Brasileiros no calcio

César teve a confiança de Roberto Mancini e construiu trajetória regular na Itália

A partir da década de 1990, um fenômeno se tornou relativamente comum no futebol italiano: o de jogadores brasileiros que se transferiram para clubes do país e, na Velha Bota, passaram a atuar de forma consistentes em posições diferentes daquelas em que se formaram. Este foi o caso de César, lateral-esquerdo que se destacou pelo São Caetano na virada do século e virou bruxinho de Roberto Mancini como meia de Lazio e Inter.

Paulistano de berço, César foi criado na zona leste da capital, onde morava com seus pais e seus três irmãos. Foi naquela mesma parte de São Paulo em que deu seus primeiros passos no futebol. Quando criança, jogava na quadra da escola em que estudava e, mais velho, passou a fazer parte de times de várzea, como o Elite Itaquerense e o Ferrolho Itaquerense, que disputavam torneios amadores e eram populares na região.

Seu pai, que foi atleta de várzea, sempre incentivou os filhos a jogarem – do mesmo modo, dois irmãos de César atuavam entre os amadores. Mas só o lateral-esquerdo conseguiu se profissionalizar, através do tradicional Juventus da Mooca, também da zona leste da capital. Era 1992 quando o atleta aportou no número 117 da Rua Javari. Dois anos depois, já entre os adultos, o jovem ajudou o Moleque Travesso a garantir o acesso à primeira divisão do estadual.

O que era para ser um momento de festa, porém, virou caso de polícia. Pela conquista, a diretoria do Juventus havia combinado de dar 100 mil dólares de bicho ao elenco, em repartição igualitária. Quando um cartola chegava o estádio Conde Rodolfo Crespi com o montante em espécie no carro, dois assaltantes armados o surpreenderam e levaram a quantia. Mais tarde, a investigação concluiu que César havia sido o mandante do roubo – cada um dos cúmplices ficaria com cerca de 33 mil.

César teve uma primeira temporada mediana pela Lazio, mas foi potencializado por Mancini entre 2002 e 2004 (imago/Baering)

Até a polícia desvendar o caso, César continuou jogando pelo clube grená. Também foi adquirido pelo São Caetano e, por empréstimo, ainda defendeu a União Barbarense, pela qual conquistou um título da Série A2 do Paulista. O lateral foi condenado no início de 1998 e teria de cumprir pena de cinco anos e seis meses, em regime fechado, pelo artigo 157 do Código Penal (assalto à mão armada). Em agosto de 1999, após passar pelo complexo penitenciário do Carandiru e pelo presídio de Franco da Rocha, o atleta ganhou direito ao regime semiaberto. Afinal, tinha emprego e endereço conhecidos, além de bom comportamento.

César encontrou resistência inicial para ser reintegrado ao São Caetano, mas o diretor José Carlos Molina conseguiu convencer seus pares. O lateral, arrependido do que tinha feito, estava focado integralmente em retomar a carreira e dar um futuro melhor para Denise, sua esposa, e César Henrique, seu filho. No Azulão, além de poder mostrar que um ex-presidiário tinha recuperação, o jogador atingiu um futebol de alto nível.

Em 1999, César participou da boa campanha do São Caetano na Série B e ajudou o time do ABC paulista a flertar com o acesso. No ano seguinte, o lateral que apoiava bem o ataque e recompunha com eficiência a linha defensiva foi uma das peças-chave para o título do Azulão na Série A2 do estadual e também para o vice na Copa João Havelange. No inusitado formato de disputa daquele Brasileirão, a equipe treinada por Jair Picerni surpreendeu gigantes e só parou no Vasco de Romário, Euller, Juninho Pernambucano e Juninho Paulista.

As atuações de César chamaram a atenção de Emerson Leão, treinador da seleção brasileira. Em 2001, o lateral participou das partidas contra Equador (derrota por 1 a 0) e Peru (1 a 1), pelas Eliminatórias para a Copa do Mundo. Era certa a sua participação na Copa das Confederações, mas uma lesão interrompeu esse sonho e ele acabou ficando de fora do torneio. No entanto, em julho, o paulistano deu a volta por cima ao ser vendido para a Lazio, que pagou o equivalente a 5 milhões de dólares por seu passe.

César chegou à Lazio com quase 27 anos e teve algumas dificuldades de se impor em sua primeira temporada no exterior. Alternando entre a lateral e a meia pela esquerda no time treinado por Alberto Zaccheroni, Cesaretto – como passou a ser chamado – precisou lidar com a concorrência de Giuseppe Favalli e Dejan Stankovic. Tido como opção aos dois, o brasileiro fez 21 partidas em 2001-02, época em que a equipe celeste foi sexta colocada da Serie A, foi eliminada na fase de grupos da Champions League e nas quartas de final da Coppa Italia.

Durante seu auge pela Lazio, César conquistou uma Coppa Italia, vestiu a camisa 10 e também foi capitão da equipe (imago/Miguelez Sports Foto)

A troca no comando técnico da equipe capitolina, que ocorreu no verão europeu de 2002, fez muito bem a Cesaretto. Com a chegada de Mancini, ídolo laziale, a experiência como meio-campista passou a ser uma constante para o camisa 3, que ocupou o flanco esquerdo da Lazio no 4-4-2 em linha montado pelo treinador ou, um pouco mais centralizado, fechando o setor quando Mancio adotava o esquema 4-3-1-2. Estabelecido nesta função, o brasileiro se tornou titular e passou a somar boas atuações.

Em 2002-03, César viveu o auge de sua carreira. Absoluto no onze inicial celeste, participava ativamente da construção das jogadas e pisava na área adversária para finalizar – dessa forma, marcou quatro gols em 36 partidas. Naquela temporada, a Lazio foi quarta colocada na Serie A e foi semifinalista da Copa Uefa e da Coppa Italia, sendo eliminada por Porto e Roma, respectivamente.

A temporada seguinte tinha tudo para marcar a trajetória ascendente de Cesaretto, mas uma lesão sofrida na primeira rodada da Serie A, contra o Lecce, atrapalhou os seus planos: o canhoto, que passou a vestir a camisa 8, ficou parado por quatro meses e meio e só retornou na segunda parte da campanha. No entanto, retornou como protagonista: anotou seis gols no campeonato (incluindo um tripletta contra o Siena), contribuindo para o sexto posto dos aquilotti, e foi fundamental para o título da Coppa Italia. Na volta das semifinais, em goleada por 4 a 0 sobre o Milan, César guardou um tento e forneceu uma assistência.

No verão de 2004, Mancini foi contratado pela Inter e, dali em diante, o brasileiro viveu altos e baixos na Lazio. Na atípica temporada 2004-05, somente seis pontos separaram o Messina, sétimo colocado, do Bologna, rebaixado e ocupante do 16º posto. Entre esses times estava a equipe celeste, que viveu uma crise técnica decorrente de seus problemas financeiros e brigou para não cair – terminou em 13º. Cesaretto, que passou a usar o número 10, perdeu espaço com os comandantes Domenico Caso e Giuseppe Papadopulo, mas teve alguns momentos positivos. O maior deles, certamente, foi ter anotado um dos gols em vitória por 3 a 1 sobre a Roma.

Com moral na parte biancoceleste da Cidade Eterna, César se tornou o capitão da Lazio após a contratação do técnico Delio Rossi, no verão europeu de 2005. Dono da faixa esquerda do meio-campo da equipe, o camisa 10 voltou a atuar com regularidade e, em janeiro de 2006, recebeu um chamado de Mancini: após 119 partidas e 18 gols pelos capitolinos, o jogador de 31 anos se transferiu para a Inter.

Uma passagem pouco feliz pelo Livorno marcou um período de instabilidade na carreira de Cesaretto (imago/Buzzi)

Apesar de contar com o apreço do treinador, César teve dificuldades de se firmar em Milão. Quando teve condições físicas, o brasileiro recebeu chances, mas entregou atuações pouco convincentes na segunda metade da temporada 2005-06 – na qual a Inter faturou a Coppa Italia e, após os desdobramentos do escândalo Calciopoli, a Serie A. Dessa forma, terminou sendo emprestado ao Corinthians, que mantinha parceria com o grupo de investimentos MSI.

César, então, retornava para sua casa: a zona leste de São Paulo. Contudo, não teve uma passagem muito boa pelo alvinegro paulistano. O técnico Emerson Leão contava com o o lateral-esquerdo Gustavo Nery, que havia sido cedido ao Zaragoza, mas Cesaretto vinha atuando no meio-campo havia algum tempo. Isso interferiu diretamente em seu desempenho quando foi escalado em sua posição de origem. A sua estreia pelo Timão foi simbólica: terminou expulso depois de apenas quatro minutos num clássico contra o São Paulo.

A campanha do Corinthians em 2006 não foi muito boa e César não ficou para o ano seguinte. Depois de apenas 16 jogos e somente um gol com a camisa corintiana, o canhoto não apresentou motivos para ser reintegrado pela Inter e foi repassado ao Livorno, também por empréstimo. Apesar de ter sido sexto colocado na Serie A 2005-06 e disputar a Copa Uefa, o clube da Toscana tinha como maior objetivo garantir a permanência na elite. A meta foi conquistada com certa tranquilidade, mas o brasileiro pouco contribuiu: participou de 12 partidas, anotou um tento e foi expulso duas vezes – uma na eliminação do torneio continental, frente ao Espanyol, e outra com apenas oito minutos em campo, diante do Parma.

Contrariando qualquer expectativa, Cesaretto foi reaproveitado pela Inter em 2007-08. A agremiação não encontrou um destino para o brasileiro na janela de transferências e Mancini decidiu dar-lhe uma chance nas competições nacionais: deixado de fora da lista de inscritos na Champions League, o meia teria a função de fazer Maxwell, Stankovic, Santiago Solari e Luís Figo descansarem um pouco. Surpreendentemente, o paulistano não apenas cumpriu este papel como também se tornou um dos principais nomes dos nerazzurri na primeira parte daquela temporada.

Nos primeiros jogos da Serie A 2007-08, só Zlatan Ibrahimovic teve mais importância do que César para o funcionamento da equipe interista. Cesaretto começou com uma assistência na vitória por 2 a 0 sobre o Empoli e marcou um gol no triunfo ante o Catania, pelo mesmo placar. Ainda foi dominante na goleada por 4 a 1 contra a Roma e forneceu um passe decisivo em empate por 1 a 1 com a Juventus. A consistência mostrada no turno inicial, contudo, desapareceu junto com a virada do ano: quase não atuou mais depois de uma expulsão tola por duas faltas seguidas sobre Giandomenico Mesto, contra a Udinese, na 20ª rodada, e uma lesão sofrida dias depois.

Em sua segunda passagem pela Inter, César teve momentos equiparáveis aos dos tempos de Lazio (Getty)

Ao fim da temporada, César comemorou o seu segundo scudetto pela Inter e, prestes a completar 34 anos, também se despediu da agremiação – totalizou apenas 36 aparições com a camisa nerazzurra. Em fim de contrato, o brasileiro se tornou agente livre, mas não encontrou nenhum clube no verão europeu. Cesaretto passou alguns meses inativo e somente em novembro de 2008 assinou um vínculo com o Bologna.

Em decadência, o meia canhoto mostrou no Bologna que estava prestes a se aposentar: foi relacionado em apenas um terço das 30 partidas em que poderia representar os rossoblù, indo a campo em sete e sendo titular em duas. Os emilianos se salvaram do rebaixamento para a Serie B somente na última rodada do Italiano e não renovaram o vínculo com César. Na temporada seguinte, encerrou sua carreira pelo modesto – e já extinto – Pescina Valle del Giovenco, clube da região dos Abruzos, que militava na terceira divisão. Com o descenso para a quarta categoria, os biancoverdi decretaram falência.

Aposentado, César se reaproximou da Lazio. O ex-jogador foi técnico de equipes de base celestes e também da Samagor, uma escolinha afiliada à agremiação, além de ter representado as águias no futebol de oito. Cesaretto ainda passou pelos juvenis do Frosinone e, em 2019, fez um estágio com Fábio Carille, no Corinthians. Em 2021, virou diretor e técnico do sub-14 do Atletico 2000, ligado ao Perugia. Na Itália, assim como no Brasil, viveu todos os níveis da pirâmide intensamente.

César Aparecido Rodrigues
Nascimento: 24 de outubro de 1974, em São Paulo (SP)
Posição: lateral-esquerdo e meio-campista
Clubes: Juventus-SP (1994-98), União Barbarense (1998), São Caetano (1998-2001), Lazio (2001-06), Inter (2006 e 2007-08), Corinthians (2006-07), Livorno (2007), Bologna (2008-09) e Pescina Valle del Giovenco (2009-10)
Títulos: Série A2 do Campeonato Paulista (1998 e 2000), Coppa Italia (2004 e 2006) e Serie A (2006 e 2008)
Seleção brasileira: 2 jogos

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