Seleção italiana Jogos históricos

Em 1970, uma ótima Itália não resistiu aos encantos do Brasil de Pelé e companhia

O Brasil de 1970 é provavelmente o maior esquadrão que o futebol já viu. Reunia um grupo de jogadores com um talento muito grande numa proposta de jogo que fazia com que todos eles conversassem entre si. No dia 21 de junho daquele ano, tivemos a coroação da Seleção com a vitória por 4 a 1 diante da Itália no Estádio Azteca, na Cidade do México, na final da Copa do Mundo. Um baile, um show de bola do Brasil, não é isso? Bem, não exatamente.

O Brasil fez uma grande partida naquela tarde no Azteca, mas ao longo dos anos, a narrativa acabou criando uma imagem de controle absoluto e de uma vitória construída com enorme facilidade, o que é normal, dado o encantamento que aquele time provocava. Porém, a Itália de 1970 também tinha um timaço, fez um grande jogo e merece ser reconhecida por isso.

Antes de mais nada, esclarecemos que o texto não visa “desconstruir” aquela seleção, mas simplesmente fazer justiça a um grande rival, que o Brasil venceu – e venceu bem. Além disso, assim como pontuamos na análise da semifinal de 1970, entre Itália e Alemanha Ocidental, precisamos compreender que o futebol de ontem não pode ser visto com os olhos do futebol de hoje.

Times alinhados e Pelé com um olhar diferente dos demais (imago)

Nesse sentido, Brasil e Itália tinham métodos distintos para se acomodar dentro do campo – isso constituiu parte fundamental do que foi a partida. De um lado, o Brasil, treinado por Mário Jorge Lobo Zagallo, tinha o espaço como referência para se organizar e jogava com um sistema mais próximo à leitura que podemos fazer hoje no futebol. Do outro, a Itália de Ferruccio Valcareggi se estruturava através de referências individuais, com marcação específica para muitos jogadores e uma leitura mais diversa sobre o seu “sistema de jogo”. Preservando suas características, as duas seleções entravam no gramado para decidir qual delas seria a primeira tricampeã mundial da história: os italianos ganharam a Copa em 1934 e 1938; os brasileiros, em 1958 e 1962.

A imagem que se popularizou através dos anos é a de que existiu um controle absoluto do Brasil dentro da partida. Porém, isso não ocorreu nem mesmo no que diz respeito à posse de bola. O primeiro tempo foi muito marcado por adaptações de lado a lado e contou com excelente nível da Squadra Azzurra.

Se o Brasil tinha Gérson como maestro e contava muito com as subidas de Carlos Alberto, pela direita, a Itália conseguia congestionar a entrada de sua área com a presença de Mario Bertini e Giancarlo De Sisti, que dificultavam a circulação de bola do Brasil. Quando recuperava a posse de bola, a Nazionale buscava Angelo Domenghini pelo corredor esquerdo e tinha em Luigi Riva uma figura fundamental.

Pelé deu trabalho à defesa italiana durante a maior parte do jogo (Getty)

O Brasil tinha dois jogadores com boa qualidade para iniciar a construção: Piazza e Brito, sua dupla de zaga. Na sequência, o time canarinho espetava Carlos Alberto pelo lado direito do campo e trazia Everaldo para trabalhar por dentro, próximo aos zagueiros. Gérson e Clodoaldo funcionavam em linha, à frente da defesa, ao passo que o quarteto ofensivo – Rivellino, Pelé, Tostão e Jairzinho – tinha total liberdade para jogar apenas no campo de defesa do adversário.

Para limitar as ações de um número alto de jogadores com enorme capacidade técnica, a Itália não mudou peças em relação à partida contra a Alemanha Ocidental – que durou 120 minutos, no calor do verão mexicano, e, para a época, teve muita intensidade. Valcareggi, contudo, realizou ajustes em sua abordagem. Pierluigi Cera foi mantido como o zagueiro da sobra, Roberto Rosato ficou responsável por acompanhar Tostão e Tarcisio Burgnich, por seguir Pelé. Até aí, nenhuma novidade. A diferença estava em Giacinto Facchetti, que costumava ter muito peso na construção ofensiva da equipe e acabou virando um “defensor fixo” para perseguir Jairzinho. O capitão azzurro ia aonde quer que o “Furacão da Copa” fosse.

O primeiro tempo acabou dividido em três partes diferentes. Os primeiros 15 minutos foram todos da Itália, que conseguia manter o controle defensivo com as perseguições individuais sobre o ataque brasileiro e, através de Riva, levava perigo ao gol brasileiro. Logo nos primeiros minutos, o craque do Cagliari recebeu de Sandro Mazzola e obrigou Félix a fazer uma grande defesa, num chute forte da entrada da área. Aos 10, Gigi apareceu novamente, atacando as costas de Carlos Alberto e finalizando rasteiro para a defesa do goleiro brasileiro. Apenas cinco minutos depois, Mazzola cobrou falta na segunda trave, e Riva cabeceou com perigo, após bater Brito no jogo aéreo.

Uma imagem que resume a preocupação da defesa italiana: Facchetti, Rosato e Cera debatem com Pelé (imago/WEREK)

Só que as coisas se alteram muito rapidamente no futebol, ainda mais para um time que tinha a qualidade que o Brasil reunia. Aos 18 minutos de jogo, Tostão cobrou lateral pelo lado esquerdo, Rivellino emendou de primeira e Pelé venceu Burgnich para testar para o fundo da rede. Depois do gol brasileiro, o jogo mudou completamente. Gérson e Clodoaldo ganharam maior liberdade para levar a bola até o campo ofensivo, Carlos Alberto continuou funcionando como uma locomotiva pelo setor direito e a Itália passou a ter muita dificuldade para não deixar nenhuma peça do Brasil sobrar para receber a bola.

A seleção canarinho viveu 15 minutos de muito controle da posse de bola, viu Rivellino se deslocar da ponta esquerda para o centro do campo, ocupando o espaço existente entre Domenghini e Bertini, e, dessa maneira, mandou mesmo no jogo. Mas as coisas mudam muito rápido no futebol, como salientamos acima, e um erro acabou custando o empate para o Brasil, aos 37 minutos.

Gérson inverteu o lado da jogada com Clodoaldo, que errou ao tentar um passe de calcanhar. Roberto Boninsegna roubou a bola, tirou a dupla de zaga e contou com a saída errada de Félix para mandar a bola para o fundo da rede: tudo igual na Cidade do México.

Facchetti foi o marcador de Jairzinho no Azteca (imago)

O restante do primeiro tempo foi bastante lento, com as duas equipes preservando energia para a etapa complementar. Nessa fase da partida, se estabeleceu a grande vantagem do Brasil na decisão, guiada pelo paradigma futebolístico dos anos 1960 e 1970. Assim como precisamos compreender que houve mudanças de abordagem em relação aos aspectos táticos com o decorrer da trajetória do esporte, o mesmo ocorre com os demais elementos do jogo.

Em relação aos tempos atuais, o futebol de 1970 era um jogo menos dinâmico, menos intenso e no qual os atletas tinham maior liberdade para receber a bola e tempo para levantar a cabeça, olhar o jogo ao seu redor e depois tomar a decisão – fosse driblar ou passar a bola. A Itália era uma seleção tecnicamente privilegiada, mas é provável que nenhuma outra equipe na história do futebol mundial possa ser comparada àquele esquadrão canarinho quando o assunto é nível de capacidade técnica. Dessa forma, o Brasil saía em vantagem após o intervalo, quando o cansaço já afetava os dois elencos.

O começo do segundo tempo foi de ajustes por parte da Itália. Valcareggi colocou De Sisti para jogar próximo a Bertini, liberou ainda mais o corredor direito para Carlos Alberto e aproximou Mazzola e Riva dentro de campo. Com suas duas maiores estrelas se associando e buscando soluções ofensivas, os primeiros 15 minutos da segunda etapa foram de superioridade dos campeões europeus de 1968. Durante esse período do jogo, a melhor chance dos italianos para virarem a partida aconteceu com Domenghini. O camisa 13 recebeu pelo lado direito, deixou Everaldo na saudade e finalizou para o gol: a bola desviou em Brito e tirou Félix do lance, mas raspou a trave.

Mazzola teve alguns bons momentos na partida, mas não esteve à altura dos companheiros de ataque (imago)

Essa chance desperdiçada acabou custando muito caro para o excelente time italiano. Poucos minutos depois, Jairzinho arrancou pela zona central e acionou Gérson, que já era o melhor jogador em campo a essa altura: o camisa 8 sustentava o meio-campo do Brasil, que sofria para superar a marcação da Squadra Azzurra. Depois de receber de Jairzinho, o Canhotinha de Ouro tirou Facchetti do lance e bateu com enorme categoria para vencer Enrico Albertosi e recolocar o Brasil no controle do marcador.

O extremo equilíbrio da partida acabou ali, depois de 66 minutos e do 2 a 1. A Itália, que chegara a ser melhor em vários momentos do jogo, viu o Brasil ganhar calma para trocar passes. A Seleção aproveitava o desgaste azzurro na semifinal, que fazia os italianos perderem fôlego para manter os encaixes. Sem pisar no freio, a Seleção deu o show que ficou para sempre marcado no imaginário mundial.

Gérson passou a distribuir seus famosos passes longos e Rivellino ganhou muito protagonismo, trabalhando por dentro e batendo na bola com enorme categoria. Já Pelé atuou como a figura mais avançada, que recuava para deslocar a marcação de Burgnich e abria espaço para o ataque de Jairzinho. Dessa maneira o Brasil foi colocando a Itália na roda.

Assim como em outros lances, Albertosi não teve chance no petardo de Carlos Alberto (imago)

Aos 71, Gérson realizou um lançamento de 50 metros como se fosse a coisa mais fácil do mundo, Pelé ajeitou de cabeça e Jairzinho dominou com o tronco. Na hora de finalizar, errou. Mas enganou Albertosi e mandou para o fundo das redes, se tornando o primeiro, e até hoje o único, a marcar em todos os jogos de que participou em uma Copa do Mundo. Depois do terceiro gol sofrido, a Itália realizou trocas, buscando recuperar terreno dentro da partida. Antonio Juliano e Gianni Rivera assumiram as vagas de Bertini e Boninsegna, mas os europeus não obtiveram nenhum resultado com as alterações.

A seleção canarinho continuou jogando com muita paciência e tranquilidade, até chegar ao tento que fechou a goleada e que é considerado por muitos como o gol mais bonito já marcado em uma final de Copa do Mundo. Gérson – sempre ele – iniciou a jogada tocando para Clodoaldo, que partiu em direção ao ataque driblando quatro jogadores da Itália antes de tocar para Rivellino. Roberto dominou, olhou o campo e rapidamente fez um passe maravilhoso para Jairzinho, que passou por Facchetti e entregou a bola para Pelé. O Rei do Futebol parou a bola, notou a passagem de Carlos Alberto e só rolou para o lateral da Seleção finalizar com perfeição e marcar seu nome na história.

O dia terminou com o Brasil tricampeão, a taça Jules Rimet a caminho da América do Sul e aquele grupo para sempre marcado como um dos maiores times que o esporte já teve. Mas a Itália de 1970 merece todo o respeito e consideração, porque era mesmo um time espetacular e que poderia muito bem ter vencido o Mundial, apresentando um futebol com características diferentes das brasileiras. Isso não diminuiu a conquista da Seleção. Muito pelo contrário: apenas engrandece a força de uma equipe que conseguiu golear um adversário tão bom, e numa final de Copa do Mundo.

Brasil 4-1 Itália

Brasil: Félix; Carlos Alberto, Brito, Piazza, Everaldo; Jairzinho, Clodoaldo, Gérson, Rivellino; Tostão, Pelé. Técnico: Mário Jorge Lobo Zagallo.
Itália: Albertosi; Burgnich, Rosato, Cera, Facchetti; Domenghini, Bertini (Juliano), De Sisti; Mazzola; Boninsegna (Rivera), Riva. Técnico: Ferruccio Valcareggi.
Gols: Pelé (18′), Gérson (66′), Jairzinho (71′) e Carlos Alberto (86′); Boninsegna (37′).
Local e data: estádio Azteca, na Cidade do México (México), em 21 de junho de 1970
Árbitro: Rudi Glöckner (Alemanha Ocidental)
Cartões amarelos: Rivellino; Burgnich.

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