1984-85, tanto o Verona quanto Nanu tiveram temporada inesquecível e atingiram o seu ponto máximo – no caso do atacante, muito precocemente, visto que completava 22 anos. Abastecido por Pietro Fanna, Hans-Peter Briegel, Antonio Di Gennaro e até pelo badalado Preben Elkjaer, seu companheiro de ataque, Galderisi foi o artilheiro da equipe na histórica campanha do único scudetto dos butei. O campano anotou 11 gols, muitos deles contra fortes adversários, como Napoli, Fiorentina, Udinese, Sampdoria e… a Juventus que o dispensou.

Logo após o título italiano, Galderisi recebeu sua primeira convocação para a seleção italiana, pela qual estreou num amistoso contra o México, realizado na casa do adversário. Seria justamente na terra dos mariachis que Nanu faria a maior parte de seus jogos pela Squadra Azzurra, então dirigida por Enzo Bearzot: seis dos 10 ocorreram naquele país da América do Norte.

Embora o Verona tenha caído de rendimento em 1985-86 (foi apenas 10º colocado na Serie A e não avançou até muito longe nas copas), o atacante foi um dos atletas do Hellas incluídos na lista para o Mundial de 1986. Giuseppe atuou como parceiro de Alessandro Altobelli nos quatro jogos da Nazionale e não marcou gols. Após a eliminação para a França, nas oitavas de final, também não voltou a ser chamado para a seleção.

O grupo azzurro passava a ser comandado por Azeglio Vicini, que fora seu treinador em dois Europeus Sub-21. Contudo, ainda que Vicini tivesse apreço pelo futebol de Galderisi, a abrupta queda de rendimento do atacante impedia que o técnico da seleção pudesse sequer considerá-lo.

O atacante foi titular da Itália na Copa de 1986 (imago)

Quando voltou do México, Nanu acertou com o Milan, que pagou ao Verona cinco bilhões de velhas liras e ainda cedeu o veterano Paolo Rossi como parte da negociação. O campano foi uma das primeiras grandes contratações de Silvio Berlusconi como presidente do Diavolo, mas não rendeu na Lombardia: jogou apenas 28 partidas e fez quatro gols. A aposta na retomada da sinergia com Virdis, que vestia a camisa rossonera, definitivamente não deu certo.

Ambicioso, Berlusconi adquiriu Ruud Gullit e Marco van Basten no verão de 1987, o que fechou as portas do Milan para Galderisi. O baixinho foi emprestado à Lazio, então na Serie B, e foi titular absoluto do time treinado por Eugenio Fascetti. Nanu atuou em 33 partidas e deixou os gols para o centroavante Fabio Monelli: marcou apenas um, contra 13 do artilheiro celeste. De qualquer forma, Giuseppe contribuiu para o retorno dos romanos para a elite.

Ao fim da temporada, Galderisi voltou ao Milan sabendo que não seria aproveitado. O campano via a carreira fora dos trilhos, mas ganhou uma tentativa de redirecionamento por parte do clube em que havia feito mais sucesso: o Verona repatriou Giuseppe, por empréstimo. Bagnoli ainda era o treinador e escalou Nanu ao lado de Claudio Caniggia e Marco Pacione no ataque.

O trio era promissor e, após três gols nas duas primeiras rodadas da Serie A, Nanu parecia reencontrar os bons momentos. No entanto, o baixinho viveu um jejum até a antepenúltima rodada do campeonato, quando anotou pela última vez pelo Hellas. A equipe se salvou do rebaixamento na última rodada e o jogador encerrou a campanha com 37 jogos e oito gols, considerando todas as competições. Após a passagem apagada, não permaneceu no clube.

Na fase final da carreira, Galderisi se tornou ídolo do Padova (Borsari)

Galderisi continuou no Vêneto e, com apenas 26 anos, tomou uma decisão tão inesperada quanto condizente com o redimensionamento de sua carreira. Nanu aceitou a proposta de Piero Aggradi e rumou ao Padova, que estava na segundona e não disputava a Serie A desde o início da década de 1960. Com a camisa dos biancoscudati, rivais do Verona, o atacante viria a ganhar idolatria ao longo de sete temporadas.

Pelo Padova, Nanu disputou a Serie B até 1994. Nas campanhas em que foi bem, os patavini também tiveram bom rendimento. Em 1990-91, anotou 14 gols e a equipe não conseguiu o acesso por apenas um ponto; em 1992-93, balançou as redes 12 vezes e, mais uma vez a equipe não subiu por causa de um pontinho. Finalmente, em 1993-94, a promoção foi conquistada – e com sofrimento, depois da vitória no desempate com o Cesena. Galderisi marcou 15 vezes, foi o quarto principal artilheiro da categoria e, assim, foi o grande nome do retorno dos vênetos à Serie A após 32 anos de ausência.

Na elite, o desempenho do atacante voltou a desmilinguir. Galderisi até colaborou com a permanência do Padova em 1994-95, mas só marcou uma vez em 23 aparições. Mesmo assim, o atacante começou a temporada seguinte pela equipe biancoscudata. Em dezembro de 1995, contudo, optou por rescindir o seu contrato para encerrar a carreira na recém-fundada Major League Soccer, dos Estados Unidos. Em sua passagem por Pádua, Nanu fez 207 partidas e 50 gols.

Na MLS, o italiano se dividiu entre o fraco New England Revolution, que defendeu por alguns meses em duas passagens, e o competitivo Tampa Bay Mutiny, onde passou um ano e meio e foi colega do colombiano Carlos Valderrama. Aos 34 anos, Galderisi decidiu se aposentar e continuou a viver nos Estados Unidos. Entre 1999 e 2000, o ex-atacante chegou a ser auxiliar do seu primeiro clube norte-americano.

Nos EUA, Galderisi dividiu o gramado com Valderrama (Allsport)

Em 2000, Nanu retornou à Itália para começar sua trajetória como treinador. Uma caminhada que está em andamento até hoje, mas sem grandes conquistas. Após estrear na Cremonese, seus melhores trabalhos foram por times do sul: Avellino (2006-07), Foggia (2008) e Benevento (2010-11), com os quais bateu na trave pelo acesso à Serie B. De resto, Galderisi acumulou demissões por resultados negativos e foi rebaixado para a quarta divisão italiana com Triestina (2012) e Gelbison (2023), e para a segundona portuguesa com o Olhanense (2014).

Além de ser treinador, Galderisi também atuou como comentarista de canais de TV italianos, como Sky, Rai e Mediaset. O ex-jogador também inaugurou, em Pádua, no início do milênio, uma escolinha de futebol para adolescentes de até 15 anos. Embora tenha obtido seus maiores feitos pelo Verona, Giuseppe acabou tendo uma maior identificação com o clube rival, da cidade em que mora até hoje. Em 2010, inclusive, Nanu foi eleito como maior jogador biancoscudato do século XX.

Giuseppe Galderisi
Nascimento: 22 de março de 1963, em Salerno, Itália
Posição: atacante
Clubes como jogador: Juventus (1980-83), Verona (1983-86 e 1988-89), Milan (1986-87 e 1989), Lazio (1987-88), Padova (1989-95), New England Revolution (1996 e 1997) e Tampa Bay Mutiny (1996-97)
Títulos: Serie A (1981, 1982 e 1985) e Coppa Italia (1983)
Clubes como treinador: Cremonese (2000-01), Mestre (2001-02), Giulianova (2002-03), Gubbio (2004 e 2018-19), Viterbese (2005), Sambenedettese (2005-06), Avellino (2006-07), Foggia (2008), Pescara (2008-09), Arezzo (2009-10), Benevento (2010-11), Triestina (2011-12), Salernitana (2012), Olhanense (2014), Lucchese (2014-15 e 2016-17), Vis Pesaro (2020), Mantova (2021-22) e Gelbison (2023)
Seleção italiana: 10 jogos

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1 Comentário

  • O momento em que ele, como treinador do Foggia, pisa no Bentegodi de Verona como adversário, na então Serie C1, foi muito marcante.

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