A contratação de um jogador que tenha acabado de desempenhar um papel importante num time vencedor de Champions League costuma ser comemorada por 99 entre cada 100 torcedores de qualquer clube. Quando o meio-campista Franck Sauzée trocou o Olympique de Marseille pela Atalanta, em 1993, não foi diferente e Bérgamo viveu momentos de discreta empolgação naquele veraneio. Só que, para o desespero dos nerazzurri, tudo deu errado ao longo da temporada.
Sauzée é natural de Aubenas, no sudeste da França, e deu seus primeiros passos nas categorias de base do Montélimar, time de homônima cidade da região em que nasceu. Ainda nos seus tempos de juvenil, o meio-campista foi notado pelo tradicional Sochaux e terminou adquirido pelo clube de propriedade da montadora Peugeot. Franck estreou pelos lionceaux em 1983.
Na época, o Sochaux vinha de anos positivos na elite francesa, com direito a vice-campeonato nacional e participações em copas europeias. A estabilidade ajudou o jovem Sauzée a se firmar no centro do campo dos jaune et blues e a se revelar um volante muito prolífico. Em 1986-87, Franck foi até artilheiro do time, com nove gols na Division 1, mas não evitou o rebaixamento da equipe de Montbéliard para a segundona. O retorno foi imediato, numa temporada concluída com o título da categoria inferior e o posto de finalista da Copa da França. Em 42 aparições ao longo de 1987-88, o loiro colocou incríveis 25 bolas nas redes.
O grande desempenho com a camisa do Sochaux levou Sauzée à seleção sub-21 francesa, com a qual faturou o Europeu Sub-21, em 1988. Naquela campanha, o meia foi fundamental para os espoirs. Primeiro, marcou um gol no finalzinho do confronto de ida das quartas, contra a Itália de Paolo Maldini, Nicola Berti, Massimo Crippa e Ruggiero Rizzitelli, garantindo o triunfo gaulês por 2 a 1 – os rivais terminariam eliminados após empate por 2 a 2 em San Benedetto del Tronto. Franck ainda anotou uma doppietta sobre a Grécia no 3 a 0 que decidiu a competição.
Em 1988, o atleta também foi contratado pelo Marseille e estreou pela equipe principal da França. A temporada representou a consolidação de Sauzée, então com 23 anos, como um dos grandes talentos do futebol francês. Franck se tornou uma peça importante do OM e dos Bleus, graças a muito dinamismo, eficiência defensiva, versatilidade (atuava também como zagueiro e meia ofensivo) e, por fim, muito poder de decisão.
Sauzée deixou isso claro ao balançar as redes, com um petardo cheio de efeito, nos acréscimos do clássico com o Paris Saint-Germain, realizado na 35ª rodada da Division 1. A vitória magra dos phocéens no Vélodrome foi preponderante para que a equipe de Marselha abrisse vantagem sobre o grande rival e faturasse o título francês. O time presidido pelo magnata Bernard Tapie comemorou a dobradinha em 1989, já que também levantou a copa nacional.
Nos quatro anos seguintes, Sauzée viveu momentos majoritariamente felizes em nível de clubes. O meia chegou a ter um parêntese no Monaco, período em que ajudou o time comandado por Arsène Wenger a vencer a Copa da França e ser vice-campeão francês em 1990-91. No entanto, brilhante mesmo foi sua trajetória no Marseille: ganhou mais três certames nacionais (o último deles cassado por manipulação de resultados) e foi peça-chave na conquista da primeira Champions League por uma agremiação do país. Titular da equipe de Raymond Goethals, ao lado de Didier Deschamps, Franck fez boa partida na decisão, contra o Milan, e ainda foi um dos artilheiros dos phocéens, com seis gols marcados – com direito a tripletta sobre o CSKA Moscou.
Enquanto empilhava títulos por clubes, Sauzée acumulava fracassos pela seleção. Franck foi nome importante da França que caiu na fase de grupos da Euro 1992 e se mostrou incapaz de se classificar para as Copas de 1990 e 1994. Nas eliminatórias para os Mundiais, ficou atrás de Iugoslávia e Escócia, na primeira ocasião, e de Suécia e Bulgária, na posterior. Para não dizer que só colheu tempestade em sua trajetória pelos Bleus, o meia foi capitão em seis partidas e detém o recorde de gol mais precoce da história da equipe nacional: aos 34 segundos, balançou as redes numa goleada por 5 a 0 sobre a Albânia.
Sauzée já não era mais um jogador do Marseille quando amargou a debacle francesa provocada pela Bulgária, em novembro de 1993 – a França, vale destacar, levou virada nos acréscimos, no confronto direto ocorrido na rodada decisiva, em pleno Parc des Princes. Na altura de sua derradeira aparição pelos Bleus, o meio-campista já havia acertado com a Atalanta, em virtude do escândalo de corrupção que levaria à cassação do título nacional do OM, em 1992-93, e ao rebaixamento do time provençal. Em Bérgamo, Franck também não teria vida fácil.
A Atalanta atravessava período interessante, com sucessivas boas campanhas por Serie A, Coppa Italia e até mesmo por competições europeias. Depois de Marcello Lippi levar a Dea ao oitavo lugar no campeonato, em 1992-93, o presidente Antonio Percassi decidiu investir 5 bilhões de velhas liras para tentar elevar o nível da equipe com a contratação de Sauzée, um campeão europeu. O francês foi o principal reforço dos nerazzurri para a temporada 1993-94.
Com a saída de Lippi para o Napoli, a Atalanta apostou no emergente Francesco Guidolin, que havia levado o Ravenna da Serie C1 para a segunda divisão. O técnico vêneto teria à disposição, além de Sauzée, um elenco com nomes como o goleiro Fabrizio Ferron, o zagueiro Paolo Montero, os volantes Alemão e Alessio Tacchinardi, os meias Pierluigi Orlandini e Domenico Morfeo, e os atacantes Roberto Rambaudi e Maurizio Ganz. Contudo, o treinador teve atritos com os jogadores da Dea e somou apenas duas vitórias nas 10 primeiras rodadas do campeonato, de modo que acabou demitido.
Nos meses em que foi comandado por Guidolin, Sauzée não pode reclamar das chances que recebeu. Dono da camisa 10, foi frequentemente utilizado e não repetiu as atuações dos tempos de Marseille. Na verdade, jogou tão mal quanto seus companheiros e se tornou alvo das vaias da calorosa torcida nerazzurra. O fato é que o francês sentia dificuldades de se ambientar à nova realidade e sofreu sob o ponto de vista tático. Franck até ensaiou uma reviravolta em outubro, quando anotou três gols – um de pênalti, na derrota caseira por 4 a 1 para a Sampdoria, pela Serie A, e os outros em vitórias sobre o Cosenza, pela Coppa Italia. Foi só.
Após a demissão de Guidolin, a diretoria da Atalanta resolveu apostar em Cesare Prandelli, que fora jogador da agremiação e era responsável pela equipe sub-19 nerazzurra. Curiosamente, o jovem técnico não tinha sequer a documentação necessária para comandar um time de primeira divisão e teve de ser “tutelado” por Andrea Valdinoci. As escolhas, porém, eram todas suas e o ex-volante optou por privilegiar pratas da casa que formava na categoria Primavera, como Tacchinardi, Morfeo e Tomas Locatelli.
Devido às novas diretrizes adotadas por Prandelli, o outrora badalado Sauzée perdeu espaço. Preterido pela garotada bergamasca, o francês atuou em apenas sete dos 26 jogos que a equipe fez após a transição no comando e concluiu a temporada com meras 18 aparições e três gols. A Atalanta, por sua vez, não conseguiu melhorar de rendimento, o que levou até o presidente Percassi a entregar o cargo e ser substituído por Ivan Ruggeri. No fim das contas, o time somou apenas cinco vitórias em todo o certame e, na penúltima posição, foi rebaixado para a Serie B.
Em cerca de um ano, Sauzée passou de campeão europeu desejado por um clube emergente do campeonato mais forte do mundo a jogador descartável após um inesperado rebaixamento. Considerado como uma das piores contratações da história da Atalanta, logo foi colocado no mercado pela diretoria orobica e voltou para a França, acertado com o Strasbourg.
Em seu país, o meio-campista recuperou a boa forma e ajudou o Racing a ser finalista da Copa da França, se sagrando o único jogador de toda a história a disputar quatro decisões do torneio por times diferentes. Apelidado como Kaiser (ou “imperador”), Sauzée ainda anotou nove tentos na campanha do título do Strasbourg na Copa Intertoto e, na Copa Uefa, balançou as redes de San Siro com um gol de falta sobre o Milan. No entanto, clube da Alsácia acabou eliminado da competição.
Caminhando para o fim da carreira, Sauzée trocou de time em 1996, ao acertar com o Montpellier, que perambulava por posições intermediárias do Campeonato Francês. O jogador defendeu a equipe azul e laranja por duas temporadas e meia, até fevereiro de 1999. Aos 33 anos, Franck fechou com o tradicional Hibernian, que disputava a segunda divisão escocesa.
Pelos Hibs, o francês passou a jogar principalmente como líbero e, na função, ganhou a idolatria da torcida – e, por isso, o apelido de Le God. De cara, foi campeão da segundona local e, em 2000-01, ajudou o time de Edimburgo a ser terceiro colocado da Premier League e vice da Copa da Escócia. Em dezembro de 2001, encerrou sua carreira como atleta, aos 36 anos, para substituir o técnico Alex McLeish, que rumara ao Glasgow Rangers. No entanto, Sauzée conseguiu somente uma vitória em 15 partidas e foi dispensado depois de apenas três meses no cargo.
Fora dos gramados, Sauzée tem uma carreira de muito sucesso, que se desenvolve de maneira inversamente proporcional ao que foi capaz de entregar com a camisa da Atalanta. O ex-meia se tornou comentarista esportivo na França e angariou muito prestígio, a ponto de passar por algumas das principais emissoras de rádio e televisão do país – Canal+, Orange, RTL, Téléfoot e L’Équipe, por exemplo. Franck também emprestou a sua voz para 10 edições de jogos de videogame da série Fifa, entre 2006 e 2016.
Franck Gaston Henri Sauzée
Nascimento: 28 de outubro de 1965, em Aubenas, França
Posição: meio-campista
Clubes: Sochaux (1983-88), Marseille (1988-90 e 1991-93), Monaco (1990-91), Atalanta (1993-94), Strasbourg (1994-96), Montpellier (1996-99) e Hibernian (1999-2001)
Títulos: Segunda Divisão Francesa (1988), Europeu Sub-21 (1988), Campeonato Francês (1989, 1990 e 1992), Copa da França (1989 e 1991), Liga dos Campeões (1993), Copa Intertoto (1995) e Segunda Divisão Escocesa (1999)
Clubes como técnico: Hibernian (2001-02)
Seleção francesa: 39 jogos e 9 gols
ainda teve sobrevida na seleção francesa, sendo chamado, já veterano, para a euro de 96 na Inglaterra.
Não foi convocado. O último jogo dele pela seleção foi contra a Bulgária, em 1993.