Jogos históricos

Fortes elencos de Juventus e Lazio protagonizaram partida eletrizante em 1996

Os embates entre Juventus e Lazio na temporada 2020-21 se desenrolam a partir de um nítido pano de fundo. De um lado, a Velha Senhora está focada no título europeu, mas não esquece completamente a Serie A; do outro, a equipe capitolina busca uma nova classificação para a Liga dos Campeões. Em 1995-96, a situação era praticamente idêntica quando as equipes se enfrentaram no estádio Delle Alpi para um confronto importantíssimo, em 10 de março de 1996.

Depois de uma temporada 1994-95 estelar, na qual faturou scudetto, Coppa Italia e foi vice-campeã da Copa Uefa, a equipe de Turim tinha o objetivo de ganhar a Champions League e, para tanto, fez mudanças no elenco: Roberto Baggio saiu do time para dar espaço e a camisa 10 a Alessandro Del Piero. As expectativas eram grandes, mas a Juventus fazia uma Serie A inconstante, com resultados ruins contra os times do topo da tabela, e enxergava o Milan de George Weah com vantagem de 10 pontos na liderança. Além disso, a equipe bianconera tinha sido eliminada pela Atalanta nas oitavas de final da copa e, na semana do duelo com os laziali, perdera para o Real Madrid na ida das quartas da Liga dos Campeões.

A Lazio vinha numa trajetória ascendente nos anos 1990, após retornar da Serie B no final da década anterior. Dino Zoff comandou o período de resgate dos celestes na elite, mas a partir de 1994 o revolucionário Zdenek Zeman mudou a equipe de patamar: logo na primeira temporada, o time capitolino foi vice-campeão italiano, semifinalista da Coppa Italia e caiu nas quartas da Copa Uefa. Em 1995-96, apesar do rendimento inferior e da eliminação precoce nas copas, ainda sonhava com uma disputa pela vaga direta à Liga dos Campeões. Para isso, o checo confiava nos atacantes italianos Giuseppe Signori e Pierluigi Casiraghi, vice-campeões mundiais, e no croata Alen Boksic.

Para o confronto direto, válido pela 25ª rodada da Serie A, Marcello Lippi mandou a campo um 4-4-2 sem Massimo Carrera, Alessio Tacchinardi, Paulo Sousa, Giancarlo Marocchi e Gianluca Vialli, lesionados – e ainda teve Fabrizio Ravanelli, a raposa prateada, jogando no comando de ataque com uma faixa na mão por conta do envolvimento em uma briga num posto de gasolina, que lhe causou uma microfratura quando socava aqueles que tentavam lhe agredir. Michele Padovano, contratação para a temporada 1995-96, ficou no banco. A Lazio, no 4-3-3 típico de seu treinador, teve os desfalques de Alessandro Nesta, Guerino Gottardi e Boksic.

Conte teve uma grande atuação contra a Lazio e mostrou porque se sobressaía no meio-campo juventino (Allsport)

O time romano fez um gol logo aos três minutos, depois que Giuseppe Favalli partiu para cima de Moreno Torricelli, triangulou com Signori em uma jogada pela esquerda e bateu Angelo Peruzzi. Depois disso, a Lazio não ficou muito tempo com a bola, mas passou a defender com uma linha agressiva e alta, tentando ganhar a posse ainda na transição da Juventus para sair em alta velocidade nos contra-ataques. Os biancocelestes marcavam Del Piero de forma implacável e obrigavam o time piemontês a se contentar com chutões para Ravanelli, já que os bons meio-campistas da Velha Senhora também não conseguiam espaço para trabalhar.

Com o passar do tempo, o jogo se movimentou, com um duelo franco entre os dois ataques e duras faltas, ao estilo da época. A Juventus chegou a acertar a trave numa cabeçada de Antonio Conte, mas, aos 18 minutos, Favalli roubou a bola no lado direito da defesa bianconera e um cruzamento de Signori achou Casiraghi na área. De primeira, o camisa 9 vitimou a sua antiga equipe pela quarta vez na carreira e ampliou o placar para a Lazio.

Lippi, mesmo com um semblante sereno enquanto tragava o seu charuto toscano à beira do campo, viu que seu time corria grande risco de perder não apenas aquela partida, mas de jogar a própria temporada no limbo. O treinador, então, tomou uma medida drástica e colocou Sergio Porrini no lugar de Torricelli cinco minutos após o segundo gol, no intuito de dar mais solidez ao lado direito. Com essa troca, a Juventus decidiu arriscar mais e ficar exposta. Também começou a construir seu jogo pelo chão e parou de mirar Ravanelli no jogo direto, ao passo que a Lazio recuou e buscou aproveitar erros juventinos para poder lançar sua dupla de ataque, que ficara isolada.

Aos 35 minutos, a Juventus reanimou um jogo que parecia decidido – e com uma ajuda enorme do goleiro Luca Marchegiani. Após roubou de bola na defesa, Ciro Ferrara tentou passe em profundidade para Didier Deschamps, que só conseguiu finalizar porque o morrinho artilheiro gerou uma furada clamorosa do arqueiro na intermediária: o volante francês, com a meta aberta, diminuiu o placar. Mesmo assim, o presidente Umberto Agnelli (pai de Andrea, atual mandatário da Vecchia Signora) declarou à Rai, no intervalo do jogo, que o rendimento da equipe estava aquém do esperado.

No intervalo, Lippi sacou Angelo Di Livio e arriscou ao colocar Padovano em seu lugar, deixando assim o time com três atacantes. O jogo continuou bastante aberto, seguindo a tônica da metade final da primeira etapa. A Lazio teve mais algumas boas chances, mas parou em belas defesas de Peruzzi, e a Juventus parecia cada vez mais próxima de seu gol de empate – com Padovano, chegou a acertar a trave. A equipe bianconera pressionava muito bem sem a bola e construía o jogo de forma mais inteligente, mesmo tendo Del Piero praticamente anulado.

Aos 17 do segundo tempo, temos mais um momento suicida da Lazio, e que muda o jogo de uma vez por todas. Casiraghi reclamou acintosamente de uma falta não marcada e foi expulso de forma direta pelo árbitro Domenico Messina. O atacante vinha jogando muito bem e a sua exclusão deixaria a Lazio com ainda menos chances de ampliar o placar. Sabendo disso, no minuto seguinte Lippi fez a sua última troca, sacando o zagueiro Pietro Vierchowod para dar espaço ao ponta-direita Attilio Lombardo.

Padovano entrou no segundo tempo e se tornou o grande destaque da partida entre Juventus e Lazio (EFE)

Quatro minutos depois, num cruzamento perigoso de Del Piero, o defensor José Chamot se precipitou ao tentar afastar a bola e a colocou no fundo da própria baliza, empatando o jogo. O gol contra acabaria sendo a pá de cal nas chances do time romano, que levou a virada dois minutos depois: Conte arrancou, tabelou com Padovano e bateu cruzado para marcar o terceiro.

Zeman fez duas alterações para que o seu time não perdesse muito ritmo e buscasse o empate, mas falou mais alto a vontade da Juventus de concretizar a reviravolta na temporada. Controlando a partida, a Juve ainda acha um lançamento para Padovano, o homem do jogo: marcado homem a homem, o camisa 21 se livrou de Chamot enquanto ainda tentava o domínio da bola, e, cara a cara, com Marchegiani, fez o quarto gol. Resignado, Zeman só pode acender mais um cigarro após o derradeiro tento da peleja.

A Lazio, mesmo com a derrota, não se abateu. A equipe capitolina viu que era capaz de voos maiores e se recuperou imediatamente da virada, aplicando um 4 a 0 na forte Fiorentina de Gabriel Batistuta, Francesco Toldo e Rui Costa. Os aquilotti emendaram seis vitórias e dois empates nas últimas nove rodadas e confirmaram um ótimo terceiro lugar, à frente de times como Parma, Inter, Roma e a própria Viola. Signori acabou o campeonato como artilheiro da Serie A, com incríveis 24 gols em 31 jogos – nove deles nesta sequência dos celestes.

A partida foi ainda mais significativa para a equipe vitoriosa, como de costume: de fato, serviu como divisor de águas para a Velha Senhora. Na semana seguinte, com gols de Del Piero e Padovano, a Juventus ganhou do Real Madrid por 2 a 0, revertendo o placar adverso do jogo da ida, e avançou às semifinais da Champions League. Depois de passar pelo Nantes, o time de Turim bateu o Ajax, em Roma, e se sagrou campeão europeu pela segunda vez. Na Serie A, a Juve conquistou seis vitórias e dois empates nos últimos nove jogos e terminou sendo vice.

Juventus 4-2 Lazio

Juventus: Peruzzi; Torricelli (Porrini), Ferrara, Vierchowod (Lombardo), Pessotto; Di Livio (Padovano), Conte, Deschamps, Jugovic; Del Piero, Ravanelli. Técnico: Marcello Lippi
Lazio: Marchegiani; Negro, Bergodi, Chamot, Favalli; Fuser (Marcolin), Di Matteo, Winter; Rambaudi (Esposito), Casiraghi, Signori (Iannuzzi). Técnico: Zdenek Zeman
Gols: Deschamps (35’), Chamot (contra, 70’), Conte (72’) e Padovano (83’); Favalli (3’) e Casiraghi (18’)
Cartão vermelho: Casiraghi
Local e data: Delle Alpi, em Turim (Itália), 10 de março de 1996
Árbitro: Domenico Messina (Itália)

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