Na temporada 1957-58, a Copa dos Campeões ainda vivia os seus primórdios, mas foi concluída com um embate épico. De um lado, o bicampeão Real Madrid; do outro, um Milan debutante em finais. Na terceira edição do torneio, os times que se consagrariam como os seus dois maiores vencedores se enfrentaram para definir o título pela primeira e única vez em toda a história: após este duelo com desfecho favorável aos espanhóis, blancos e rossoneri jamais se encontraram em decisões novamente.
O Milan havia estreado na Copa dos Campeões na temporada 1955-56, justamente na edição inaugural da competição – que, como o nome deixava claro, era disputada apenas pelos ganhadores das ligas europeias. Naquela ocasião, os rossoneri foram eliminados pelo Real Madrid nas semifinais. Em 1958, estava posta a oportunidade de ser feita a revanche sobre os blancos, que tentavam o terceiro título em três participações no torneio. A desforra poderia vingar também a Fiorentina, derrotada pelos próprios merengues na decisão de 1957.
Ao longo da década de 1950, o Milan virou a chave em sua história. Em 1951, embalado pelo trio Gre-No-Li, composto pelos suecos campeões olímpicos Gunnar Gren, Gunnar Nordahl e Nils Liedholm, o Diavolo encerrou jejum de 44 anos sem títulos italianos e faturou o seu quarto scudetto. O trio se desfez com o tempo, mas o terceiro dos citados permaneceu firme no meio-campo, ajudando os rossoneri a conquistarem a Serie A mais três vezes no decênio – em 1955, 1957 e 1959.
Comandado pelo capitão Liedholm, o Milan ganhou, gradualmente, destaque no cenário europeu. Em 1957-58, o sueco teve a companhia de jogadores de peso, como Lorenzo Buffon, Cesare Maldini, Juan Alberto Schiaffino, Carlo Galli, Ernesto Grillo e Ernesto Cucchiaroni – além dos jovens Luigi Radice, Gastone Bean e Giancarlo Danova. O comando da equipe rossonera estava a cargo de Giuseppe Viani, um dos mais revolucionários técnicos da época.
Numa época em que a competição era disputada inteiramente em mata-mata, o caminho do Milan começou com uma goleada por 4 a 1 sobre o Rapid Vienna. Porém, os austríacos reagiram na volta e, após triunfo por 5 a 2, igualaram o placar agregado em 6 a 6 e forçaram a realização de jogo extra em campo neutro. Na Suíça, os rossoneri ganharam por 4 a 2 e avançaram às oitavas de final. Curiosamente, aquela seria a mais dura eliminatória da campanha do Diavolo.
Nas oitavas, o Milan passeou ante o Glasgow Rangers e se classificou com um agregado de 6 a 1. Depois, passou pelo Borussia Dortmund com um 5 a 2 nas quartas de final. Nas semis, o time italiano encarou um Manchester United em frangalhos, três meses após o acidente aéreo que vitimou oito atletas e deixou outros sem condições de jogo – o desastre ocorreu numa escala em Munique, na Alemanha, quando a delegação retornava para a Inglaterra após eliminar o Estrela Vermelha, da Iugoslávia.
Sobrevivente da catástrofe, o técnico Matt Busby foi obrigado a escalar uma equipe recheada de garotos, apelidada de Busby Babes devido à sua juventude. Na ida, o Manchester United até venceu por 2 a 1 em Old Trafford. Na volta, contudo, os Red Devils não foram páreo para o Diavolo, que lhes aplicou 4 a 0. Pela primeira vez na história, o Milan chegava à final da Copa dos Campeões.
Do outro lado do campo, o Milan teria o imponente Real Madrid, que havia conquistado as duas edições iniciais da Copa dos Campeões e, sob o comando do técnico argentino Luis Carniglia, buscava o cobiçado terceiro título consecutivo. Sem sombra de dúvidas, os merengues eram os francos favoritos. Liderados por nomes icônicos, como Alfredo Di Stéfano, Francisco Gento e Raymond Kopa, os blancos deram show em sua trajetória continental: estraçalharam Royal Antwerp (8 a 1 no placar agregado, com direito a 6 a 0 no Santiago Bernabéu) e Sevilla (10 a 2, com goleada por 8 a 0 na capital) e foram um pouco mais econômicos com o Vasas, da Hungria. Após 4 a 0 em casa, relaxaram e perderam por 2 a 0 na viagem ao leste da Europa.
O palco do duelo entre espanhóis e italianos foi o estádio de Heysel, em Bruxelas, capital da Bélgica. De um lado, o Milan, capitaneado por Liedholm, vestia o seu tradicional uniforme rossonero; do outro, o Real Madrid trajava um conjunto totalmente branco e, apesar de suas emblemáticas estrelas no ataque, quem liderava o time era o goleiro Juan Alonso. A arbitragem estava sob a responsabilidade de Albert Alsteen, que estava em casa. Entre os cerca de 67 mil presentes para a final, destaque para a família real belga.
Os madridistas deram o pontapé inicial e logo buscaram seu primeiro ataque. O setor ofensivo merengue preocupava Viani, visto que chegara à final com um total de 22 gols marcados em seis partidas – o Milan, contudo, não ficava tão atrás, visto que anotara 26 vezes em nove compromissos. Os detentores do título procuraram ditar o ritmo do jogo, mas as redes não foram balançadas na etapa inicial.
Buscando jogadas pelas laterais, com Danova e Cucchiaroni, o Milan tinha Grillo centralizado, e o centroavante argentino também participava da maioria das investidas ofensivas, com sua intensa movimentação. Schiaffino pensava mais o jogo. E foi numa de suas iniciativas que os rossoneri abriram o placar: aos 59 minutos, o uruguaio recebeu um passe entre os defensores e, com a bola quicando na entrada da área, disparou um belo chute de canhota, que morreu no canto do gol de Alonso.
O que se desenrolou a seguir foi um verdadeiro frenesi. A lenda Di Stéfano usufruiu de sua incrível astúcia na área, driblou por acaso Liedholm e finalizou com força para empatar o jogo, já aos 74 – foi o décimo gol do artilheiro da competição naquele ano. A resposta italiana veio logo em seguida, três minutos depois, quando Grillo, com um chute angulado, recolocou os rossoneri na frente.
Pouco depois, Cucchiaroni foi desarmado por José Santamaría com um carrinho dentro da área. Os italianos reclamaram, pedindo pênalti do uruguaio. O árbitro, bem posicionado, mandou o jogo prosseguir. No lance seguinte, apenas dois minutos após o gol do Milan, Héctor Rial recebeu um cruzamento da direita e encobriu Narciso Soldan, empatando novamente a partida. O arqueiro, vale destacar, era o reserva dos rossoneri e foi escolhido por Viani para tomar o lugar de Buffon na decisão – o veterano, tio de Gianluigi Buffon, atuara em sete dos nove compromissos anteriores do Diavolo no torneio.
Com dez minutos restantes no relógio, as equipes se resguardaram, não se arriscaram mais, e a partida terminou empatada em 2 a 2 após o tempo regulamentar. Naquela época, substituições ainda não eram permitidas, o que significava que todos os 22 titulares teriam que encarar mais meia hora de jogo para decidirem o campeão da terceira edição da Copa dos Campeões.
A posse de bola indicara impressionantes 75% a favor do Real Madrid, mostrando o domínio coletivo do time na época. No entanto, o Milan tinha sido mais eficiente, considerando que precisou de pouco tempo com a pelota nos pés para marcar tantos gols quanto os merengues. Na prorrogação, o cenário não deveria ser diferente, com os espanhóis buscando o ataque e os rossoneri se esforçando para conter Di Stéfano e companhia. A primeira etapa acabou transcorrendo sem mudanças no placar.
No início do segundo tempo da prorrogação, porém, as redes foram balançadas. Paco Gento disparou um chute rasteiro que atravessou toda a defesa rossonera e passou por baixo das mãos de Soldan, encerrando de maneira amarga as chances de o Milan superar os Reis da Europa.
Novamente em vantagem, o Real Madrid não deu sopa para o azar e deu continuidade a sua impressionante sequência: na Bélgica, faturou o terceiro de seus cinco títulos europeus consecutivos nas cinco primeiras edições da Copa dos Campeões. Após o Benfica interromper o domínio dos merengues e ser bicampeão, o Diavolo entraria para o grupo dos vencedores ao derrotar os encarnados em 1963, com um elenco bastante renovado e com apenas dois remanescentes da final de Heysel: Maldini, o capitão, e Radice, o vice.
Real Madrid 3-2 Milan
Real Madrid: Alonso; Lesmes, Santamaría, Atienza; Kopa, Zárraga, Santisteban, Gento; Rial, Joseíto; Di Stéfano. Técnico: Luis Carniglia.
Milan: Soldan; Maldini; Fontana, Beraldo, Radice; Liedholm; Bergamaschi; Schiaffino, Grillo, Danova, Cucchiaroni. Técnico: Giuseppe Viani.
Gols: Di Stéfano (74’), Rial (79’) e Gento (107’); Schiaffino (59’) e Grillo (77’)
Árbitro: Albert Alsteen (Bélgica)
Local e data: estádio Heysel, Bruxelas (Bélgica), em 28 de maio de 1958