O zagueiro Márcio Santos dispensa longas apresentações para o brasileiro que acompanha futebol de perto. Afinal, ele foi titular na campanha do tetracampeonato mundial do Brasil, em 1994, e passou por grandes clubes do nosso país – como Internacional, Botafogo, Atlético-MG, São Paulo e Santos. Do que pouca gente lembra, contudo, é da passagem relâmpago do defensor pela Fiorentina logo após a Copa do Mundo. Muito menos pessoas têm conhecimento do que rondou a estadia do brasileiro em Florença.
Márcio Santos nasceu em 1969, em São Paulo, capital. Porém, precisou se mudar para a região noroeste do estado para estrear profissionalmente no esporte. Em 1987, aos 18 anos, o zagueiro deu os seus primeiros passos pelo Novorizontino, clube que defendeu por três temporadas, nas quais disputou a Série B e foi vice-campeão paulista de 1990. Em franca evolução, saltou aos olhos do Internacional e da Seleção: em setembro daquele ano, quando já vestia a camisa colorada, recebeu a primeira chance no escrete canarinho, então treinado por Paulo Roberto Falcão. Estreou numa derrota por 3 a 0 para a Espanha, em amistoso.
Nos tempos de Inter, o zagueiro foi campeão gaúcho de 1991 e ganhou uma oportunidade de representar o Brasil na Copa América do mesmo ano. O colorado foi reserva nos três primeiros jogos na competição continental e tomou a posição de Wilson Gottardo após derrota para a Colômbia, passando a formar a dupla titular com Ricardo Rocha. Depois do vice-campeonato e da demissão de Falcão, Márcio Santos perdeu espaço com Carlos Alberto Parreira e demorou a ter sequência com a amarelinha.
Após ganhar a Bola de Prata do Brasileirão de 1991, o defensor trocou o Internacional pelo Botafogo na virada do ano. Pelo alvinegro, contudo, só foi chamado pelo técnico brasileiro em uma ocasião. Após alguns meses no Rio de Janeiro, um jovem Márcio (prestes a completar 23 anos) se transferiu para o Bordeaux, campeão da segundona francesa, e só retornou ao grupo de Parreira depois de uma temporada consistente na Europa. Em 1992-93, ajudou os girondinos a terminarem o campeonato com a defesa menos vazada, a quarta posição e uma vaga na Copa Uefa, além de ter sido escolhido como um dos melhores estrangeiros do certame. Mesmo assim, não fez parte do elenco que disputou a Copa América de 1993.
O Bordeaux teve uma defesa menos sólida em 1993-94, mas repetiu a dose em termos de resultados no campeonato. Márcio Santos sofreu com algumas lesões, mas foi um dos destaques da equipe ao lado do lateral-esquerdo Bixente Lizarazu, do atacante Christophe Dugarry e dos meias Richard Witschge e Zinédine Zidane. Parreira, então, confirmou o zagueiro paulistano no elenco brasileiro para a Copa do Mundo.
O camisa 15 seria reserva de Ricardo Gomes, mas se tornou titular por conta da lesão do atleta do Paris Saint-Germain e disputou todos os minutos possíveis no Mundial. O jogador do Bordeaux começou fazendo parceria com Ricardo Rocha, mas a lesão do beque vascaíno na estreia contra a Rússia fez nascer a dupla de zaga do tetra, formada por Márcio Santos e Aldair – sendo que o atleta da Roma também foi para a Copa em substituição ao cortado Mozer. Márcio marcou um gol contra Camarões, mas se despediu perdendo o primeiro pênalti da disputa decisiva contra a Itália, na final. Não importava: além de levantar a taça, o zagueiro ainda foi eleito para a seleção do torneio.
Cacifado pelo tetra e por frequentar o rol dos melhores zagueiros do mundo naquela temporada, Márcio Santos rapidamente encontrou espaço no campeonato mais badalado do planeta à época: 10 dias após a Copa, foi adquirido pela Fiorentina, que voltava à Serie A depois de um ano na segundona. Na impossibilidade de fechar com Lilian Thuram, cuja saída do Monaco foi vetada pelo técnico Arsène Wenger, a equipe de Florença buscou a estatura e a força física do brasileiro, que tinha atributos importantes para se firmar na Itália.
Quando Márcio Santos chegou para assinar o contrato na casa do presidente Vittorio Cecchi Gori, no dia 28 de julho de 1994, o cartola quis proporcionar um clima de acolhimento para o novo contratado. Numa conversa cheia de brincadeiras, o senador da República Italiana perguntou ao zagueiro qual atriz ele achava mais bonita, ao que Márcio respondeu que admirava Sharon Stone – em voga na época por sua atuação no filme Instinto Selvagem, de 1992. Cecchi Gori, que foi um dos produtores cinematográficos mais influentes do país na década de 1990, então, vaticinou: se o brasileiro marcasse sete gols na temporada, ele teria direito a um jantar com a estrela de Hollywood.
Numa entrevista à Placar, em novembro de 1999, na qual conversou com com Rodolfo Rodrigues e Sérgio Xavier Filho sobre ser um sex symbol e filosofou sobre ensaios sensuais (Márcio Santos posou nu para a revista Boss, na Itália), o zagueiro desconversou sobre esse possível “bônus” contratual acertado com Cecchi Gori. “Eu falei que a aposta não fazia sentido, afinal eu nunca havia feito tantos gols em outros campeonatos”, alegou.
Durante a campanha da Fiorentina de Claudio Ranieri, os gols ficaram por conta de Gabriel Batistuta, que marcou 26 dos 61 gols da equipe e terminou a Serie A 1994-95 na artilharia do campeonato. A defesa violeta, por sua vez, foi uma protagonista às avessas: sofreu 57 e foi a terceira mais vazada da competição. Márcio Santos sucumbiu juntamente ao setor, já que foi titular em toda a campanha, atuando em 32 das 34 rodadas do certame – além de disputar as seis partidas dos gigliati na Coppa Italia. Um dos poucos motivos que teve para celebrar foi não estar em campo na vexatória derrota por 8 a 2 para a Lazio de Zdenek Zeman.
O jantar com Sharon Stone, como você pode imaginar, nunca aconteceu – mas, garante o jogador, a atriz ficou sabendo da história algum tempo depois e mandou-lhe um beijo. Pela Fiorentina, Márcio colocou a bola nas redes quatro vezes: duas a favor e duas contra, todas na reta final do campeonato. O brasileiro começou a sequência de forma negativa, encobrindo Francesco Toldo com uma cabeçada catastrófica no empate por 2 a 2 com o Bari, na 26ª rodada; anotou um dos tentos da vitória por 4 a 0 sobre o Napoli, na 27ª; e guardou a cereja do bolo para a 32ª. Num amalucado triunfo por 6 a 3 sobre o Torino, o paulistano marcou uma vez para cada lado.
Na já citada entrevista à Placar, Márcio Santos foi perguntado sobre o porquê de não ter dado certo na Itália. Além de elogiar a Serie A, que definiu como o mais difícil do mundo, o zagueiro não teve meias palavras para avaliar a qualidade do elenco da Fiorentina. “Eu ficava de boca aberta com a cobrança. O time tinha acabado de subir da Serie B e eles não contrataram ninguém, apenas eu e o Rui Costa. O Batistuta era o único craque do time. Aquela equipe era muito ruim”, disparou.
De fato, aquela Fiorentina não era tão brilhante. Mas tinha um elenco condizente para terminar a temporada no meio da tabela, como aconteceu: os toscanos terminaram o Campeonato Italiano na 10ª posição, a cinco e sete pontos de uma vaga na Copa Uefa e da zona de rebaixamento, respectivamente. Porém, um time que tinha o próprio Márcio e jogadores como Toldo, Rui Costa e Batistuta (além dos valorosos Daniele Carnasciali, Stefano Pioli, Andrea Sottil, Sandro Cois, Angelo Carbone, Fabrizio Di Mauro, Francesco Baiano e Francesco Flachi) não poderia ser taxada como “muito ruim”. Inclusive, grande parte dessa espinha dorsal permaneceu para a temporada 1995-96 e terminou a Serie A com a terceira colocação.
Márcio Santos, depois da desilusão, não deu prosseguimento à vida em Florença. O zagueiro chegou a ser especulado como substituto de Ronald Koeman no Barcelona e demonstrou interesse de se mudar para o futebol espanhol, mas acabou mesmo rumando à Holanda. No Ajax, o paulistano teve de lidar, logo após a sua chegada, com uma lesão que lhe afastou dos gramados por seis meses. Porém, o seu maior obstáculo foi o ego avantajado de Louis van Gaal.
Márcio fez as críticas mais comuns ao técnico (“queria ser o rei da cocada preta, o centro das atenções”), com quem discutiu duramente algumas vezes. Também se recusou a ser utilizado como lateral-direito, como queria o comandante. Apesar de ter ganhado uma Eredivisie, o brasileiro se despediu do Ajax depois de uma situação insólita no clássico contra o PSV Eindhoven. Substituiu o lesionado Mario Melchiot aos 54 minutos e, no primeiro lance, perdeu o tempo de bola e fez falta em Luc Nilis numa situação clara e manifesta de gol. Foi expulso, acabou sendo barrado e nunca mais vestiu a camisa dos Godenzonen.
Aos 27 anos, Márcio Santos voltou para o futebol brasileiro e teve um brilhareco por Atlético-MG e São Paulo – seu time do coração. No país, conviveu com problemas físicos e teve suas últimas oportunidades pela Seleção: foi reserva na Copa América de 1997 e acabou perdendo a chance de disputar a Copa do Mundo seguinte por uma lesão sofrida na final do Paulistão, taça que conquistou. Seu último jogo pela amarelinha ocorreu em maio de 1997, numa derrota por 4 a 2 em amistoso contra a Noruega.
Já em fase descendente da carreira, Márcio Santos deixou o São Paulo após rusgas com o técnico Paulo César Carpegiani e teve sua última passagem por um grande clube em 2000, quando defendeu o Santos. Depois disso, rodou pelo mundo: foi campeão brasiliense pelo Gama e acumulou brevíssimas experiências por Shandong Luneng (China), Etti Paulista, Bolívar (Bolívia) e Joinville. Em 2004, se aposentou na Portuguesa Santista.
Afastado do mundo da bola, Márcio passou a se dedicar a negócios que abriu em Santa Catarina e, em 2008, superou um acidente vascular cerebral que, felizmente, não lhe deixou sequelas. No fim de 2020, se reaproximou dos gramados ao se tornar coordenador de futebol do Santos, mas passou apenas três meses no cargo e foi dispensado em janeiro de 2021. Para além de tudo isso, o ex-zagueiro continua popular no folclore do esporte italiano por nunca ter tido a chance de ir ao tal jantar com Sharon Stone.
Márcio Roberto dos Santos
Nascimento: 15 de setembro de 1969, em São Paulo (SP)
Posição: zagueiro
Clubes: Novorizontino (1987-90), Internacional (1990-91), Botafogo (1992), Bordeaux (1994-94), Fiorentina (1994-95), Ajax (1995-96), Atlético-MG (1997), São Paulo (1997-99), Santos (2000), Gama (2001), Shandong Luneng (2001), Etti Jundiaí (2002), Bolívar (2003), Joinville (2003) e Portuguesa Santista (2004)
Títulos: Campeonato Gaúcho (1991), Copa do Mundo (1994), Copa Umbro (1995), Eredivisie (1996), Copa América (1997), Campeonato Paulista (1998) e Campeonato Brasiliense (2001)
Seleção brasileira: 43 jogos e cinco gols