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Em 1998, tripletta de Gabriel Batistuta num Milan-Fiorentina deixou o San Siro em silêncio

Fazer história nos gramados da Serie A não é para qualquer um. Alguns não só conseguem ficar marcados, como também são capazes de figurar na seleta prateleira de deuses do futebol. Um deles é Gabriel Batistuta. O argentino marcou 207 gols pela Fiorentina e teve numa tripletta anotada contra o Milan, em pleno San Siro, um dos momentos mais memoráveis de sua carreira na Itália.

Pela terceira rodada da Serie A 1998-99, em 26 de setembro de 1998, Milan e Fiorentina se enfrentavam com o mesmo objetivo: começar bem a temporada. O Milan vinha de uma campanha desastrosa sob as ordens de Fabio Capello, que levou a equipe a um amargo 10° lugar na edição anterior do certame e a um vice campeonato na Coppa Italia – perdida para a Lazio. Com isso, começava um processo de transição do 4-4-2 de Capello para o 3-4-3 de Alberto Zaccheroni, o nome escolhido para recolocar os rossoneri novamente no caminho das glórias.

Do outro lado, o início da campanha representava muito para o time de Florença, já que Giovanni Trapattoni voltava à Itália após dois anos no Bayern de Munique e fazia a sua primeira temporada na Viola, em substituição a Alberto Malesani. Lendário técnico e campeão de todas as taças continentais, Trapattoni tinha a seu dispor um senhor elenco, adornado pela estrela de Batistuta, pelo talento de Rui Costa e pela entrega de Sandro Cois. Além disso, a equipe toscana havia garantido os reforços de Tomás Repka, Moreno Torricelli e Edmundo. A primeira grande atitude de Trap foi convencer Batistuta a continuar vestindo a camisa gigliata, mesmo com uma proposta milionária do Manchester United sobre a mesa.

Nas duas primeiras rodadas, Milan e Fiorentina se impuseram sobre adversários inferiores – Bologna e Salernitana, no caso dos rossoneri, e Empoli e Vicenza, no dos violetas. No tira-teima, numa tarde chuvosa na capital da Lombardia, o futebol de Batistuta falou mais alto. Logo aos seis minutos, Alessandro Costacurta errou um passe na saída de bola e deu um presente para o argentino. O camisa 9 da Viola precisou de apenas quatro toques mais um chute mortal para abrir o placar. E com requintes de crueldade, já que o torpedo ainda passou por baixo de Jens Lehmann. Uma falha na fase de construção milanista que Batistuta não perdoou.

O Milan também era perigoso, mas o sistema defensivo montado por Trapattoni se mostrou muito sólido em quase todas as chegadas dos rossoneri, que acabavam limitados a finalizar de fora da área. Nas raras vezes em que ultrapassou a barreira branca e roxa, o Diavolo não conseguiu concretizar as oportunidades – com George Weah, pela esquerda, e com Maurizio Ganz, de cabeça.

Logo após o primeiro gol contra o Milan, Batistuta encena sua icônica comemoração (AP)

A Fiorentina fazia muitas faltas e uma delas veio depois de Christian Amoroso perder a bola na fase de construção para Ganz. O atacante italiano serviu o alemão Oliver Bierhoff, que foi derrubado duramente por Repka – o árbitro Stefano Braschi não hesitou em mostrar cartão amarelo para o checo. Na cobrança, da intermediária, o time milanista carimbou a barreira. O lance, despretensioso, representou bem o que foi o primeiro tempo: uma Fiorentina resiliente em sua retaguarda segurava um Milan sem tanta inspiração.

Já pela Fiorentina, Rui Costa parecia desfilar em campo com enorme classe. O trequartista português esbanjava elegância e qualidade com a camisa branca da Viola. E, já na volta do intervalo, mostrou a que veio com um excelente passe vertical para Batistuta. O argentino precisou apenas driblar Costacurta e chutou para o gol, sem ângulo. Contudo, a bola novamente passou por baixo de Lehmann, que permitiu o segundo da equipe de Florença. Parecia que todo o trabalho de Trapattoni fez para convencer Batigol a ficar na Viola tinha valido a pena.

Depois de sofrer o segundo tento, o time de Zaccheroni foi para cima com tudo. Ganz novamente apareceu na frente de Francesco Toldo e foi esperto para tirar do arqueiro com um toquinho de canhota. A bola ia entrando, mas Pasquale Padalino apareceu de forma providencial e, com uma acrobacia, evitou o gol em cima da linha.

Alguns minutos depois, a defesa milanista cometeu mais uma trapalhada. Rui Costa avançava com muito perigo pela esquerda, mas Costacurta conseguiu desarmá-lo: no corte, a bola caminhou até Lehmann. O problema é que o goleiro agarrou a pelota com as mãos, fato que, segundo o árbitro da peleja, configurou recuo proposital – e, portanto, tiro livre indireto. Nem mesmo os nove jogadores do Milan na linha do gol foram suficientes para segurar Batistuta. Rui Costa rolou e ele fuzilou para marcar a sua tinesquecível ripletta contra o Milan.

Mas o time de Milão continuou tentando. Ganz desperdiçou mais chances, até que Zaccheroni perdeu a paciência: o técnico, então, mexeu no time e promoveu as entradas de Zvonimir Boban, Francesco Coco e Leonardo. Destes, o brasileiro foi o mais perigoso, com jogadas insinuantes pela esquerda. Contudo, quem converteu as chances criadas foi Bierhoff. Aos 70 minutos, invadiu a área e foi puxado por Jörg Heinrich, seu compatriota. O árbitro marcou o pênalti e o próprio alemão foi para a bola, marcando o gol de honra milanista.

Nem a chuva nem o Milan pararam a estratosférica exibição de Batigol (imago/Baering)

Caminhando para o final, Trapattoni ainda lançou Guillermo Amor no lugar de Amoroso – sim, esta alteração ocorreu – e mexeu na defesa, colocando Andrea Tarozzi no posto de Giulio Falcone. O lateral-direito ainda perdeu uma grande chance, em jogada excepcional de Rui Costa. O português, aliás, só esteve abaixo do rei Batistuta naquela tarde chuvosa em Milão. A Viola teve apenas quatro chances, mas fez três gols – fato bastante representativo do poder de Batigol no comando de ataque. Foi o suficiente para vencer.

O ótimo elenco e o técnico multicampeão da Fiorentina, empurrados pela apaixonada torcida gigliata, construíram um início muito bom na Serie A: a Viola foi líder em 17 das 20 rodadas iniciais da temporada 1998-99. Contudo, a queda de rendimento no final da competição levou a equipe ao terceiro lugar. O que, de qualquer forma, representava um enorme feito para a formação de Florença. Afinal, o time disputaria a fase moderna da Liga dos Campeões pela primeira vez em sua história. E, quase três décadas depois, retornava aos principais palcos da Europa.

Protagonista do triunfo em San Siro, Batistuta, também foi o timoneiro da equipe naquela edição da Serie A. O argentino marcou 21 gols e acabou como vice-artilheiro da competição, com um tento a menos que o brasileiro Amoroso, da Udinese. Com mais quatro bolas nas redes, o matador violeta ainda conduziu a Fiorentina ao vice da Coppa Italia.

Do outro lado, o Milan não teve motivos para se lamentar. Bem, Lehmann teve: só disputou mais três partidas com a camisa rossonera, nas quais repetiu a má atuação contra a Fiorentina. Do banco de reservas, o goleiro viu a equipe crescer de produção pouco a pouco. Quando o arqueiro já estava de volta ao futebol alemão – em janeiro, assinou com o Borussia Dortmund, clube em que seria ídolo –, a evolução se completou: o Diavolo acabou sagrando-se campeão na última rodada, superando uma Lazio cheia de estrelas. Final feliz para todos os envolvidos naquela peleja em Milão.

Milan 1-3 Fiorentina

Milan: Lehmann; N’Gotty, Costacurta, Maldini; Helveg, Albertini, Ambrosini (Boban), Ba (Coco); Ganz (Leonardo), Bierhoff, Weah. Técnico: Alberto Zaccheroni.
Fiorentina: Toldo; Heinrich; Falcone (Tarozzi), Padalino, Repka; Torricelli, Cois, Rui Costa, Amoroso (Amor); Batistuta, Oliveira. Técnico: Giovanni Trapattoni.
Gols: Bierhoff (70′); Batistuta (6′, 46′ e 52′)
Árbitro: Stefano Braschi (Itália)
Local e data: Estádio San Siro, Milão (Itália), em 26 de setembro de 1998

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