Sabe aquelas histórias surpreendentes em que um jogador de pouco destaque é alçado inesperadamente a um grande palco do futebol? Então, Carlo Cudicini experimentou tal sensação. Após passagens sem brilho por Milan e Lazio, o goleiro não imaginaria que deixaria a terceirona italiana, no final dos anos 1990, para disputar a Premier League. A transferência só aconteceu porque o ex-atacante Gianluca Vialli, treinador do Chelsea na época, viu potencial no jovem arqueiro e o pinçou da Serie C1 para defender os Blues. Ainda que seja lembrado pela geração Z como eterno reserva de Petr Cech, Cudicini se destacou em Londres e até chegou a ser eleito como o melhor da liga inglesa na posição.
O futebol corre nas veias da família Cudicini. Carlo é filho de Fabio Cudicini, cujo nome está gravado no hall da fama do Milan, e neto de Guglielmo Cudicini, defensor mediano nas décadas de 1920 e 1930. O jovenzinho, nascido em Milão, seguiu os passos do pai e decidiu se aventurar debaixo das traves. Ele foi formado nas divisões de base do Diavolo e fez sua estreia pelo time rossonero na temporada 1992-93, entrando nos minutos finais da partida contra o Porto, pela Liga dos Campeões. Então titular, Sebastiano Rossi se lesionou e deu lugar ao garoto, que manteve a meta milanista inviolada e assegurou a vitória italiana por 1 a 0.
Ainda naquela temporada, Carlo seria titular contra o PSV, pelo último jogo do Grupo B da maior competição de clubes do mundo. O camisa 1 saiu de campo sem sofrer gols e viu o centroavante Marco Simone anotar uma doppietta para garantir o triunfo por 2 a 0. Com Cudicini na reserva do experiente Rossi, o Milan alcançou a final daquela Liga dos Campeões, mas sucumbiu diante do Olympique de Marseille, em Munique, pelo placar mínimo.
A fim de dar mais minutos a Cudicini, o Milan cedeu temporariamente o jovem arqueiro a dois times da terceira divisão em meados dos anos 1990: Como, pelo qual entrou em campo somente em sete jogos numa campanha de acesso à Serie B; e Prato, com o qual emplacou 30 partidas e, assim, despertou o interesse da Lazio. Os laziali pediram o jovem também por empréstimo ao Diavolo, que não dificultou o negócio e o enviou à capital.
Com a camisa biancoceleste, Carlo estreou na Serie A, mas teve azar. Em seu primeiro jogo na elite italiana, sofreu uma grave lesão, que o tirou de toda a temporada 1996-97. Ele foi acionado nos minutos iniciais da partida contra o Cagliari, no Olímpico, pela sexta rodada do campeonato, após o titular Luca Marchegiani ser expulso por tocar a bola fora da área com a mão direita. Utilizando o número 22 às costas, Cudicini entrou na vaga do centroavante Pierluigi Casiraghi e ajudou as águias a se superarem e saírem vencedoras do combate, por 2 a 1.
Porém, ao trombar com o meia Pierpaolo Bisoli na reta final do duelo, o garoto de 23 anos levou a pior e caiu no gramado sem conseguir mexer o joelho. Mesmo sentindo muitas dores na articulação, que ficou enfaixada, continuou jogando até o fim da peleja. Carlo, no entanto, havia rompido o ligamento anterior cruzado do joelho direito, o que o deixou fora do restante da temporada 1996-97. No fim das contas, sua estreia na elite foi seu primeiro e último jogo pela Lazio, já que, na época seguinte, ele seria negociado em definitivo com o Castel di Sangro.
Após um longo período distante dos campos, Cudicini conseguiu se recuperar no time giallorosso, então na terceira divisão italiana. Em sua primeira campanha pelos castellani, revezou com Massimo Lotti. Já em 1998-99, o milanês ganhou o posto de titular e teve relativo destaque: em 38 partidas, saiu de campo sem sofrer gols em 16. É verdade que o arqueiro também recebeu dois cartões vermelhos, mas nada que atrapalhasse a sua boa temporada.
No verão europeu de 1999, a vida de Carlo mudaria completamente. É que o Chelsea entrou em contato com a equipe italiana para levá-lo à Inglaterra. Tudo aconteceu porque Vialli, então jogador-treinador dos Blues, precisava contratar mais um goleiro para compor o elenco. Ed De Goey era o titular, Dmitri Kharine havia deixado o clube e Kevin Hitchcock estava prestes a completar 37 anos. Assim, Marchegiani e Fernando Orsi, os arqueiros que trabalharam com Cudicini nos tempos de Lazio, deram boas recomendações sobre o ex-colega ao comandante do Chelsea, que solicitou a contratação do compatriota por empréstimo.
“Vialli me chamou. Imediatamente esperei que a negociação se concretizasse: esta é uma oportunidade importante para a minha carreira”, destacou o goleiro, segundo a edição do jornal Corriere della Sera na época. Aos 25 anos, o arqueiro encontrou uma colônia italiana no plantel: Gianfranco Zola, Roberto Di Matteo, Gabriele Ambrosetti, Samuele Dalla Bona e Luca Percassi. Os franceses Marcel Desailly e Didier Deschamps também haviam jogado na Velha Bota e faziam parte do grupo.
Em sua primeira temporada na Grã-Bretanha, Cudicini viu do banco o Chelsea vencer a Supercopa da Inglaterra sobre o Manchester United, por 2 a 0, e buscou aprender o idioma local. Ele entrou em campo somente três vezes: uma pela Liga dos Campeões, uma pela Premier League e outra pela Copa da Liga Inglesa. Garoto pacato e tranquilo, segundo a descrição de uma matéria de maio de 2003 da Gazzetta dello Sport, Carlo acabou sendo comprado em definitivo um ano depois de chegar a Londres.
Vialli acabou demitido em setembro de 2000, e a diretoria do Chelsea trouxe mais um italiano para substituir o ídolo da Sampdoria: Claudio Ranieri. Curiosamente, no mesmo mês da saída de Gianluca, Cudicini conseguiu sua grande chance de mostrar serviço. Titular da meta, De Goey se lesionou e deu lugar a Carlo. Quando o arqueiro holandês ficou disponível novamente, voltou para a reserva. No entanto, o rendimento do veterano caiu e o então treinador dos Blues confiou ao milanês a vaga no onze inicial do time até o fim da temporada.
Carlo começou a campanha 2001-02 na reserva de Mark Bosnich, arqueiro australiano que havia sido contratado em janeiro de 2001, após deixar o Manchester United gratuitamente. Mas recuperou a posição em novembro do mesmo ano e não saiu mais. Com o italiano debaixo das traves, o Chelsea chegou à final da Copa da Inglaterra – os Blues foram derrotados pelo rival Arsenal, por 2 a 0, na decisão.
Cudicini viveu seu auge entre 2001 e 2003. Não à toa conquistou a Sedia d’Oro, honraria concedida ao melhor futebolista italiano em atividade noutro país, e o prêmio de jogador do ano de 2002 eleito pelos torcedores do Chelsea – um goleiro não recebia tal reconhecimento desde 1986. Em novembro de 2002, recebeu sua primeira e única convocação para a Nazionale, então treinada por Giovanni Trapattoni: ficou na reserva durante amistoso contra a Turquia, encerrado em 1 a 1. Vale lembrar também que Carlo fez parte das seleções sub-18 e sub-21.
O arqueiro milanês também foi peça importante no retorno do Chelsea à Liga dos Campeões, após três anos de ausência. Os Blues finalizaram o campeonato de 2002-03 na quarta colocação, o que lhes classificou à maior competição de clubes do planeta. A boa fase do atleta culminou no prêmio Luva de Ouro como melhor goleiro daquela edição da Premier League.
A situação de Cudicini no Chelsea mudou depois que Roman Abramovich comprou a agremiação, em julho de 2003, e acertou a contratação do treinador do momento, José Mourinho, que havia vencido a Liga dos Campeões com o Porto, em 2004. Junto do Special One, chegaria Cech. O checo mandou o italiano para o banco e se tornou um dos maiores goleiros da história do clube.
Na reserva de Cech, Cudicini só não conseguiu ganhar a Liga dos Campeões – os londrinos bateram na trave, ficando com o vice em 2007, após caírem para o Manchester United nos pênaltis. De resto, recheou seu currículo com os títulos de Premier League, Copa da Liga Inglesa, Copa da Inglaterra e Supercopa da Inglaterra. Depois de 216 jogos, oito troféus e quase uma década de clube, Carlo deixou o Chelsea, em janeiro 2009, para se juntar ao rival Tottenham.
A aventura pelos Spurs, obviamente, foi bem mais curta do que a vivida nos Blues. Além disso, o goleiro sofreu um acidente de moto, em novembro de 2009, e fraturou a bacia e os pulsos, o que deixou sua carreira em xeque. Porém, se recuperou e voltou a permanecer à disposição na reserva. Um fato curioso é que, ainda sendo atleta profissional de uma grande competição, como a Premier League, Cudicini atuou como comentarista em duas ocasiões.
A primeira foi em outubro de 2010, no clássico entre Chelsea e Arsenal, e a segunda ocorreu em janeiro de 2012, quando Manchester City e Manchester United se enfrentaram pela Copa da Inglaterra. Ambas as partidas ele comentou para a Sky Sport Italia. Depois de 37 jogos em quatro temporadas, Cudicini deixou o Tottenham no final de 2012. Passada a virada de ano, o italiano assinou com o LA Galaxy sem custos e encerrou a carreira na Major League Soccer.
Com as luvas penduradas, Cudicini decidiu seguir trabalhando no futebol. Foi treinador de goleiros da seleção irlandesa sub-21, em 2015, e retornou ao Chelsea, em julho de 2016, para se tornar embaixador da agremiação e assistente de Antonio Conte. Também auxiliou o comandante Maurizio Sarri em sua aventura por Stamford Bridge e, por fim, em 2019, foi anunciado como técnico de jovens jogadores emprestados aos Blues, numa parceria com o português Paulo Ferreira. No fim das contas, Carlo construiu um grande legado no clube mais italiano da Inglaterra.
Carlo Cudicini
Nascimento: 6 de setembro de 1973, em Milão, Itália
Posição: goleiro
Clubes: Milan (1992-93 e 1994-95), Como (1993-94), Prato (1995-96), Lazio (1996-97), Castel di Sangro (1997-99), Chelsea (1999-2009), Tottenham (2009-13) e La Galaxy (2013)
Títulos: Serie A (1993), Supercopa Italiana (1992 e 1994), Supercopa Uefa (1994), Supercopa da Inglaterra (2000 e 2005), Copa da Inglaterra (2000 e 2007), Premier League (2005 e 2006) e Copa da Liga Inglesa (2005 e 2007)
Cudicini era o goleiro titular nos últimos anos do Chelsea pobre, que, ao contrário do Manchester City pobre, até que um time razoavelmente bom.