Peça importantíssima na campanha do 11º scudetto da Inter, Mauro Bellugi é considerado como um dos principais nomes da escola de zagueiros do futebol italiano da década de 1970. O defensor, que também teve passagem de sucesso pelo Bologna, participou de duas Copas do Mundo, se destacando na edição de 1978. Sua única lamentação na carreira? Jamais ter defendido a Juventus.
Bellugi nasceu em Buonconvento, cidadezinha toscana da província de Siena, mas se formou nas categorias de base da Inter. Uma das maiores revelações do clube, Mauro estreou com a camisa nerazzurra em 31 de agosto de 1969, numa partida da Coppa Italia, vencida contra o Pisa. Aos 19 anos, teve uma primeira temporada bastante regular, com 21 aparições – somando as competições nacionais e europeias.
Desde cedo, Mauro se mostrou como um defensor capaz de atuar como zagueiro central, líbero ou lateral-direito. Dono de boa técnica e excelente jogo aéreo, Bellugi era rápido e tinha um posicionamento apurado, que lhe permitia se antecipar aos adversários sem cometer muitas faltas. Por essas características, ao longo de cinco temporadas fez 137 partidas vestindo a camisa da Beneamata, sendo 90 apenas na Serie A.
No período, além de ter sido uma presença importante no vestiário, ao lado do ícone Giacinto Facchetti, Bellugi viveu seu grande momento com a conquista do título italiano em 1970-71, quando tinha 20 anos. Pela Inter, guarda a inesquecível recordação de seu único gol como profissional, num duelo contra o Borussia Mönchengladbach, pela Copa dos Campeões de 1971-72. Os nerazzurri foram vice-campeões daquela edição do torneio, perdendo a final para o Ajax de Johan Cruyff.
O zagueiro ficou na Inter até 1974, quando decidiu sair por conta de desentendimentos com o craque Sandro Mazzola e a diretoria. Suas desavenças com o presidente Ivanoe Fraizzoli chegaram a envolver acusações de caráter pessoal, segundo o ex-defensor. “Foi algo vergonhoso. Eles me acusavam de ter muito dinheiro e pouca vontade de jogar. Praticamente tive de escolher entre minha esposa ou a Inter. Eu estava jogando na seleção e era reserva na Inter”, disse. Anos depois, o próprio Bellugi comparou sua situação à do xará Mauro Icardi e de sua esposa Wanda Nara, que também culminou em divórcio entre clube e atleta.
Antes de deixar a Inter, Mauro disputou sua primeira Copa do Mundo. Sequer saiu do banco, de onde viu o fiasco da Squadra Azzurra no Mundial de 1974, realizado na Alemanha Ocidental. A Itália era cabeça de chave do Grupo 4, mas só venceu o Haiti e ficou em terceiro lugar, atrás de Polônia e Argentina.
Surpreendentemente, Bellugi decidiu por jogar no Bologna, apesar de saber que dificilmente brigaria por títulos, ainda que os rossoblù tivessem acabado de conquistar a Coppa Italia. E, de fato, Mauro ficou longe das taças na Emília-Romanha: em sua passagem pelo rossoblù jamais conseguiu ir além da sétima colocação na Serie A. Por outro lado, conseguiu atuar com regularidade e, ao lado de Tazio Roversi e Franco Cresci, formar uma forte defesa – o que lhe permitiu continuar fazendo parte do grupo da Nazionale.
Bellugi jogou dois anos em alto nível no Bologna, sob as ordens de Bruno Pesaola, e no verão de 1976, chegou a ser sondado pela Juventus, seu time do coração. “Eu gostava da Juventus quando era criança. A transferência parecia certa, e eu teria adorado defendê-la. Como você pode recusar a Juventus?”, declarou. Apesar disso, a negociação não se concretizou e vestir bianconero foi um desejo jamais realizado pelo toscano.
Logo depois, uma lesão no joelho o deixou fora por quase toda a temporada 1976-77: Bellugi atuou apenas nas quatro partidas da primeira fase da Coppa Italia, entre agosto e setembro, e na primeira rodada da Serie A, voltando na derradeira jornada só para dar um gostinho à torcida. O próprio jogador confessou, ainda quando jogador, que já sentia um incômodo na articulação. Porém, seu perfil insistente não o fizera baixar a guarda e o moveu a continuar atuando até seu corpo não resistir. “O único erro que cometi foi não ter recorrido à cirurgia muito antes. Mas você sabe como é, o Bologna precisava de mim e a seleção também”, admitiu.
No tempo em que ficou parado, Bellugi jamais deixou de acreditar que poderia voltar a atuar com regularidade. Sua maior preocupação era um dia voltar a vestir a camisa da seleção italiana. Algo que Enzo Bearzot tratou de aclarar. “Ele me deu uma das minhas maiores alegrias”, disse Mauro. “Me telefonou, perguntando sobre minhas condições, e disse que a seleção ainda precisava de mim, que meu lugar estaria guardado se eu provasse que estava em boas condições”, completou.
De fato, o defensor voltaria a defender a Squadra Azzurra seria um dos protagonistas na campanha do Mundial da Argentina, que terminou com os italianos na quarta colocação. E Bellugi sabia que seria difícil ir além disso. Um ano antes, durante uma entrevista, ele já colocava Argentina e Holanda como as favoritas. As duas seleções foram justamente as finalistas.
Os holandeses, porém, eram a grande aposta do zagueiro – logo os laranjas, que não encarou na partida decisiva, que valeu a classificação dos comandados de Ernst Happel à final de 1978. Ele ainda fez uma previsão que se concretizaria uma década depois, que ficou eternizada com o trio formado por Ruud Gullit, Marco van Basten e Frank Rijkaard no Milan. “Os jogadores de verdade são os holandeses. Têm força física e classe natural. São completos. Furto de uma escola perfeccionista. Como não os querer em nosso campeonato? Talvez poucos, mas realmente os melhores”, argumentou.
Aos 28 anos, Bellugi dizia viver um novo início de carreira após a lesão. “No dia em que sentir que não posso mais dar o meu melhor, me retirarei. Não me considero capaz de comprometer o time”, afirmou. Ele, de fato, ajudou – e muito – o Bologna: em cinco anos fez 111 partidas pelos veltri, até ser cedido ao Napoli, em 1979. No mesmo ano, faria sua despedida da seleção nacional, num amistoso contra a Suíça, em Údine.
Pelos partenopei, Bellugi disputou 34 jogos numa única temporada, concluída pelo time de Nápoles no meio da tabela da Serie A. Quando o presidente Corrado Ferlaino foi atrás de Ruud Krol, ícone da Holanda nos anos 1970, Mauro partiu para uma aventura na pequena Pistoieise, em sua primeira (e única) apresentação na Serie A. Coincidentemente (ou não?) a equipe situada na Toscana, região em que o defensor nasceu, vestia camisa alaranjada e era conhecida como olandesina, por causa da Oranje.
O time toscano era presidido pelo rico Marcello Melani, conhecido como “Faraó” pelo seu poderio econômico. Em seu projeto, investia em veteranos, como o próprio Bellugi, os também defensores Fabrizio Berni e Marcello Lippi, os meias Mario Frustalupi e Roberto Badiani, além do atacante Giorgio Rognoni. Havia algumas promessas para dar um descanso aos “velhinhos”, e a Pistoiese também apostava no ponta brasileiro Luís Silvio, vindo da Ponte Preta, que se tornaria um dos grandes fiascos da Serie A. O grupo era comandado pelo ex-goleiro Lido Vieri, histórico jogador da Inter – onde foi colega de Mauro – e reserva na conquista do Europeu de 1968 e do vice-campeonato Mundial em 1970, pela Itália.
A olandesina até começou bem na elite, mas quando adentrou a zona de rebaixamento não conseguiu mais sair de lá e, rapidamente, voltou à Serie B. Bellugi atuou em 20 partidas e, em algumas delas, revezou com Lippi na função de líbero. O rebaixamento e as dores no joelho fizeram com que Mauro optasse pela aposentadoria, aos 31 anos.
O ex-defensor assumiu o papel de auxiliar da Pistoiese no retorno à B. Mesmo contando com alguns dos nomes que estiveram na elite, como Berni e Rognoni, os arancioni tiveram uma campanha ruim e flertaram com o descenso. Bellugi, então, desistiu do posto e de tentar carreira como treinador, seguindo aquilo que preconizava anos antes. “Se eu for treinador, quero começar bem. Ou vou para o banco dizer alguma coisa ou me retiro do futebol”.
E foi o que fez. Porém, Bellugi voltaria a ter o futebol como objeto de sua profissão anos mais tarde, no posto de comentarista esportivo de veículos da Toscana e também do canal 7 Gold, onde divide estúdio com os interistas Elio Corno e Filippo Tramontana, além do milanista Tiziano Crudeli.
Em novembro de 2020, o ex-jogador teve de ser internado para tratar-se da covid-19 e, devido à doença, sofreu sérias complicações no sistema circulatório. Esse quadro agravou as dores que sentia do joelho para baixo desde que se aposentou e, dessa forma, o corpo médico teve uma difícil decisão a tomar: amputar as pernas de Bellugi. O guerreiro toscano encarou a situação com ironia e espírito esportivo. “A covid me tirou até a perna com a que fiz o gol contra o Mönchengladbach. Mas irei usar as próteses de Oscar Pistorius e voltarei a correr”, disse. Apesar do otimismo, Bellugi continuou internado por mais alguns meses e, duas semanas após completar 71 anos, não resistiu a mais um agravamento do seu quadro clínico.
* Atualizado em 20 de fevereiro de 2021.
Mauro Bellugi
Nascimento: 7 de fevereiro de 1950, em Buonconvento, Itália
Morte: 20 de fevereiro de 2021, em Milão, Itália
Posição: líbero, zagueiro e lateral-direito
Clubes: Inter (1969-74), Bologna (1974-79), Napoli (1979-80) e Pistoiese (1980-81)
Títulos: Serie A (1970-71)
Seleção italiana: 32 jogos