Jogos históricos

A Grande Inter teve seu fim após derrota para o Celtic, na decisão da Copa dos Campeões de 1967

Em 2023, a Inter chegou à decisão da Liga dos Campeões pela sexta vez, encerrando um jejum de 13 anos sem alcançar este estágio da competição. Antes de encarar o Manchester City, a Beneamata construiu um retrospecto de três vitórias em finais – ganhou as de 1964, 1965 e 2010 –, e amargou derrotas em 1967 e 1972. A queda para o Ajax de Johan Cruyff não gerou consequências adicionais, mas o primeiro desses reveses teve forte impacto: a perda do título para o Celtic representou o último ato da equipe conhecida como Grande Inter, que deixou uma marca indelével no futebol da década de 1960.

A Grande Inter começou a ser construída a partir de 1960, quando Angelo Moratti, presidente da agremiação desde 1955, contratou o técnico Helenio Herrera. As primeiras vitórias do franco-argentino como técnico haviam sido obtidas na década anterior, em passagens por Atlético de Madrid e Barcelona – e em uma época de total dominância do Real Madrid no futebol espanhol. Consigo, o comandante levou o catenaccio, que aprimorou na Itália, e, posteriormente, Luis Suárez, que se consolidaria como maestro da Beneamata.

Os capitães Picchi e McNeill posam com o trio de arbitragem antes da final (imago/Kicker/Metelmann)

Além de Herrera e Suárez, Moratti buscou craques em outros clubes e deu vazão a um ambiente que favoreceu o amadurecimento de lendas feitas em casa. Os títulos começaram a vir pouco tempo depois: em 1963, os nerazzurri – que já contavam com um elenco formado por Suárez, Tarcisio Burgnich, Giacinto Facchetti, Armando Picchi, Aristide Guarneri, Mario Corso, Sandro Mazzola e Jair da Costa – conquistaram seu oitavo scudetto, no mesmo ano em que o arquirrival Milan se tornava o primeiro time italiano a vencer a Copa dos Campeões.

O título nacional garantiu a Beneamata na edição seguinte da competição. A missão de levantar um troféu europeu, contudo, foi nada fácil. O esquadrão de Herrera passou por pedreiras – como o Everton, na estreia, e o Borussia Dortmund, nas semifinais – e enfrentou, na decisão, o Real Madrid de Alfredo Di Stéfano, Ferenc Puskás e companhia. Encantando a todos naquele fim de maio, em Viena, a equipe nerazzurra fez 3 a 1 e se consagrou campeã do torneio pela primeira vez. A Grande Inter começava a ganhar relevo continental.

Nos anos seguintes, a Beneamata adicionaria mais títulos a seu cartel. Os nerazzurri faturaram outra taça da Copa dos Campeões, obtida de forma consecutiva, além de um bicampeonato mundial e dois scudetti – com essas duas conquistas locais, a equipe chegou a 10 sucessos na Serie A e passou a ostentar uma estrela no peito. A ascensão estava consolidada e a Grande Inter já ocupava um posto no grupo das maiores potências do futebol global naquela época.

Corso era um dos destaques da Inter, mas pouco apareceu na decisão com o Celtic (imago)

No entanto, como tudo na vida, o momento de glórias chegaria ao fim. Sonhando com o tri europeu, a Beneamata cairia, nas semifinais da Copa dos Campeões de 1965-66, para o mesmo Real Madrid que batera na decisão de dois anos antes. Apesar disso, os italianos não desistiram do sonho e entravam na edição da temporada 1966-67 no grupo dos favoritos ao título. E aqui começa, de fato, a nossa história.

Na Copa dos Campeões daquele ano, a Inter encarou o Torpedo Moscou na primeira fase, e se classificou graças a um placar agregado de apenas 1 a 0 – obtido graças a um gol contra de Valery Voronin. Depois, tranquilidade, por conta do 4 a 1 sobre o húngaro Vasas. Nas quartas de final, os nerazzurri encararam seu grande adversário continental na década: o Real Madrid.

Apesar da dificuldade esperada, devido à rivalidade construída naqueles anos e à qualidade do elenco adversário, a Beneamata foi soberana contra os merengues. Renato Cappellini foi o principal herói da classificação dos nerazzurri para as semis, marcando nos confrontos de ida e volta, e o Real Madrid foi despachado com um sonoro 3 a 0. Após vingar a eliminação na temporada anterior, a Grande Inter enfrentou o CSKA Sofia e, após dois empates por 1 a 1, precisou de um terceiro jogo para garantir a classificação em mais uma final. Cappellini foi o herói mais uma vez, anotando o gol de desempate da série.

Muito ativo no duelo, Auld deu trabalho a Picchi e aos interistas, de maneira geral (imago)

Do outro lado, havia o Celtic, campeão escocês de 1965-66 com dois pontos a mais do que o Rangers, seu eterno arquirrival. Os Hoops eram praticamente antagônicos da Inter: ao catenaccio e às estrelas da equipe italiana, se opunha um time menos badalado e de estilo de jogo mais ofensivo. Contudo, aquele elenco tinha alguns jogadores que ficariam marcados no grupo dos maiores da história do clube – como o capitão Billy McNeill, Tommy Gemmell, Bobby Lennox, Stevie Chalmers e Jimmy Johnstone. Todos eles eram comandados pelo técnico Jock Stein, outra lenda do futebol.

A caminhada dos celtas foi mais tranquila que a dos italianos, apesar de não terem mantido a invencibilidade. Os escoceses passaram com folga pelo Zürich, da Suíça, por um placar agregado de 5 a 0, e ainda eliminaram o francês Nantes (6 a 2), o iugoslavo Vojvodina (2 a 1) e o checoslovaco Dukla Praga (3 a 1) – a derrota na ida das quartas de final foi a única mancha da campanha. O maior desafio dos Bhoys seria justamente na decisão, contra a Grande Inter.

No fim de maio de 1967, o encontro entre os dois estilos de futebol aconteceu no Estádio Nacional do Jamor, localizado em Oeiras, fração do distrito de Lisboa. Os dois times também tinham desfalques: do lado do Celtics, Joe McBride, uma das peças-chave do explosivo ataque, machucou o joelho na véspera de Natal e perdeu o resto da temporada. Mas a perda maior estaria no lado da Inter: Suárez se lesionou e ficou de fora. Sem a presença do arquiteto do meio-campo, que foi substituído pelo veterano Mauro Bicicli, a missão nerazzurra se tornava mais difícil.

O Celtic insistiu bastante, mas demorou para superar a retaguarda nerazzurra (Offside/L’Équipe)

Os minutos iniciais foram bastante animados e os goleiros Ronnie Simpson e Giuliano Sarti tiveram de trabalhar cedo. Logo aos 7, os interistas viram Cappellini ser derrubado na área e Mazzola, implacável da marca do pênalti, fez 1 a 0. Com a vantagem, era hora de seguir o plano de Herrera: fechar o meio-campo, se defender o máximo possível e contragolpear se surgisse uma brecha.

O Celtic tentou furar a retaguarda italiana, mas não obteve sucesso. Estaria se desenhando o roteiro da última vez em que os nerazzurri ficaram com o título, batendo o Benfica pelo placar mínimo? No primeiro tempo, a insistência escocesa levou Bertie Auld a acertar um forte chute no travessão e, depois, Sarti trabalhou numa ótima defesa ante Gemmell.

No segundo tempo, os Hoops voltaram com força máxima e continuaram a pressionar os italianos, que não iam ao ataque. O Celtic tentava encontrar o gol a qualquer custo e quase o fez num chute de canhota de Auld, que desviou em Picchi e foi defendido, em cima da linha, por Sarti. A insistência resultou na primeira consagração, aos 63 minutos, quando Jim Craig avançou e empurrou a retaguarda interista para dentro de sua própria grande área – sete jogadores de linha fizeram esse movimento e ficaram na frente de Sarti. Contudo, faltou gente na meia-lua: Gemmell recebeu o passe e soltou um canhão para marcar um golaço e deixar tudo igual em Portugal.

O goleiro Sarti trabalhou muito durante a final, disputada no Estádio Nacional de Jamor (MSI/Mirrorpix/Getty)

O Celtic tinha montado a arapuca: com o empate, a Inter seria obrigada a deixar o catenaccio de lado e tentar fazer o gol. Os italianos fizeram isso, sem sucesso. Porém, o ímpeto ofensivo dos escoceses continuou a empurrar os nerazzurri para seu próprio campo. As chegadas pelo flanco esquerdo, com Gemmell, Lennox e Auld eram frequentes e Sarti foi bombardeado. O goleiro efetuou várias defesas importantes e ainda viu um cruzamento despretensioso tocar no travessão.

Aos 84 minutos, restando pouco para o fim, a pressão dos Hoops resultaria na virada. Bobby Murdoch chutou cruzado e Chalmers entrou no caminho da bola para escorar, enganar Sarti e realizar o épico gol da equipe alviverde. Sem forças, a Inter pouco fez para reverter o placar. Por 2 a 1, o Celtic levaria para Glasgow um inédito – e heroico – título, que faria aquele time entrar para a história do futebol mundial. Até então, nenhum clube do Reino Unido conquistara a Copa dos Campeões, que àquela altura só havia sido levantada por italianos, portugueses e espanhóis.

Depois do apito final, a torcida celta invadiu o gramado do Estádio Nacional – a loucura obrigou os jogadores a serem escoltados por guardas para receberem o troféu. A equipe campeã ganhou o apelido de Leões de Lisboa, devido às semelhanças entre os uniformes do Celtic e do Sporting, time da cidade em que acontecera a decisão, conhecido por ter o grande felino como mascote. Aquele ano foi realmente esplêndido para os Bhoys, que ainda faturaram o Campeonato Escocês, a Copa da Escócia e a Copa da Liga Escocesa.

No finalzinho, Chalmers desviou um chute cruzado e venceu Sarti, quase intransponível até então (imago/United Archives)

Para parte considerável da imprensa da época, o triunfo do Celtic foi a “vitória do futebol”. O jornal português Mundo Desportivo – quase homônimo do diário catalão – escreveu, após o jogo: “Cedo ou tarde, a Inter de Herrera e do catenaccio, do futebol negativo e das vitórias magras, teria que pagar pela sua recusa em praticar um futebol bonito”. As críticas, contudo, eram exageradas. Afinal, o franco-argentino preconizava que sua sua equipe devia marcar “mais de 100 gols por temporada”. O número era um hipérbole, mas foi atingido no primeiro ano de sua gestão. E, em cinco das outras sete campanhas sob a batuta do treinador naquela década, a Beneamata ultrapassou os 70 anotados.

A derrota na Copa dos Campeões foi um golpe duríssimo para a Inter, que ainda perderia para o Mantova na última rodada da Serie A. A derrota fez a Beneamata ser ultrapassada pela Juventus, que ficou com o scudetto naquele ano – e os nerazzurri ainda amargariam a eliminação nas semifinais da Coppa Italia para o Padova. A expectativa de uma tríplice coroa se transformava num fiasco completo. Era o início do fim.

A Beneamata demoraria cinco temporadas para voltar a uma decisão da Copa dos Campeões, que na época era disputada apenas pelos times que ganhavam os certames nacionais da Europa e o próprio vitorioso continental. Contra o Ajax, ainda contava com alguns jogadores remanescentes da equipe duas vezes vencedora da competição, mas sem o seu mentor. Em 1968, Herrera foi comandar a Roma e, no mesmo ano, Moratti passou a agremiação para Ivanoe Fraizzoli. Terminava, assim, a era da Grande Inter – e começava um longo período de jejum para os nerazzurri, que só em 2010 reencontrariam a glória no torneio.

Celtic 2-1 Inter

Celtic: Simpson; Craig, McNeill, Clark, Gemmell; Johnstone, Murdoch, Auld, Lennox; Chalmers, Wallace. Técnico: Jock Stein.
Inter: Sarti; Picchi; Burgnich, Guarneri, Facchetti; Domenghini, Mazzola, Bedin, Bicicli, Corso; Cappellini. Técnico: Helenio Herrera.
Gols: Gemmell (63′) e Chalmers (84′); Mazzola (7′)
Árbitro: Kurt Tschenscher (Alemanha Ocidental)
Local e data: estádio Nacional do Jamor, Lisboa (Portugal), em 25 de maio de 1967

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