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Predrag Mijatovic foi do céu ao inferno durante curta passagem pela Fiorentina

Predrag Mijatovic foi um dos melhores atacantes de sua época, e justo no momento em que o país em que cresceu passava por um processo de fragmentação. Enquanto a Iugoslávia se dividia em repúblicas independentes, o montenegrino mostrou sua habilidade fora do comum e chegou a marcar gol de título de Liga dos Campeões. Pedja, como ficou carinhosamente conhecido, também desfilou seu belo futebol em solo italiano e conquistou a Coppa Italia de 2000-01 pela Fiorentina.

A história de Mijatovic começa no antigo território da Iugoslávia. Em 19 de janeiro de 1969, em Titogrado, atual Podgorica, capital de Montenegro, nasceu o jogador que viria a brilhar no futebol internacional. Foi na própria cidade que ele deu os passos iniciais no esporte: em 1987, estreou profissionalmente pelo Buducnost. Pedja mostrou seu talento desde cedo: já em outubro do mesmo ano, aos 18, ele fez parte do plantel iugoslavo que conquistou a Copa do Mundo Sub-20 disputada no Chile. O atacante marcou três gols na campanha, sendo um deles contra o Brasil, nas quartas de final.

De volta ao Buducnost, o atacante atuou ao lado de outros astros do futebol iugoslavo, como Dejan Savicevic, meia que militou no Milan entre 1992 e 1998. Entretanto, sua habilidade fora do comum ia se consolidando e isso abriu os olhos de outros times. Ou seja, parecia ser uma questão de tempo a saída de Pedja do Buducnost.

O atacante até chegou a assinar com o Hajduk Split, da atual Croácia, porém acabou se transferindo para o Partizan, em janeiro de 1990, por interferência direta do então presidente Mirko Marjanovic – que, anos depois, seria primeiro-ministro da Iugoslávia. Tempos depois dessa reviravolta, Pedja revelou que o agravamento da situação política e de segurança na região foi um fator em sua decisão de não se juntar ao clube croata. Vale ressaltar que a região passava por intensos conflitos armados, que culminaram na dissolução da república iugoslava.

No Partizan, Mijatovic estreou marcando um gol justamente contra o Buducnost, o seu clube formador. Apesar da estreia dos sonhos de um matador, Pedja sofreu com um jejum até se adaptar totalmente ao novo time. Com o passar do tempo, a camisa alvinegra foi caindo perfeitamente no atacante, que liderou a equipe na conquista da Copa da Iugoslávia em 1992. O título foi faturado sobre o arquirrival Estrela Vermelha, então vencedor da Copa dos Campeões.

O futebol iugoslavo foi ficando pequeno para Mijatovic e, no verão de 1993, depois de o Partizan conquistar o campeonato nacional, o atacante iniciou a sua primeira aventura fora do seu país de origem, ao acertar com o Valencia. Pedja chegou à Espanha depois de duas temporadas seguidas como melhor jogador da Iugoslávia, e teve rápida ascensão no Mestalla.

Depois de passar pelo futebol espanhol, onde obteve sucesso por Valencia e Real Madrid, Pedja chegou à Fiorentina (Massimo Sestini)

Mijatovic fez uma dupla bastante prolífica com Lyuboslav Penev nos dois primeiros anos de clube. Os dois eram os principais artilheiros do Valencia e, a partir de 1995, com a saída do búlgaro para o Atlético de Madrid, Pedja passou a render pelos dois. Graças aos 28 gols marcados pelo montenegrino, segundo principal artilheiro da La Liga, as campanhas de meio de tabela dos che se transformaram no vice-campeonato da competição, em 1995-96. Naquela temporada, o time de Luis Aragonés também foi semifinalista da Copa do Rei.

O grande desempenho em 1995-96 fez com que Pedja ganhasse ainda mais holofotes. Com esta marca, foi eleito pela revista espanhola Don Balón como o melhor jogador estrangeiro da temporada. Sendo este astro na Espanha, seria inevitável não chamar atenção dos tubarões do país. Assim, no verão de 1996, o Real Madrid anunciou a contratação do atacante – e ele não chegou sozinho. Naquela janela, os merengues adquiram também Roberto Carlos, Clarence Seedorf e Davor Suker, goleador croata que já havia jogado com Mijatovic pela seleção iugoslava.

Comando pelo italiano Fabio Capello, o camisa 8 reeditou a dupla com Suker e, aos 27 anos, vivenciou o auge de seu vigor físico – bem antes das lesões que contribuiriam para sua aposentadoria. Num ofensivo time dos blancos, que ainda tinha Raúl, Mijatovic marcou 14 gols (foi o terceiro principal artilheiro da equipe, atrás dos colegas citados acima) e contribuiu muito para o título de La Liga. Seu tento mais importante aconteceu em vitória por 2 a 0 sobre o Barcelona, após bonita tabela com Seedorf.

A temporada seguinte começou com o título da Supercopa da Espanha, sobre o Barça, e mais um show de Pedja – ele anotou um gol e forneceu duas assistências no confronto, em ida e volta. O montenegrino continuou a entregar exibições em alto nível, o que o levou a concorrer à Bola de Ouro, em 1997. No fim, Mijatovic acabou ficando em segundo lugar, atrás de Ronaldo, que acabava de trocar o Barcelona pela Inter, e à frente de Zinédine Zidane, da Juventus. Porém, este não foi o seu auge nos merengues.

No final da temporada 1997-98, o atacante marcou o gol da vitória do Real Madrid por 1 a 0 na decisão da Liga dos Campeões, justamente contra a Juventus. Aquele tento levou os blancos de volta ao lugar mais alto do pódio europeu depois de mais de 30 anos, já que eles não levantavam a orelhuda desde 1966. Por causa disso, Mijatovic ganhou a alcunha de “Herói da Sétima” – numa referência explícita ao número de taças continentais dos madrilenhos.

Meses depois da conquista, Pedja representou a seleção da Iugoslávia na Copa do Mundo e teve uma participação marcante. Na fase de grupos, anotou um gol no empate em 2 a 2 contra a Alemanha, que ajudou a equipe a avançar na competição. Contudo, nas oitavas, desperdiçou um pênalti diante da Holanda. O erro custou a classificação, já que Edgar Davids balançou as redes nos acréscimos do segundo tempo e decretou o triunfo da Oranje por 2 a 1.

Vestindo a camisa 8 violeta, Pedja ajudou a Fiorentina a fazer uma boa campanha na Champions League e a ganhar uma Coppa Italia (Bongarts/Getty)

De volta ao Real Madrid, Mijatovic conquistou apenas mais um título: o do Mundial Interclubes, sobre o Vasco, em 1998. Menos produtivo do que em épocas anteriores, o montenegrino deixou a capital espanhola no verão de 1999: a missão agora seria, aos 30 anos, ajudar a Fiorentina no futebol italiano. E o torcedor violeta tinha boas lembranças do atacante balcânico justamente por conta daquele gol decisivo sobre a Juventus, sua grande rival, em 1998. Para contar com Pedja, que chegava com status de ídolo em potencial, o presidente Vittorio Cecchi Gori desembolsou 17 bilhões de velhas liras.

Com 1,78m, Mijatovic não era dos atacantes mais altos, mas isso parece ter contado a seu favor. A velocidade, o grande poder de finalização e os dribles desconcertantes fizeram do balcânico um dos mais elegantes da posição em sua época. Dessa forma, o técnico Giovanni Trapattoni armou seu time de modo a fazer Pedja dar suporte a Gabriel Batistuta, geralmente acompanhado de Enrico Chiesa.

Na sua temporada de estreia na Bota, Pedja teve muitas dificuldades iniciais: Mijatovic fez 12 jogos, sendo nove como titular, e não marcou gols. Nos primeiros dias de novembro de 1999, o montenegrino sofreu uma séria lesão e só retornou em fevereiro. Na terceira partida após o retorno, o atacante desencantou: no 4 a 0 sobre o Parma, em pleno Ennio Tardini, anotou um golaço de falta e, antes, forneceu uma assistência para Abel Balbo.

Depois de se livrar do jejum, Mijatovic ficou bem fisicamente até meados de abril, quando ocorreu a 30ª rodada da Serie A. Antes disso, ele balançou as redes apenas outras duas vezes – uma delas contra um de seu antigos clubes. Pedja acionou a lei do ex quando encontrou o Valencia: no Artemio Franchi, ele fez o único gol da vitória da Viola sobre os che. Apesar disso, a Fiorentina ficou em terceiro na segunda fase de grupos da Liga dos Campeões e deu adeus à competição. No Italiano, a equipe não repetiu o grande desempenho de 1998-99 e ficou somente com a sétima posição.

Apesar de ter feito uma temporada irregular, Pedja era um dos grandes nomes da Iugoslávia e foi chamado por Vujadin Boskov para a disputa da Euro 2000. Poderia ter sido a sua segunda participação no torneio, caso a federação de seu país não tivesse sido suspensa por mais de dois anos, como efeito de sanções das Nações Unidas por conta das Guerras Iugoslavas. Por conta da penalidade, a seleção terminou sendo excluída da edição de 1992 da Eurocopa 10 dias antes do início do certame – Mijatovic estava na lista de convocados dos plavi. Já em 2000, assim como na Copa de 1998, os balcânicos acabaram eliminados pela Holanda na primeira fase de mata-mata.

Na volta a Florença, Pedja chegou a dar a impressão de que finalmente engrenaria com a camisa violeta. O montenegrino começou 2000-01 marcando quatro gols nas quatro primeiras partidas, contra a Salernitana, pelas oitavas de final da Coppa Italia, e o Tirol Innsbruck, pela Copa Uefa. No entanto, estas seriam quase todas as suas contribuições relevantes ao longo da campanha: fora um tento no empate por 1 a 1 com o Bologna, no Dérbi dos Apeninos, Mijatovic viveu intensos relacionamentos com o departamento médico gigliato e o banco de reservas. Não chegou a completar 1000 minutos em campo durante a temporada.

Já no final de sua passagem pela Fiorentina, Mijatovic protagoniza rara celebração, no clássico com o Bologna (Allsport)

Aquele time da Fiorentina começava a viver os primeiros efeitos do caos econômico que lhe levaria à falência, em 2002. A bagunça administrativa passou a refletir em campo e na troca frequente de treinadores. Em 2000-01, o turco Fatih Terim foi demitido após a metade da temporada e deu lugar a Roberto Mancini, que conseguiu resgatar o moral da equipe violeta, baqueada com a precoce eliminação na Copa Uefa e uma campanha negativa na Serie A – os gigliati ficaram com a nona posição. Na Coppa Italia, a Viola terminou se sagrando campeã, sobre o Parma. Pedja, contudo, não participou de nenhum jogo das semifinais e das finais.

A temporada seguinte seria a sua última na Toscana. Os seus problemas de lesão ficaram ainda mais frequentes e sua indisponibilidade foi uma constante, superando os anos anteriores. Mijatovic ainda demonstrava a insatisfação por frequentar o banco de reservas, algo que não era muito comum em sua passagem pela Espanha. Em 2001-02, o montenegrino marcou apenas um gol. E foi um tento simbólico, que representou a vexatória campanha da Fiorentina: o de honra na derrota por 4 a 1 para o Lecce.

No total, Mijatovic fez 61 partidas e nove gols com a camisa da Fiorentina. O atacante deixou a Itália após o rebaixamento e a falência do clube, ao fim de seu contrato de três anos, e regressou ao futebol espanhol. Desta vez, no verão de 2002, assinou com o Levante, rival local do Valencia. Pedja disputou apenas uma temporada pelos granotes e, com três tentos em 21 jogos, ajudou o time a alcançar o quarto lugar no segundo escalão da Espanha. Durante sua militância na equipe valenciana, ele ainda representou a seleção de Sérvia e Montenegro, substituta da Iugoslávia – foi capitão de ambas, aliás.

Mijatovic anunciou a sua aposentadoria apenas em 2004, aos 35, depois de passar um período sem clube. Após deixar os gramados, o ex-atacante continuou morando na Espanha e se tornou empresário de atletas. Em 2006, deu um passo além ao ser nomeado diretor de futebol do Real Madrid: ao longo das três temporadas em que ocupou o cargo, levou aos merengues nomes como Pepe, Marcelo, Ruud van Nistelrooy e Gonzalo Higuaín. Nos bastidores, ajudou na conquista de mais dois campeonatos nacionais. Poucos dias depois de deixar o time da capital espanhola, Pedja viveu um drama pessoal: Andreja, seu filho de apenas 15 anos, faleceu, vítima do agravamento da paralisia cerebral que lhe acompanhava desde que nascera.

Mijatovic ficou fora dos holofotes por um tempo e, em 2011, ressurgiu como um dos emissários do Anzhi Makhachkala nas tratativas que fizeram Samuel Eto’o trocar a Inter pelo futebol russo. Cinco anos depois, chegou a ter seu nome vinculado a um posto no conselho de administração do Palermo, mas as conversas com Maurizio Zamparini não progrediram. No fim das contas, escapou de uma roubada, já que os rosanero entraram em bancarrota pouco depois. Não seria nada bom para o craque ficar marcado por duas falências em solo italiano.

Predrag Mijatovic
Nascimento: 19 de janeiro de 1969, em Podgorica, Montenegro (então Titogrado, Iugoslávia)
Posição: atacante
Clubes: Buducnost Podgorica (1987-89), Partizan (1990-93), Valencia (1993-96), Real Madrid (1996-99), Fiorentina (1999-2002) e Levante (2002-03)
Títulos: Mundial Sub-20 (1987), Copa da Iugoslávia (1992), Campeonato Iugoslavo (1993), La Liga (1997), Supercopa da Espanha (1997), Liga dos Campeões (1998), Mundial Interclubes (1998) e Coppa Italia (2001)
Seleção iugoslava: 68 jogos e 26 gols
Seleção sérvio-montenegrina: 5 jogos e 1 gol

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